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O Repórteres Sem Fronteiras (RSF) afirma que se houvesse liberdade de imprensa na China, centenas de vidas poderiam ter sido salvas. Em dezembro, o oftalmologista chinês Li Wenliang foi preso por “espalhar rumores” sobre uma pneumonia parecida com o coronavírus SARS. O médico só foi liberado em janeiro e, logo depois, contraiu a doença e morreu. Na classificação global de liberdade de imprensa feita pelo RSF, a China ocupa a 177ª posição.
Enquanto isso, o Brasil está na 105ª posição. Desde que o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado no Brasil, os ataques à imprensa, a falta de transparência de dados oficiais e as tentativas para cercear a informação têm sido recorrentes.
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Lei de Acesso à Informação em risco
Em pronunciamento nacional, no 24 dia de março, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a imprensa era responsável pela “histeria” no país. Em nota de repúdio, a Associação Brasileira de Imprensa atentou para o autoritarismo contrário à democracia brasileira: “Testemunhamos ao longo dos últimos meses dezenas de episódios que atestam sua sanha autoritária e aspiração de governar sem o contraponto e a cooperação do Parlamento, do sistema de justiça, da imprensa livre e da sociedade civil organizada.”
Um dia antes, na noite do dia 23 de março, o presidente Bolsonaro havia publicado a Medida Provisória 928, modificando a Lei 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor no Brasil desde 2011. A MP, além de suspender o prazo de 20 dias de resposta dos órgãos do governo às solicitações, também colocava como prioridade as demandas relacionadas à saúde pública, mas sem explicitar sobre as questões econômicas e sociais que tangenciam a crise sanitária.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se pronunciou apontando que a MP “coloca a transparência e o controle social em um lugar secundário justamente quando a população sofre com a desinformação em meio a uma crise sem precedentes”.
O Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ) também se manifestou contra a ação autoritária do presidente: “As autoridades brasileiras não devem usar a crise do coronavírus como desculpa para restringir o acesso às informações do governo.”
Dois dias depois, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a MP 928/2020 com base na Ação Direta de Inconstitucionalidade. O ministro considerou que a MP pretendia “TRANSFORMAR A EXCEÇÃO – sigilo de informações – EM REGRA, afastando a plena incidência dos princípios da publicidade e da transparência".
Contaminação dentro do Palácio do Planalto
No final de fevereiro, o presidente Bolsonaro viajou para os Estados Unidos. Ao todo, 23 pessoas que estiveram em sua comitiva presidencial atestaram positivo para a COVID-19. O presidente afirma que seu resultado foi negativo, mas se recusa a tornar público o atestado.
A juíza federal do Distrito Federal, Raquel Soares Chiarelli, atendeu a um pedido feito pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), determinando que o Hospital das Forças Armadas (HFA), onde Bolsonaro realizou o teste, divulgasse a lista completa de pacientes que testaram positivo para COVID-19 na unidade.
O Ministério da Justiça, responsável pela unidade hospitalar, divulgou nota afirmando que todos os nomes tinham sido repassados ao Ministério da Saúde. No dia 26 de março, a juíza Chiarelli acolheu o argumento e encerrou o caso, sem divulgação do resultado do Presidente da República.
Falta de transparência dos casos
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil registrava 34.256 casos confirmados e 136 óbitos por COVID-19 até o último domingo (29). No entanto, desde a primeira morte registrada no dia 16, o alerta para a subnotificação foi dado, já que a vítima não constava entre os casos confirmados ou suspeitos. A Agência Pública traz esse e outros casos na reportagem “A caixa preta do Coronavírus no Brasil”, já a BBC Brasil mostra a demora para obtenção dos resultados dos testes para COVID-19.
A Defensoria Pública da União elaborou recomendações para o Executivo com base em estudo da Open Knowledge Brasil para trazer mais transparência das informações sobre COVID-19. Algumas delas a abertura da base de dados, assim como a metodologia dessa coleta, para que a análise de série histórica dos casos não seja prejudicada.
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Na luta por transparência e informação aberta
O programador e ativista de dados abertos Álvaro Justen, fundador da Brasil.IO, se uniu a outros 40 voluntários para centralizar os dados das Secretárias de Saúde dos 26 estados e Distrito Federal e disponibilizá-los de forma aberta para a população.
Dados em formatos incompatíveis com linguagens de programação, informações incompletas, falta de regularidade na publicação dos dados e até mesmo sites bloqueados fora do país foram alguns dos obstáculos encontrados. “Se eles só cumprissem a Lei de Acesso à Informação, a gente teria muito menos trabalho; isso abriria espaço e tempo para reportagens que tivessem um impacto maior, porque não iríamos perder esse tempo coletando esses dados”, explica Justen.
Para o programador, a precária qualidade dos dados disponíveis no Brasil é uma forma de elitizar a democracia. “Se não está fácil de chegar informação para a população, só quem tem acesso é quem tem tempo para procurar e conhecimento de programação; então o que a gente está tentando fazer é democratizar o acesso à informação”, diz.
Note do editor: A Abraji anunciou no dia 1° de abril que o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas retomou suas atividades para responder a retrocessos impostos à LAI.
Imagem sob licença CC no Unsplash por Robert Nyman