Converse com seu público e outras dicas para criar lealdade

por Jim Brady
Dec 17, 2019 em Engajamento da comunidade
Telefone

Há décadas o jornalismo tem o hábito de estar amplamente desconectado de seu público. Em busca da verdade objetiva e com medo de acusações de favorecer um lado sobre o outro, evitamos tudo, menos a voz impessoal e institucional.

E não conversamos muito com as pessoas a quem servimos.

Essa estratégia de voz sem corpo só funcionou — pelo menos financeiramente — por um motivo: o jornalismo não estava pagando a maior parte da conta. Ganhamos dinheiro com a venda de grandes públicos-alvo para anunciantes e essa receita era destinada a apoiar as redações. Mas a verdade é que estávamos no negócio da distribuição.

Embora esse modelo de negócios — como disse o velho de Monty Python e o Cálice Sagrado — ainda não esteja morto, ele está chegando ao fim.

É improvável que a maioria dos consumidores pague por algo emocionalmente inacessível. Há um limite para quantas publicações um consumidor está disposto a pagar e, se você quiser ser uma delas, precisará:

  1. Dar às pessoas um conteúdo tão indispensável que elas não possam viver sem.
  2. Fazer com que se sintam conectadas tão profundamente que queiram ajudar a mantê-lo vivo.

A maioria das organizações de notícias não pode passar no primeiro teste. Sim, sites de notícias locais geralmente cobrem histórias que ninguém mais faz, mas geralmente não são indispensáveis. A televisão local, por exemplo, tende a se concentrar em eventos extraordinários (assassinatos, tiroteios, incêndios etc.). Isso funcionava quando a web era direcionada por visualizações de página e publicidade. Mas, à medida que avançamos em direção a um modelo de lealdade em que os consumidores pagam a conta, os sites de TV locais precisarão mudar do extraordinário para o comum.

O consumidor moderno exige utilidade em vez de ubiquidade. Eles não se importam com o acidente de carro do dia, querem saber para onde ir para encontrar um bom hambúrguer. Eles se preocupam com os mapas de radar de um furacão que se aproxima, mas também querem saber onde podem comprar sacos de areia. Eles estão preocupados com o problema de chumbo nas escolas, mas o que realmente querem saber é se há chumbo na escola de seus filhos.

Na minha última coluna, listei sete maneiras de se conectar melhor com os leitores. Aqui, quero fornecer alguns exemplos da vida real. Uma ressalva: o envolvimento com os leitores só importa se você criar valor para todos. As seções de comentários preenchidas por trolls e ignoradas pelas redações não ajudam ninguém. Nem ajuda pedir aos consumidores que contribuam com fotos que vão para um buraco negro. Na verdade, isso funciona contra o objetivo de criar lealdade.

Para tirar o máximo proveito do que os consumidores podem trazer para a mesa, precisamos fazer cinco coisas:

  1. Falar com eles
  2. Escutá-los
  3. Encontrar com eles
  4. Deleitá-los
  5. Fazer parceria com eles

Falar com eles

É o mais simples de colocar em ação e não requer nada além de adicionar um tom pessoal ao seu trabalho. Aqui está um exemplo simples: em 1º de setembro, várias novas leis entraram em vigor no Texas. O noticiário de TV ABC13, em Houston, deu a manchete: "As novas leis do Texas que entrarão em vigor em 1º de setembro incluem cerveja para viagem". Exato. Mas veja como fez o Texas Tribune: “820 novas leis do Texas entram em vigor em setembro. Aqui estão algumas que podem afetar você". O uso da palavra “você” faz uma enorme diferença, e a manchete deixa claro que a equipe do Tribune selecionou esta lista com o consumidor em mente.

As startups digitais empregam esse formato há anos. As marcas tradicionais precisam começar a fazer mais disso e logo. Uma maneira fácil de começar é encontrar de duas a três histórias por dia em que você pode inserir as palavras "você" ou "nós". É o primeiro passo para se tornar menos formal.

Escutá-los

Este também é um trabalho relativamente fácil para quem quer. Ouvir significa simplesmente observar o que seu público está falando e encontrar histórias nessas discussões. Por exemplo, a Faculdade Cronkite da Universidade Estadual do Arizona publicou um artigo sobre como as redações podem usar melhor o Reddit. Quando lançamos o Billy Penn em 2013, ficamos de olho na página do Reddit na Filadélfia, e foi lá que encontramos posts que levaram a histórias sobre lixões e arte de rua.

Ouvir significa simplesmente usar o Reddit, Facebook e Twitter como dispositivos para aprender, em vez de transmitir. Há histórias nessas plataformas esperando para serem contadas. Encontre-as antes que alguém o faça.

