Crise no Equador: o que os jornalistas internacionais precisam saber

Jan 18, 2024 em Liberdade de imprensa
Mapa Equador

O Equador vive uma de suas maiores crises de segurança. A fuga de Fito, líder da facção criminosa Los Choneros, considerada uma das mais perigosas do país, as rebeliões nos presídios que fizeram agentes e policiais reféns e os ataques criminosos pelas ruas com explosivos levaram o presidente Daniel Noboa a decretar "conflito armado interno" e acionar as Forças Armadas para reestabelecer a ordem. No mesmo dia, homens armados invadiram a emissora TC Television em Guayaquil, rendendo funcionários, durante a transmissão ao vivo.

Para entender essas questões que assombram o país, o primeiro webinar do fórum do ICFJ de 2024 recebeu a jornalista equatoriana Thalíe Ponce. Ela é fundadora e diretora do Indómita, jornal digital com enfoque em gênero, e colaboradora do New York Times, em Guayaquil, sobre questões de segurança e política. Você acompanha a conversa dela com o jornalista Daniel Dieb pelo vídeo abaixo. O resumo segue na sequência. 

Como o Equador chegou nesse ponto?

De acordo com Ponce, a crise carcerária, o tráfico de drogas e a falta de segurança pública no país são a soma de fatores políticos, socioeconômicos e da localização geográfica estratégica. O Equador situa-se ao lado dos dois maiores produtores de cocaína do mundo: Colômbia e Peru.

A jornalista diz que é impossível desvincular os problemas econômicos e a violência enfrentada nas ruas do que acontece dentro das prisões, que se tornaram centros de operação do narcotráfico. “Existem quadrilhas organizadas que estão diretamente relacionadas aos cartéis do mundo, como, por exemplo, o Cartel de Sinaloa e de Jalisco Nova Geração (ambos do México), que estão relacionados com as operações no Equador”. Segundo ela, os detentos que dão entrada no sistema prisional por crimes menores, muitas vezes, são cooptados pelo tráfico de drogas.

Na análise de Ponce, a pandemia acentuou a crise. “Em 2020, o Equador, e, especificamente, Guayaquil, estava na primeira página dos jornais com mortos nas ruas, nas casas", diz a jornalista. "Esse fator social evidenciou um forte abandono do Estado. Uma população com uma pobreza grande que se aprofundou ainda mais com a pandemia. Claro que esses fatores seriam aproveitados pelo tráfico de drogas”.

Insegurança nos presídios

Ponce destaca que a criação de grandes complexos penitenciários, em 2016, pelo presidente Rafael Correa, piorou a situação, mesmo com o alerta de organizações internacionais de direitos humanos e de especialistas. Segundo Ponce, as novas penitenciárias pioraram as condições de vida dos presos e por causa do tamanho delas, o controle da segurança diminuiu.

Outro equívoco apontado pela jornalista equatoriana foi a decisão do próximo presidente, Lenín Moreno, ao passar a gestão do sistema penitenciário do Ministério da Justiça para o SNAI (Serviço Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade). “Houve uma mudança na hierarquia e o SNAI tem menos poder. Ainda foi transferido o controle dos presídios para os policiais, um dos maiores erros, porque as investigações já haviam comprovado um alto sistema de corrupção dentro da polícia”, destaca.

Jornalistas ameaçados e amendrontados

Ponce desabafava que os dias têm sido difíceis. “Tenho muito medo, quase toda a minha família mora aqui. Conheço muita gente que trabalha na emissora onde ocorreu o atentado. Vi uma das minhas amigas mais próximas, no ar, com uma arma apontada em sua direção. Foi muito forte”.

Para enfrentar a situação, ela acredita na criação de protocolos de segurança, como os existentes no México e na Colômbia, e na necessidade de ter uma rede de apoio dos amigos, familiares e colegas de profissão. “Toda vez que um de nós vai para um lugar perigoso, enviamos a localização para nossos colegas e dizemos quanto tempo vamos demorar", explica Ponce. "É um dos momentos mais desafiadores para o jornalismo no Equador, são muitos os jornalistas ameaçados e exilados e há quem optou por abandonar a carreira”.

Ela conta que a terapia tem ajudado a cuidar das angústias trazidas pelo trabalho. Para os colegas que não têm recursos, ela indica o apoio de redes, como a Chicas Poderosas Ecuador, e a leitura dos manuais sobre saúde mental e segurança, realizados pela Fundação Jornalistas Sem Correntes, que a convidou para desenvolver o manual de como cobrir a  crise carcerária. O material contextualiza o problema do país e disponibiliza uma lista de fontes oficiais e alternativas.

Como cobrir esta crise

Tratar de direitos humanos num contexto de polarização em que a população está revoltada com a onda de violência é um desafio. Para além da punição justa, Ponce ressalta a urgência da discussão sobre questões de gênero e infância para entender as causas estruturais da crise.

“Uma das questões mais urgentes para se falar neste momento no Equador, seja na cobertura local ou internacional, é sobre a infância. Existem muitas crianças que são alvo de traficantes e forçadas a receber treinamento para extorquir e matar", diz ela. "Meninas que são forçadas a se prostituir. Não é só porque elas não veem outro caminho pela pobreza extrema e falta de acesso à saúde e à educação, mas porque, em alguns casos, não lhes é dada outra escolha. Ou se juntam à gangue ou são mortas”.

Ponce destaca também ser fundamental que a imprensa internacional entre em contato com jornalistas do Equador para ter acesso às informações contextualizadas e às questões urgentes que merecem ser abordadas de forma aprofundada, sem focar apenas no factual. “É um ótimo momento para pensar em soluções e trabalhos colaborativos. O tráfico de drogas não é um problema apenas nosso”.


Foto: Arte Canva