Conselhos para estudantes de jornalismo

Nov 12, 2023 em Jornalismo básico
Estudante leitor

A partir da experiência como professor por mais de 20 anos, percebo que estudantes de jornalismo no Brasil começam o curso com muita empolgação, muito entusiasmo. Nessa toada, parecem um tanto perdidos. Precisam se informar. O duplo sentido é proposital. Tentam descobrir exatamente o que estão fazendo ali e a maioria não tem costume de consumir informação jornalística. Leem pouca notícia.

Com o passar do tempo, o modo de exigência na universidade não parece convencê-los sobre a necessidade de se entregar a esse vício cotidiano. Enfrentar títulos e lides logo cedo, acompanhado por bom café, soa como trabalho monumental e inútil. Apenas o estágio e a natural convivência com os pares obrigam futuros jornalistas a estar atentos aos acontecimentos. Dever laboral.

O caráter muitas vezes artificial da experiência nas salas e nos laboratórios da faculdade tira o dado de realismo necessário para movimentar o espírito, digamos, corporativo. A gente insiste porque essa é nossa tarefa. Persistimos em duas destrezas que fazem diferença: apurar bem e escrever bem, uma ação levando à outra. Pode-se ser melhor em uma ou outra. Não é possível hesitar nas duas.

Sim, há casos bem-sucedidos de progresso na formação, exemplos que dão orgulho danado. Estudantes decidem ler porque sabem que estão em momento crucial de formação, oportunidade única para que o sujeito não se separe de seus predicados por uma vírgula chata e qualquer. Estes mesmos graduandos aceitam também o conselho que afirma que o jornalismo não se realiza apenas e tão-somente na prática. É preciso teorizar, porque daí brota algo essencial: senso crítico.

No livro Os elementos do jornalismo, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel, a reflexão e a consequente conscientização sobre usos ou abusos diários do jornalismo chegam a bom termo. Dos "elementos" apontados, destaca-se o que exige a "disciplina da verificação". Quer dizer, checagem. Somos nós dizendo ao leitor-ouvinte-espectador que o que estamos afirmando pode ser confirmado. Unidos contra fake news.

Atravessa os outros elementos algo muito importante que os autores, entretanto, não identificam como crucial: o jornalismo se faz na linguagem. Para chegar à verdade ou monitorar o poder, por exemplo, dependemos do domínio da nossa principal ferramenta. No caso brasileiro, a velha e boa língua portuguesa.

E aí está o nó principal a desatar. Como convencer estudantes de que as regras gramaticais e as normas de escrita de cada veículo precisam e devem ser seguidas? Como alertá-los para a importância de se colocar a vírgula no lugar correto para não cometer erros na informação? Tarefa cada vez mais ingrata, simplesmente porque poucos se importam, inclusive parte expressiva dos professores.

Os cursos de Jornalismo nas instituições públicas mais reconhecidas têm fama de serem difíceis de acessar (alta concorrência) e fáceis de sair, isto é, exigem pouco do aluno. Isso é uma verdade parcial, claro. Fato é que estudantes (não todos) chegam ao fim da graduação mesmo sem saber escrever à perfeição de acordo com a norma culta. Seguem aos trancos e barrancos, passando por cima de dicionários, gramáticas e manuais. Entendem que o Google tudo resolve. Só que não.

Jornalismo não é campo de prova de experiências, não tem espaço para ambiguidades, não pode abrir brecha para ruídos. Quando há dúvida sobre isso, peço aos estudantes que leiam Graciliano Ramos. Engenheiros não podem errar cálculos, médicos não podem errar diagnósticos. Jornalistas não deveriam errar ao escrever – a oralidade do rádio e da tevê "corrige" o que o público não vê no papel. Jornalistas não podem errar sem destino por aquilo que constitui a sua principal e generosa entrega à sociedade: informação verdadeira transformada em notícia.

Aprender a apurar corretamente e levar isso ao texto com clareza e precisão é o que de melhor podemos oferecer, inclusive do ponto de vista ético. Não queremos fazer da nossa profissão telefone sem fio, uma brincadeira de criança. Nesse equilíbrio entre verbos – perguntar, pesquisar, anotar, transcrever, escrever, editar, revisar –, mora a chave do sucesso que atravessa meios e veículos, redações e assessorias.

Professores costumam discordar sobre o perfil esperado de um jornalista. Formar profissional capacitado para atuar em alta performance no mercado ou construir ser humano capaz de mudar o mundo a partir da esfera pública. Nem uma coisa nem outra. E tudo ao mesmo tempo. Em ambos os casos, língua e linguagem são pontos de partida e chegada.

Assim chegamos ao lugar-comum de que escritura não se faz sem leitura. Só escreve bem quem lê bem, a ponto de desenvolver a imprescindível habilidade de perceber os próprios acertos e erros. E o ato de ler começa com disciplina diária, como antídoto para a dispersão contemporânea.

Guarde tempo na agenda para o jornal (e a literatura, sempre). Procure o que há de melhor. Assine, por exemplo, a piauí e baixe o aplicativo tanto do jornal preferido como também daquele que você detesta, porque é preciso ler o inimigo, para saber como ele pensa e age. Com tudo isso, cresce a chance de o remédio amargo se transformar em elixir de longa vida.


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