Encontrá-los

Se você pensa seriamente em aprofundar o relacionamento com seus leitores, nada melhor do que conhecê-los pessoalmente. Quando eu ainda dirigia o Billy PennThe Incline e Denverite, sabíamos que um dos indicadores  mais confiáveis para as pessoas se tornarem membros foi participar de um evento (o outro era se assinar nossos boletins diários).

A chave, é claro, é não ter eventos chatos. Na Spirited Media, fizemos degustações de cerveja, noites de curiosidades, feiras de voluntários e passeios assombrados, mas não houve um único evento em um salão de hotel com um jantar de frango seco. Os eventos foram projetados para permitir o máximo de socialização possível, para que nossos leitores conhecessem não apenas nossa equipe, mas outros leitores. Esses eventos foram baratos, mas inestimáveis na construção da lealdade.

Deleitá-los

Eu sempre achei que uma das falhas do jornalismo tradicional é a incapacidade de refletir efetivamente a variedade natural das emoções humanas. Somos bons em expressar indignação, tristeza e raiva. Mas nunca fomos particularmente bons em gerar risadas ou lágrimas de alegria ou mesmo um pouco de orgulho cívico.

Isso não significa tomar partido na política ou em questões locais delicadas. O que significa é lembrar às pessoas sempre que possível que você é vizinho delas. Faço alguns trabalhos de consultoria para o Graham Media Group e constantemente bato nesse ponto. Então, quando vi que o canal WDIV em Detroit (uma propriedade da Graham) tuitou esta pirraça com a cidade rival, fiquei orgulhoso:

.

Local 4 WDIV Detroit: Things Ohio is know for (UPDATED)

Não há nada errado em atacar um pouco o estado de Ohio quando você está em Michigan. Primeiro, ninguém leva isso a sério. Segundo, é uma maneira maravilhosa de criar seguidores, tomando o único partido que você pode nessa disputa: o da equipe da casa. É engraçado, é paroquial e funciona, tudo sem comprometer a reputação jornalística do site.

Fazer parceria com eles

Os consumidores também têm o que oferecer se você deseja se envolver. E algumas empresas descobriram que podem monetizar esse envolvimento. A Advance está testando um produto chamado Subtext, em que os consumidores participam de um grupo de texto sobre um tema de interesse. Quem paga US$3,99/mês também tem a oportunidade de fazer perguntas ou sugerir ideias aos repórteres. Muitas organizações de notícias usam o Hearken para solicitar perguntas dos leitores que as redações inteligentes usam como uma página de dicas. De fato, muitos dos assuntos que abordamos como parte de nossa série Peculiar Pittsburgh no The Incline vieram do Hearken.

Além disso, por que não solicitar fotos dos consumidores para o seu site ou seus boletins por e-mail? Peça aos leitores que usem uma hashtag do Instagram de sua escolha e depois pegue as melhores e use-as dando o crédito devido. Aqueles que enviarem fotos provavelmente verificarão se você as usou e, se o fez, certamente compartilharão isso com outras pessoas.

Nenhuma dessas mudanças requer uma construção maciça de tecnologia. Mas exigem algo ainda mais raro nas redações tradicionais: a disposição de repensar como fazemos tudo. Porque nossos instintos ao lidar com os leitores geralmente são ruins.

Aqui está um bom exemplo disso: no mês passado, o The Express, o jornal do Washington Post, recebeu muitas reações positivas nas redes sociais por sua última capa antes de fechar.

 

Hope you enjoy your stinkin’ phones

A tradução dessa capa é: "Esperamos que você goste da porcaria do seu telefone". Sim, é inteligente. E, sim, isso realmente não importa, pois o Express estava sendo fechado de qualquer maneira. Mas essa capa falhou completamente: o público restante do Express não eram as pessoas que preferiam seus telefones, essas pessoas já haviam abandonado o Express. Por isso estava fechando. A manchete, em vez disso, insultou seus leitores fiéis restantes. Em vez disso, a capa final apropriada deveria simplesmente dizer "OBRIGADO" para aqueles que ficaram com o Express. O fato dessa manchete final ter sido comemorada por muitos outros jornalistas foi, para mim, um sinal de que ainda não entendemos como ter sucesso em um mundo voltado para o consumidor.

Então, vamos ser melhores que isso. Pela primeira vez em décadas, a saúde de nossos negócios e nosso jornalismo está alinhada. Consumidores fiéis e comprometidos estão no centro de ambos. Não temos tempo para estragar tudo. Mas para evitá-lo, teremos que mudar nossas atitudes ruins.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Donald W. Reynolds Journalism Institute (RJI) e reproduzido na IJNet com permissão. 

Jim Brady é CEO da Spirited Media, que dirigiu sites de notícias locais, incluindo Billy Penn, antes de vendê-los. Anteriormente, ocupou cargos no Washington Post, Digital First Media e AOL. Ele escreve regularmente para o RJI.

Imagem sob licença CC no Unsplash via Elena Koycheva