A onda de violência nas escolas brasileiras, com o registro de 21 ataques entre 2022 e 2023, é um alerta para o combate ao discurso de ódio. Como identificar e prevenir o extremismo? Com ideias como o guia Escola Livre de Ódio desenvolvido pelo Porvir, plataforma de jornalismo sobre tendências em educação no Brasil. O material é didático, multimídia e com linguagem visual atrativa. O conteúdo de educação midiática busca alertar sobre a desinformação nas redes e a necessidade de trabalhar o respeito às diversidades nas escolas. O projeto foi destaque da segunda edição do Jogo Limpo, programa realizado pelo ICFJ e financiado pelo YouTube Brasil.
O conteúdo procura reconhecer e conter atos de racismo, misoginia, LGBTfobia, neonazismo, gordofobia e capacitismo. Três projetos de sucesso contra o extremismo, implementados em escolas públicas, servem de inspiração e são explicados no guia. A equipe pretende ampliar os cases e quer orientar professores nas redes e secretarias de educação. “Queremos, também, estabelecer diálogo nas universidades com os grupos que já trabalham com essa temática”, afirma Regiany Silva, gerente de produto.
Especialistas sobre educação e sobre extremismo no campo político, pesquisadores sobre desinformação, professores e familiares foram ouvidos na apuração. “Essa escuta ajudou a organizar a estrutura dos capítulos. Primeiro com o entendimento do que é o extremismo, depois, como ele se relaciona com a desinformação, principalmente nas redes sociais e, por fim, os motivos que fazem os adolescentes serem cooptados por esses discursos de ódio,” explica Marina Lopes, editora de conteúdos especiais.
O surgimento da ideia
Tatiana Klix, diretora do Porvir, diz que a ideia veio dos dados produzidos no relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, publicado em dezembro de 2022, e entregue para a equipe de transição do governo federal. O documento adverte para o aumento dos ataques e a falta de criminalização desses discursos.
O respeito às vítimas e a reflexão da abordagem sem espetacularizar a tragédia para não contribuir com um “efeito contágio” foi preponderante na montagem do guia. “Teve uma discussão recente no meio jornalístico para não se dar ênfase à pessoa que fez o ataque e evitar passar detalhes sobre o planejamento e execução do atentado, porque um ataque a uma escola incentiva outros”, afirma Klix. Outra preocupação foi em não divulgar os símbolos do extremismo ou as imagens das vítimas.
A linguagem visual
A escolha por trabalhar com silhuetas solucionou a questão de não reproduzir as imagens dos atentados, explica Silva. “Nós estamos falando de situações muito complexas em que pessoas foram mortas, brutalmente feridas e suicidaram. Trouxemos a silhueta porque queríamos trazer a humanidade, mas sem trazer as expressões faciais dos envolvidos e correr o risco de revitimizar esses sujeitos.”
A Sintrópika, equipe de design e programação, coordenada por Silva, criou a identidade visual a parir da ideia de um jovem dentro do quarto escuro em contato com os discursos de ódio das redes. “Foi a partir desse insight, desse jovem dentro do quarto com pouca iluminação e com projeções de monstros que saem da tela, que criamos a direção de arte”, explica Silva.
Uma iniciativa promissora
O “Observatório Internacional da Notícia”, do Centro de Excelência Atheneu Sergipense, em Aracaju, foi um dos exemplos escolhidos para ser divulgado no guia. A iniciativa do professor de sociologia Yuri Norberto, em parceria com o professor de língua portuguesa Ronney Marcos Santos, procura entender como o discurso de ódio se organiza. Eles fazem como uma ‘agência de checagem’ na sala de aula. Toda semana os grupos monitoram um volume alto de mensagens de cinco redes sociais entendendo como os sentidos foram construídos e quais estratégias foram usadas.
A organização de circulação da desinformação surpreendeu o professor. “É aterrorizante. Por trás da ‘tia do WhatsApp’ que compartilha uma notícia sem checar, existe uma estrutura muito maior e nada despretensiosa”. Norberto pontua que há uma padronização da linguagem e alguns elementos que se repetem, como a manipulação da realidade com discursos do senso comum de apelo afetivo, do tipo “querem acabar com o Brasil” ou “precisamos defender nossas crianças".
A mentoria
A mentoria do jornalista Thiago Reis ajudou a alinhar os objetivos do projeto. “Ele contribuiu na concepção das animações e de alguns conceitos para deixá-los mais didáticos. Foi muito parceiro e incentivador”, diz Silva. Lopes relata que foi fundamental o trabalho do mentor sobre as questões de divulgação e distribuição. “Nós, jornalistas, temos muita prática na criação do projeto, mas não temos tanta experiência na divulgação e em ampliar o impacto.”
Reis afirma que a escolha dos cases e das dicas de combate as violências servem como ferramentas para os educadores aplicarem às suas realidades. “A equipe era muito madura e tinha muita responsabilidade e cuidado em trabalhar com o tema”. Ele destaca o potencial do material. “Esse projeto é o mais completo sobre extremismos nas escolas do Brasil e no modo como os professores podem aplicar algumas ações para combatê-lo.”
Foto: Retirada do website do Porvir