Em julho de 2018, um vídeo mostrando mulheres e crianças sendo vendadas e executadas por homens em uniformes militares começou a circular nas redes sociais. A Anistia Internacional acusou soldados camaroneses pelos assassinatos ocorridos no país. O governo de Camarões inicialmente descartou os relatos, chamando-os de "fake news" e insistiu que os soldados não eram camaroneses.
Através de forense digital e jornalismo de fonte aberta, o Africa Eye, a unidade de investigação da BBC na África, conseguiu identificar quando e onde ocorreram as mortes, o tipo de armas usadas e a identidade dos criminosos. A investigação provou que os uniformes militares usados pelos soldados no vídeo eram de fato os mesmos usados por algumas divisões de militares camaroneses.
O jornalismo e as investigações de fonte ou código aberto envolvem o uso de informações públicas --como imagens de satélite, conjuntos de dados abertos e mídias sociais-- para contar uma história ou verificar eventos contestados. Os jornalistas podem investigar, verificar e analisar dados ou informações prontamente disponíveis na internet.
A investigação chamou muita atenção principalmente por causa da natureza dos assassinatos e das técnicas usadas para investigar e ilustrar diferentes aspectos da história. O Africa Eye divulgou a reportagem de investigação no Twitter que recebeu mais de 70.000 curtidas e 50.000 retuites.
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— BBC News Africa (@BBCAfrica) September 24, 2018
In July 2018, a horrifying video began to circulate on social media.
2 women & 2 young children are led away by a group of soldiers. They are blindfolded, forced to the ground, and shot 22 times. #BBCAfricaEye investigated this atrocity. This is what we found... pic.twitter.com/oFEYnTLT6z
O produtor do Africa Eye, Daniel Adamson, e o investigador de código aberto Benjamin Strick, falaram com a IJNet sobre como realizaram a investigação.
Determinando a estrutura investigativa
Os investigadores da BBC Africa Eye procuraram responder a três perguntas: Onde isso aconteceu? Quando isso aconteceu? Quem foi responsável?
Delinear os elementos que se espera descobrir e como chegar mais rápido ao objetivo torna o projeto de jornalismo de código aberto mais fácil. Para se ter uma ideia dos elementos centrais que são necessários para uma investigação específica, Adamson sugere conhecer outros trabalhos de código aberto.
"Comece seguindo Bellingcat no Twitter", disse ele. “Leia todo o trabalho deles e observe as ferramentas que eles usam. Acompanhe também a equipe de investigações visuais do New York Times: eles são brilhantes no trabalho de código aberto. Para o trabalho documental investigativo de toda a África, siga o BBC Africa Eye no YouTube. Se você assistir a todos esses vídeos, começará a sentir os principais elementos de uma investigação.”
Depois de ter uma estrutura, fazer a investigação propriamente dita requer seguir determinados procedimentos ou processos que ajudem a organizar e acelerar o processo de investigação. Cada abordagem pode não ser exatamente a mesma para todos, mas ajuda a ter sistemas prontos para maior eficiência, disse Strick, que muitas vezes trabalha de trás para frente em suas investigações, eliminando o que ele sabe que não é verdade.
Utilizando ferramentas gratuitas
As ferramentas que a equipe usou para investigar os assassinatos estão prontamente disponíveis para qualquer pessoa com um computador e acesso à internet.
“O trabalho de código aberto pode ser feito por qualquer pessoa. As ferramentas são na maior parte gratuitas. É preciso apenas uma vontade de aprender, uma abordagem metódica e paciência”, diz Adamson.
Strick usou um player de vídeo para analisar quadro a quadro e o Google Earth para identificar a localização do vídeo. A equipe também usou o Sentinel Hub, um sistema baseado em nuvem para analisar imagens de satélite, para combinar com imagens para confirmar os locais, e SunCalc, um aplicativo online que mostra as fases de movimento e luz solar durante um determinado dia para determinar a que horas os assassinatos ocorreram.
Colaborando com não jornalistas
O jornalismo de código aberto depende muito da colaboração com pessoas que não são jornalistas para ajudar e verificar os fatos. A equipe que trabalha no projeto incluiu três repórteres da BBC e um grupo de cerca de 15 outros colaboradores que foram organizados em um grupo do Twitter e um canal do Slack. Analistas e pesquisadores da Anistia Internacional também contribuíram para a investigação.
“Há toda uma comunidade de analistas de código aberto disponíveis online, muitos dos quais têm habilidades e áreas de especialização. A colaboração deles é essencial para essas investigações”, disse Adamson. "Todas as descobertas, é claro, são verificadas de forma independente pela BBC."
Embora as colaborações ofereçam uma profundidade de habilidade e conhecimento, Adamson também observou que o processo de trabalhar com investigadores de código aberto pode ser um desafio, pois eles estão acostumados a publicar informações à medida que as encontram.
“A comunidade investigativa de código aberto está acostumada a trabalhar de maneira muito transparente, publicando cada descoberta individual à medida que aparecem no Twitter”, disse Adamson. "Foi um desafio dizer a eles: Espere, mantenha essa informação em segredo por enquanto. Vamos ao fundo da história toda e depois publicar'. ”
Imagem principal captura de tela do vídeo da BBC explicando a invvestigação