No mês passado, os protestos #Translivesmatter e #AllBlackLivesMatter explodiram nos Estados Unidos, com reverberações de solidariedade global se espalhando de Londres à Cidade do Cabo. À medida que os ativistas aumentam a conscientização sobre a violência interseccional na comunidade negra e a grave vulnerabilidade da comunidade LGBTQIA+, seu trabalho e debate apenas começaram.
Enquanto isso, o interesse da mídia pelo movimento aumentou. Paralelamente a uma maior cobertura, a agressão jornalística continua por meio de atos como deadnaming [chamar a pessoa pelo nome anterior] ou misgendering [se referir incorretamente ao gênero atribuído no nascimento]. A representação não violenta exige que os jornalistas repensem seu modo de operar.
Reunimos uma lista de dicas para ajudar a combater preconceitos heteronormativos e cisgêneros ao fazer sua reportagem:
1) Normalize o ato de perguntar os pronomes de preferência dos seus entrevistados, mesmo que você não assuma que sejam trans.
Se você faz entrevistas há anos e nunca perguntou a seus participantes quais são os pronomes deles, é provável que você os tenha interpretado mal ou usado pronomes incorretos em algum momento.
Em vez de tratar os entrevistados trans como casos especiais, estabeleça como procedimento padrão perguntar a todos por seus pronomes de preferência. Você se surpreenderá com quantos pronomes, incluindo os de cisgêneros, podem estar errados.
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2) Determine se é necessário divulgar a transexualidade de alguém.
Quando jornalistas entrevistam uma pessoa cis, eles raramente se referem a ela como cis. Ao mesmo tempo, os jornalistas muitas vezes enfatizam demais a identidade trans de uma pessoa.
Embora seja importante ter cuidado para não apagar a identidade trans de uma pessoa, considere se revelar isso é essencial para a história. No caso de muitos ativistas e da cobertura contemporânea do movimento #Translivesmatter, pode ser empoderador reivindicar visibilidade. No entanto, isso não é algo que um jornalista deva apenas assumir.
Se for essencial destacar a transexualidade de alguém, evite reiterá-la, exceto onde ela surge naturalmente na discussão. Por exemplo, você não precisa dizer "um ativista trans" ou "um homem trans" mais de uma vez.
3) Tenha cuidado com o tokenismo.
À medida que o interesse pelas questões trans aumentou, as publicações abriram suas plataformas para um grupo de pessoas que provavelmente voltarão a ser sub-representadas se for um esforço superficial para incluir a transexualidade.
Para evitar tokenismo e apagamento, os jornalistas devem cobrir as pessoas trans em suas reportagens inclusive quando a transexualidade não é o aspecto mais importante ou quando o tema não for mais popular.
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4) Considere se você é a pessoa certa para escrever sobre isso.
Ao tentar representar eticamente um grupo vulnerável à violência social e estrutural, os jornalistas devem considerar se participam ativamente da marginalização desse grupo. Se você tem um histórico de marginalização de um grupo, talvez não seja o seu lugar assumir as rédeas da representação dessa comunidade. Por exemplo, uma pessoa poderia reconhecer seu próprio homoantagonismo ou transantagonismo e decidir não escrever uma matéria sobre a comunidade LGBTQIA+.
Pense se você é a pessoa certa para escrever o artigo e, se não, peça a alguém que é. Talvez haja jornalistas trans que raramente têm as mesmas oportunidades de publicar.
5) Lembre-se da disforia e pergunte às pessoas como gostariam de ser representadas.
Embora nem todas as pessoas trans sofram de disforia, é importante verificar com os entrevistados suas preferências de representação: de pronomes a imagens. Pergunte aos participantes se preferem uma ilustração de si mesmos a uma fotografia, ou talvez ofereça a eles a oportunidade de se fotografarem.
Alguns participantes podem optar por trabalhar com um fotógrafo LGBTQIA + de sua escolha ou optar por não participar de sessões de fotos em geral. Nunca baixe imagens da mídia social de uma pessoa trans, supondo que ela se sinta bem com isso. Se os pronomes de alguém parece estranhos, respeite isso! Embora possa parecer pouco prático ou uma brincadeira, os pronomes das pessoas são sempre válidos. Permitir espaço para uma nova linguagem e definições de identidade é essencial para a representação inclusiva.
Não suponha que seu modo de reportagem em geral possa ser copiado e colado no processo de representação ética. Passe algum tempo lendo e ouvindo pessoas da comunidade LGBTQIA+. Pergunte a todos sobre seu gênero e evite o jogo de adivinhação.
No processo de construção de um estilo de reportagem mais inclusivo, você pode até descobrir mais sobre você e suas próprias preferências.
Nazlee Arbee é ativista e artista independente na Cidade do Cabo, África do Sul.
Imagem sob licença CC no Unsplash via Josh Wilburne