Conversamos com a Dra. Karen Kotloff, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas e Pediatria Tropical da Universidade de Maryland, como parte do Fórum Global de Reportagem sobre Crise de Saúde -- um projeto com a nossa organização, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ). Ela também é Diretora Associada de Estudos Clínicos no Centro de Desenvolvimento de Vacinas e Saúde Global da universidade e trabalhou extensivamente na África. A conversa online foi moderada por Joyce Barnathan, presidente do ICFJ.
Este artigo é parte de nossa cobertura online de reportagem sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.
Kotloff disse que, embora as crianças infectadas com COVID-19 estejam se saindo melhor do que os adultos em países que tiveram surtos generalizados, é muito cedo para dizer se o mesmo acontecerá em países onde a pobreza, a desnutrição e as doenças como HIV e tuberculose são generalizadas.
"Sabemos de outros vírus que existem diferenças regionais e que... os efeitos negativos no sistema imunológico de coisas como HIV e desnutrição fazem com que as crianças tenham uma doença mais grave", disse ela. "Não sabemos se é esse o caso da COVID. ...Realmente não sabemos o que acontecerá em lugares como a África e a Ásia, onde a desnutrição é um grande problema."
Aqui estão os destaques da discussão:
Por que as crianças têm menos complicações relacionados a COVID-19 do que os adultos?
"Para ser sincera, realmente não sabemos o por quê ... nos perguntamos se há uma diferença na resposta do sistema imunológico das crianças à infecção."
Mesmo que as crianças que tiveram o vírus pareçam saudáveis, poderia haver efeitos a longo prazo?
"Até agora, a maioria das crianças infectadas tem uma doença leve. Cerca de 10% terão doenças mais graves. Porém, conhecemos poucas crianças que morreram por causa dessa infecção."
As crianças estão se saindo bem na maior parte do tempo. Essa é a parte maravilhosa das notícias. Acho que não temos informações suficientes neste momento para saber o que acontece com as crianças no futuro."
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Como podemos controlar a propagação da doença em países densamente povoados?
"Com infecções que se espalham de pessoa para pessoa, é preciso levar em consideração o contexto social e político quando você tenta impedir a propagação. (Na África), há famílias nas áreas rurais com 200 pessoas que compartilham o fogo da cozinha. Isolamento social...não vai funcionar em um ambiente como esse. Precisamos pensar seriamente sobre como abordar o controle dessa infecção se percebermos que está começando a se espalhar na África e elaborar políticas e procedimentos aplicáveis. Eu me preocupo muito que uma vacina ou algum tipo de prevenção nessa escala realmente tenha que ser a resposta.”
Como serão afetadas as crianças nos campos de refugiados e em outros locais superlotados?
“Eu me preocupo muito com as áreas de detenção neste país (Estados Unidos) para imigrantes. ...Isso pode ser uma situação explosiva, colocando todos em risco. O mesmo acontece quando você tem situações de poucos recursos, como campos de refugiados. A melhor coisa que você pode fazer é colocar o máximo de sabão e água possível e separar as pessoas o máximo possível.”
As mulheres grávidas correm um risco particular?
“Sabemos que, para certas infecções como a gripe, que também é um vírus respiratório, as mulheres grávidas são mais suscetíveis a infecções mais graves.
Durante a [epidemia de] SARS, houve um risco aumentado de efeitos negativos na gravidez. Até agora, o que vimos (com COVID-19) é que parece não afetar mais gravemente as mulheres grávidas ...Houve bebês prematuros que nasceram, mas realmente não sabemos se o risco aumenta prematuridade. Vai levar tempo para descobrir isso."
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E o feto?
"Até agora, ninguém foi capaz de detectar evidências de que a mãe possa transmitir o vírus durante a gravidez para o bebê."
As mulheres grávidas devem tomar precauções especiais?
“Existem precauções limitadas que podem ser muito eficazes e são as mesmas que todas as pessoas devem tomar: isole-se, lave as mãos sempre que estiver em contato próximo com outra pessoa ou tocando superfícies que o público tenha acesso."
As mulheres que têm o vírus devem amamentar?
“Na grande maioria das vezes, parece que os benefícios da amamentação superam os riscos potenciais. Recomenda-se que, se uma mulher souber ou achar que está infectada, ela pode continuar a amamentar, mas deve tomar precauções: como usar uma máscara para cobrir o nariz e a boca.
