Diversidade e jornalismo: desafios de veículos LGBTQIA+ no Brasil

May 18, 2025 em Diversidade e Inclusão
lgbtq+

Ao longo das últimas décadas, as mídias jornalísticas LGBTQIA+ no Brasil têm desempenhado um papel fundamental na luta por visibilidade, direitos e construção de identidades coletivas. Surgidas em um contexto de marginalização e censura durante a ditadura militar, essas publicações tornaram-se espaços de resistência, onde histórias ignoradas pela grande imprensa ganham voz.

Quem abriu caminho

O Lampião da Esquina é considerado o primeiro veículo de comunicação de massa voltada para a discussão dos direitos das minorias e, principalmente, da homossexualidade no Brasil. Criado em 1978 no Rio de Janeiro, época em que o debate em torno da sexualidade chamava à atenção dentro do panorama cultural e político nacional, circulou mensalmente com tiragem de 20 mil exemplares e teve 31 edições até junho de 1981.

Foram inspiradas no Lampião que outras mídias LGBTQIA+ surgiram, como a revista Híbrida. “A ideia surgiu em 2013, quando ouvi falar pela primeira vez no ‘Lampião da Esquina’", diz João Ker, editor-chefe da revista digital colaborativa. "Havia essa lacuna no mercado editorial brasileiro e, em 2016, apresentei o projeto editorial da Híbrida como meu Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade de Jornalismo da UFRJ. No ano seguinte, a colocamos no ar”.

Outro veículo que se inspirou na história das lutas LGBTQIA+ durante a ditadura foi a agência Diadorim, criada em 2021 em plena pandemia de Covid-19 e durante o governo de Jair Bolsonaro. “Após a participação de dois cofundadores em um curso sobre a história do movimento LGBTQIA+ no Brasil, especialmente no período da ditadura, surgiu em 2020 a ideia de criar um veículo voltado para os direitos dessa população. Perceber que desde 2019 também vivíamos um período de ameaça a direitos conquistados a duras penas despertou o desejo de criar uma frente de resistência”, explica Camilla Figueiredo, cofundadora da agência.

Dois Terços na Bahia

Fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, foi na Bahia que a imprensa LGBTQ+ se mostrou mais vigorosa. Quando estava na faculdade em Salvador, Genilson Coutinho se juntou aos amigos para criar o site Dois Terços. “Debatíamos questões de diversidade, racismo, e eu percebia que não havia na cidade uma mídia que falasse da nossa comunidade”, diz ele, hoje editor-chefe do veículo.

Criado em fevereiro de 2009, o Dois Terços foi ao longo de seus 16 anos agregando novos colaboradores e se estabelecendo como uma mídia para falar da arte, cultura e dos acontecimentos da cena LGBTQIA+ locais e nacionais. “Não somos uma ONG, mas a população entende que podemos contribuir no processo de uma retificação de gênero, no encaminhamento de uma denúncia. Ela sabe que, quando fazemos uma denúncia no nosso veículo, outras mídias propagarão”, afirma.

O site também é ligado à militância e promove ações junto à população LGBTQIA+ fazendo rodas de conversas dentro de universidades e escolas e realizando projetos de formação de plateia no teatro e no cinema.

De olho no legislativo

Foi nas eleições presidenciais de 2022 que a Diadorim viu o seu ponto de virada. Após vencer alguns editais e, com isso, conseguir realizar uma ampla cobertura do pleito com foco nas pautas LGBTQIA+, a agência percebeu que as reportagens sobre monitoramento de projetos de lei em tramitação nos legislativos locais e nacional ganhavam bastante repercussão.

Diante disso, em 2024, veio a Observatória, plataforma que monitora e simplifica informações de projetos de lei pró e anti-LGBTQIA+ no Brasil, disponibilizando dados atualizados para veículos e organizações – iniciativa que rendeu o Prêmio Cláudia Wonder 2025.

“Pink Money”, menos para o jornalismo

Embora o discurso de diversidade e inclusão venha conquistando espaço no mundo empresarial, o apoio efetivo do setor privado às organizações LGBTQ+ ainda é muito restrito. Dados do Censo GIFE 2022-2023 revelam que apenas 19% dos investidores sociais atuam diretamente nessa causa, enquanto a maioria das ações é transversal (49%) ou sequer considerada prioritária.

É unânime entre as mídias entrevistadas que a importância do chamado “Pink Money” (poder de compra da comunidade LGBTQIA+) é quase nula para elas. “A própria comunidade diz que tem que se unir, mas quando um empreendedor do meio lança seu produto, ele luta muito para ter o apoio dela”, afirma Coutinho, editor-chefe do Dois Terços.

Coutinho diz que nenhuma empresa voltada para a comunidade anunciou no site e que a única vez que o veículo contou com publicidade de empresa foi da CCR Metrô Bahia. “Quem ganha com o ‘Pink Money’? Não somos nós das mídias jornalísticas. São os bloco de Carnaval, bares, restaurantes. Isso ocorre principalmente com o advento das redes sociais, porque nelas as pessoas encontram tudo com facilidade e dificilmente vão até os sites das mídias”, analisa.

João Ker, da Híbirida, passa pela mesma questão e diz que a receita da revista vem de um apoio mínimo através de crowdfunding e do seu próprio investimento pessoal. “Poucas empresas têm vontade de se envolver com a pauta LGBTQIA+ a longo prazo, especialmente tratando-se de apoio ao jornalismo, e os poucos editais focados em iniciativas para a comunidade são focados em apoio à cultura ou a organizações sociais”, avalia.

Para driblar a dependência financeira de editais, principal fonte de recursos da Diadorim, o veículo, além de estar aberto a anúncios, criou o Lab Diadorim, iniciativa de serviços e inovação com foco na produção de conteúdo, pesquisas e ações de comunicação para empresas, ONGs e agentes públicos alinhados aos seus valores.

Algoritmos e preocupação com o futuro

Além da questão financeira, outros problemas são enfrentados pelos veículos como a dificuldade de driblar algoritmos e crescer de forma orgânica. “Há uma dificuldade de atingir o público LGBTQIA+ na internet uma vez que não há ferramentas de direcionamento que reconheçam essa população ou interesses similares em plataformas como o Google e a Meta e ainda diminuem o alcance de publicações com termos como "gay", "transfobia", "travesti" e outros essenciais para essa cobertura” explica Ker. Driblar o algoritmo foi inclusive a razão que motivou a adoção do nome “Dois Terços”, diz Coutinho.

Em relação ao futuro, há uma preocupação com os rumos do país e do mundo, especialmente devido ao crescimento da extrema-direita. Os obstáculos, entretanto, não desanimam. “Torço apenas para que não haja retrocessos ou mais demora nos avanços que ainda precisamos no Brasil. Espero que o cenário midiático esteja mais favorável, mas, se não estiver, seguiremos como for possível”, afirma Ker. “É uma canseira, mas não é motivo de desanimar, porque, afinal de contas, se fosse fácil não teria graça também”, declara Coutinho.


Foto: Pexels por Dibakar Roy