Crise econômica na Argentina precariza o trabalho dos jornalistas

Aug 1, 2024 em Liberdade de imprensa
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"Escrevo uma média de 85 matérias por ano, no entanto sigo em condições trabalhistas de um colaborador que pode fazer no máximo 24 matérias anuais", conta Maxi Kronenberg, jornalista e redator argentino do Clarín e do Clarin.com, onde trabalha há sete anos de forma regular. De acordo com o Estatuto do Jornalista, uma vez ultrapassados cinco anos ininterruptos como colaborador de um veículo, a empresa deve efetivar o profissional, transferindo-o para a equipe permanente. "Há muito tempo que a empresa não dialoga nem quer efetivar seus colaboradores que trabalham como se fossem jornalistas da redação", acrescenta Kronenberg.

Os jornalistas argentinos estão em uma situação delicada. Em junho de 2024, o Sindicato de Imprensa de Buenos Aires (SIPREBA) publicou uma pesquisa de 17 páginas intitulada "Não há o que celebrar no Dia do Jornalista com salários de pobreza e sem liberdade de expressão". De acordo com o levantamento, em abril deste ano, 76% dos profissionais de imprensa da Região Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) recebiam em seu emprego principal um salário abaixo do valor da cesta básica estipulado pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo (INDEC). 

Embora a precariedade trabalhista no jornalismo afete grande parte do setor em escala global, na Argentina isso se converteu em um problema estrutural devido à delicada situação econômica e inflacionária do país, atualmente com uma inflação interanual de 289%. É por isso que grande parte dos sindicatos, federações e grupos organizados de jornalistas trabalham em pesquisas e investigações para dar visibilidade à situação atual da profissão.

Em 2022, o Fórum de Jornalismo Argentino (FOPEA) lançou o estudo Precariedade laboral como condicionante da qualidade do jornalismo profissional. As conclusões traçam os seguintes cenários: 1) 81,8% dos jornalistas argentinos pesquisados disseram estar descontentes; 2) mais da metade dos entrevistados tinha entre 40 e 60 anos, portanto a conclusão é que a precariedade atinge não só os jovens que tentam construir seu futuro, como também pessoas com ampla experiência; 3) os salários baixos são os principal motivo de preocupação, tendo em vista que oito em cada dez jornalistas ganham menos que a cesta básica total de Buenos Aires. "Podemos dizer que hoje muitos recebem cerca de 350 mil pesos argentinos (aproximadamente R$ 2.000)", afirma Amelia Corazza, diretora executiva do FOPEA.

De acordo com uma pesquisa do SIPREBA, em abril deste ano, o salário líquido da categoria de profissionais não chegava a 270.000 pesos (cerca de R$ 1.600), enquanto, há oito anos, esse mesmo trabalho valia 960.000 pesos (cerca de R$ 5.800). Ou seja, nesse período, os trabalhadores de imprensa passaram a receber valores insuficientes para uma estrutura familiar básica de quatro pessoas. A precariedade leva a remunerações mínimas, que por sua vez leva a contratos temporários e a uma situação de múltiplos empregos. Muitos dos jornalistas argentinos atualmente, pelo menos 52% dos entrevistados pelo SIPREBA, têm dois ou mais trabalhos remunerados para poder complementar a renda. Quando é feita a divisão por setor de mídia, a situação é a seguinte: na imprensa escrita, 52% têm dois ou mais trabalhos; no rádio, 49%; e na TV, a fatia diminui para 25%. Entre os freelancers, 31,5% incorporaram durante o último ano um trabalho adicional ao que já tinham.   

O contexto atual também está ameaçado pelo fechamento de veículos públicos realizado pelo presidente Javier Milei. À intervenção na agência de notícias Télam se somam o ajuste na Televisão Pública e na Rádio Nacional, com um plano de esvaziamento das 49 emissoras da rádio pública em todo país e dos correspondentes da agência de notícias nacional dependentes do estado argentino.

Os alertas vêm também de um movimento de demissões e perda de postos de trabalho. Quase quatro em cada dez jornalistas (37,3%) foram demitidos ao longo da última década na Argentina. E mais da metade dessas demissões (63,3%) foi sem indenização. Leo Timossi é jornalista e ex-editor da agência Diarios Bonaerenses (Agencia DIB), que oferece serviços informativos a veículos da região da província de Buenos Aires. A agência era privada e sobrevivia principalmente com publicidade oficial do governo, mas a administração atual suspendeu os anúncios pelo período de um ano através do Decreto 89/2023 publicado em 27 de dezembro de 2023. Timossi foi despedido este ano. "Entre fevereiro e março de 2024, nos alertaram que estávamos em uma situação de crise e que iriam nos pagar em duas parcelas", explica. Foi assim até que começaram as demissões. "Os telegramas foram chegando sem aviso prévio", relata. 

A combinação da situação econômica com as condições do setor geram também uma espécie de exílio da profissão. "Hoje há muitos jornalistas que se desfiliaram do FOPEA porque já não trabalham mais na profissão. Este é o resultado de uma precarização que vem de uma crise muito grande e que atenta diretamente contra a qualidade jornalística", reforça a diretora executiva do FOPEA.

Analía Cuccia é jornalista em Mendonza. Tem 28 anos de profissão e 24 deles foram no jornal Los Andes, vinculado ao Grupo Clarín. Ela foi despedida em abril deste ano antes da publicação ser vendida a um grupo de empresários da região. "Nós sabíamos que iam vender a empresa e que poderia haver demissões. Mas não houve um processo. Eu estava trabalhando em home office quando fiquei sabendo, e ao perguntar ao Recursos Humanos, me disseram que havia uma lista e que eu estava nela", conta.

O regime de cobertura de direitos dos profissionais de imprensa também está impactado. "É cada vez mais difícil para os jornalistas conseguirem um trabalho formal na Argentina. Na pesquisa que fizemos, 66,6% dos 2.465 veículos respondentes disseram não ter funcionários registrados no regime de maior cobertura de direitos", explica Corazza. De acordo com a ONU, o jornalismo é fundamental para o desenvolvimento sustentável, a proteção de direitos humanos e a consolidação democrática. Mas com as condições trabalhistas alteradas e em permanente mudança, a profissão sofre altos níveis de instabilidade. "Sem dúvida, o que mantém o jornalismo vivo hoje é a vocação dos trabalhadores", argumenta Cuccia.  


Imagem de Mario Amé via Pexels.