Ela deve lavar as mãos antes de tocar no bebê. E nos países onde pode expressar leite, essa é outra alternativa, mas ela precisa garantir que, quando usar a bombinha, as mãos estejam limpas e o rosto coberto. ... Ou entregue a outra pessoa, se puder. Essa seria outra opção: ter outra mãe que amamente seu filho."
Os recém-nascidos estão sendo testados?
“Não, não estão sendo testados e mulheres grávidas não estão sendo testadas. Os testes foram... um dos maiores impedimentos para responder a muitas perguntas... porque há escassez extrema de testes de diagnóstico em áreas específicas. ...Há muita desigualdade em termos de quem tem testes disponíveis e quem não tem. No momento, não é recomendável fazer testes de rotina em nenhuma população nos Estados Unidos."
Haverá uma vacina especial para crianças?
“Será a vacina geral para a população. Não consigo pensar em um exemplo de vacina que se mostre segura para adultos e não para crianças. ...Mas nem fazemos testes em crianças até mostrarmos que a vacina é segura em adultos. Então, leva tempo para chegar a mulheres grávidas e crianças.”
Quando uma vacina estará disponível?
"Eu diria pelo menos 12 a 18 meses no mínimo" para que uma vacina esteja disponível.
Existem tratamentos eficazes para crianças?
“Não existe nenhum tratamento que sabemos ser eficaz agora. …Eu não recomendaria que um dos pais saísse e recebesse cloroquina (droga contra a malária) e a desse à criança…Poderia ter efeitos colaterais e toxicidade. Quando usado, ele precisa ser administrado adequadamente. ..."
Com que rapidez saberemos se um medicamento é eficaz como tratamento para COVID-19?
"Nós vamos saber sobre (a eficácia desses medicamentos) muito mais rapidamente. Acho que, nos meses seguintes, conheceremos a eficácia do remdesivir e da cloroquina em estudos bem conduzidos e, em seguida, poderemos fazer algumas recomendações. ”
Como os pais podem manter os filhos emocionalmente saudáveis durante um período de isolamento social?
"Seja criativo. De certa forma, os pais provavelmente estão passando mais tempo com os filhos do que quando trabalhavam em período integral. Acho que existem maneiras muito criativas de manter as crianças conectadas aos amigos usando as mídias sociais. Há muito entretenimento que pode acontecer virtualmente. Eu acho que manter seu filho ocupado, ativo e feliz pode realmente ajudar."
Como os pais devem conversar com os filhos sobre a pandemia?
"As crianças são esponjas e absorvem a ansiedade de seus pais. ...acho que eles precisam conversar diretamente com os filhos... e garantir aos filhos que seus pais estão fazendo de tudo para mantê-los seguros.”
Acho que, dando às crianças fatos simples de que existe uma infecção por aí e queremos proteger nossa família, ficaremos em ambientes fechados, mas é apenas por um tempo limitado e isso vai passar. …Os pais devem tentar encontrar novas rotinas normais às quais seus filhos possam se adaptar.”
E os adolescentes?
“Eu acho que os adolescentes são realmente um desafio muito maior, porque os adolescentes não se consideram vulneráveis de forma alguma. ...Os adolescentes continuam a se encontrar. …As infecções às vezes graves em pessoas de 20 a 30 anos estão em alta nos Estados Unidos, especialmente. Precisamos encontrar maneiras eficazes de enviar mensagens aos adolescentes, o que é sempre um desafio. …Eles precisam de mensagens direcionadas para impedir que sejam sociais. Eles estão programados para serem sociais.”
Existem evidências de que o fechamento de escolas é uma maneira eficaz de impedir a propagação do vírus?
“Crianças em idade escolar são um reservatório (para a gripe). Elas podem não estar doentes e ainda ser uma fonte de transmissão para adultos e idosos com risco aumentado de morte. ...Não sabemos se isso está acontecendo (com o coronavírus) porque as maneiras de descobrir isso ainda não estão disponíveis para nós. ...Não há provas, mas acho que é uma abordagem cautelosa e sensata."
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Este artigo foi publicado originalmente no site do ICFJ e reproduzido na IJNet com permissão.