Kathy Best sabe que o jornalismo investigativo mais impactante é resultado da colaboração.
Best é diretora do Centro Howard para Jornalismo Investigativo da Universidade de Maryland, nos arredores de Washington. Em menos de dois anos em sua função ela já conseguiu liderar projetos colaborativos premiados.
Na verdade, o primeiro projeto do centro — uma colaboração sobre mudanças climáticas entre a NPR e o Capital News Service, realizada por estudantes de Maryland — ganhou o primeiro prêmio de jornalismo colaborativo da Sociedade Americana de Jornalistas Profissionais.
Mas talvez o mais legal de chefiar o Centro Howard tenha sido colaborar com outras universidades em investigações nacionais ambiciosas. “Você pode aproveitar os pontos fortes de cada faculdade de jornalismo e os alunos podem trabalhar com pessoas que eles nem mesmo conheceriam de outra forma”, disse Best.
Com um exército de estudantes ávidos por aprender e jornalistas vencedores do prêmio Pulitzer como instrutores, Best sabia que era possível produzir matérias inovadoras enquanto ensinava a próxima geração de repórteres como trabalhar juntos.
O resultado foi um esforço colaborativo envolvendo sete universidades, 19 professores e mais de 270 alunos — de Oregon a Arkansas — que produziu cerca de 40 matérias sobre como as pessoas estão vivenciando a falta de moradia nos Estados Unidos, um projeto chamado Nowhere to Go.
Uma colaboração universitária a nível nacional
Depois que Best começou como diretora do centro em abril de 2019, ela falou com Deborah Nelson, professora de reportagem investigativa em Maryland. Nelson ajudou a escrever a proposta original de subsídio para o centro e deu a Best uma lista de cerca de 20 instrutores em programas de jornalismo investigativo em todo o país.
Três instrutores imediatamente aproveitaram a oportunidade: Maggie Mulvihill da Universidade de Boston, Rob Wells da Universdade de Arkansas e Brent Walth da Universidade de Oregon.
Naquele verão, Best e Nelson encontraram Walth na conferência do Investigative Reporters and Editors (IRE) em Houston. Walth disse a eles que estava interessado em cobrir os sem-teto a partir de uma perspectiva do jornalismo de soluções, e decidiram avançar com essa ideia como um projeto colaborativo.
Conforme o foco da história e os membros principais do projeto se tornaram claros, mais três parceiros se juntaram: Moni Basu na Universidade da Flórida, Christina Leonard na Universidade do Estado do Arizona e Cheryl Phillips na Universidade de Stanford.
Muitos dos professores de jornalismo, como Mulvihill, já tinham aulas de investigação organizadas para alistar seus alunos neste trabalho. Outros, como Walth, planejavam aconselhar alunos em programas de pesquisa independentes ou trabalhar com publicações conduzidas por alunos. No final do verão, uma enorme equipe de instrutores e alunos estava começando a tomar forma.
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Mergulhando nos dados
Quando os alunos começaram a chegar ao campus no outono de 2019, seus instrutores os ajudaram a começar a trabalhar. A primeira etapa foi a coleta de dados.
Havia cerca de 80 alunos de Maryland solicitando informações de agências policiais em todo o país, além de alunos tentando encontrar dados semelhantes em Boston, Oregon, Stanford e outros lugares.
Uma dessas alunas de Maryland foi Luciana Perez-Uribe, estudante do segundo ano de graduação em jornalismo. Perez-Uribe achou especialmente útil ver o que outros colegas estavam encontrando em suas cidades, tanto para trocar ideias quanto para ampliar o escopo do projeto colaborativo.
Ryoma Komiyama, estudante de graduação da Universidade de Boston, trabalhando no projeto dos sem-teto. Foto: Kamome Komiyama
“É muito importante compartilhar dados”, disse Perez-Uribe. “Sempre que você pode fazer uma solicitação de registros, obter dados e compartilhá-los com outras equipes, isso expande toda a matéria porque você pode obter dados nacionais em vez de apenas um único estado ou condado.”
Os alunos buscavam reunir alguns dados principais sobre a falta de moradia em diferentes cidades, como registros de 311 reclamações de moradores e chamadas da polícia para atendimento. No entanto, é notoriamente difícil obter registros públicos de agências policiais, mesmo quando a lei está do lado dos jornalistas. Sean Mussenden, editor de dados do Centro Howard, disse que é comum que os alunos sejam ignorados ou que as autoridades coloquem todos os tipos de travas.
Organizando a reportagem
Os dados obtidos pelos alunos durante o outono e o inverno moldaram sua cobertura. Em fevereiro de 2020, Nick McCool, então aluno do quarto ano de graduação da Universidade de Boston, ficou sabendo de uma estatística que ajudou seu jornal a chegar ao topo do projeto.
Com a ajuda de Mulvihill, seu instrutor, McCool vinha tentando obter dados de prisões de moradores de rua do Departamento de Polícia de Boston. Ele descobriu que, em 2019, as pessoas sem teto eram responsáveis por cerca de 13% do total de prisões em Boston.
Conforme os alunos faziam suas apurações, seus instrutores discutiam o que estavam encontrando em uma ligação semanal. Com o tempo, dois tópicos claros surgiram: criminalização e acampamentos.
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Mas com tantos alunos e professores diferentes envolvidos, Best e Nelson sabiam que seria difícil fazer tudo se encaixar. Então, eles aconselharam os instrutores a buscar histórias locais que fizessem sentido para seus alunos — e eles descobririam quais informações extrair para duas histórias nacionais mais tarde.
Na maioria das vezes, essa abordagem funcionou bem, pois cada um dos instrutores e faculdades tinha estilos e interesses diferentes. Enquanto o Oregon se concentrava em soluções em suas reportagens, por exemplo, Maryland fazia um mergulho mais profundo nos problemas e causas.
Mas quando chegou a hora de construir as matérias nacionais, Walth disse que faltava um foco coeso. Seus alunos acabaram dedicando tempo para adicionar estatísticas nacionais e fornecer um enquadramento mais amplo para a matéria da criminalização principal, apenas para ver seu trabalho cortado nas rodadas finais da edição — uma lição frustrante, mas importante, em grandes projetos de jornalismo colaborativo.
“Isso é jornalismo. Você tem que lidar com isso, você tem que se ajustar, você tem que se levantar e continuar”, disse Walth. “Foi uma experiência autêntica e real de jornalismo.”
No final, muitos dos alunos puderam publicar trabalhos em publicações locais e regionais, como The Register-Guard (o jornal diário de Eugene, Oregon) e The Boston Globe. A principal matéria sobre criminalização também foi distribuída nacionalmente pela AP e publicada online pelo Washington Post e New York Times.
Este artigo foi publicado originalmente na página no Medium do Cooperative Media e é republicado aqui com permissão.
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