Conselhos para incorporar vozes vulneráveis na cobertura jornalística

por Fernanda Camarena
Feb 5, 2024 em Diversidade e Inclusão
Two people with coffee cups talking

Este artigo foi publicado originalmente pelo Poynter e republicado na IJNet com permissão.


Aqui vai uma resolução de ano novo para o jornalismo nos Estados Unidos em 2024: mais matérias que apresentem vozes de pessoas com algo a perder.

As questões mais urgentes do ano — imigração, oportunidades na economia, disparidades raciais, aborto, educação pública, violência armada, o papel dos Estados Unidos em guerras estrangeiras — vão estar nos holofotes mais do que nunca durante o período eleitoral.

Nossas audiências precisam de matérias bem apuradas e esclarecedoras para fazer com que essas questões importantes repercutam. Focar em vozes vulneráveis deveria ser o padrão para qualquer matéria que tente tocar o cerne de um problema. É dessa forma que temas com pouco espaço na mídia ganham atenção e que as instituições são responsabilizadas. Tratar fontes vulneráveis com respeito e integridade é uma habilidade de reportagem que ainda pode ser desenvolvida intencionalmente em uma redação como parte de seu dever e compromisso de servir à sua audiência.  

As lideranças nas redações normalmente pedem aos repórteres que saiam para a rua e "personalizem" suas matérias, encontrem pessoas que estão vivendo um problema no momento e dispostas a se abrirem e compartilharem sua história com a audiência. Mas os repórteres não estão recebendo devidamente a capacitação para fazer essas entrevistas e matérias em suas redações. 

Uma fonte vulnerável tem menos poder que um repórter e deveria ser entrevistada com clareza e cuidado. A seguir, veja como duas jornalistas ganharam a confiança de fontes vulneráveis ao retratar suas histórias.

Comece em off

Shoshana Walter, repórter investigativa do The Marshall Project, estava trabalhando em um livro sobre o sistema de tratamento de viciados nos EUA. Ela entrevistou muitas mães que foram investigadas em casos de bem-estar infantil. Ela descobriu que algumas mulheres que tomavam Suboxone, um remédio usado para tratar o vício em opioides, foram denunciadas ao Serviço de Proteção Infantil (CPS na sigla em inglês) e investigadas, mesmo estando sóbrias. 

"Eu me tornei membro de grupos no Facebook, grupos de apoio para mães sob medicação e tratamento", diz Walter. "E eu estava buscando esses grupos só para ver se alguém tinha sido denunciada ao CPS devido a uma medicação prescrita. E foi assim que encontrei a Jade."

Walter descobriu que embora os pacientes que tomam Suboxone são mais comumente brancos, pessoas de minorias raciais frequentemente são mais investigadas, incluindo testes de detecção de drogas no momento do nascimento. Walter teve cuidado ao trabalhar com Jade Dass, cuja história ela contou em sua investigação.

"Quando começamos a conversar, o entendimento que eu tinha com ela era que nossa conversa era em off", diz Walter. "E aí eu pedi que ela pensasse se queria ou não sair do off e falei um pouco sobre o que isso implicaria."

A reportagem de Shoshana expôs um problema estrutural e retratou uma imagem bem pesquisada e complexa de sua fonte vulnerável. A habilidade de ter acesso às áreas mais pessoais da história de vida de Dass foi fundamental para a matéria.

"Eu sabia que queria escrever um texto mais narrativo. E eu sabia que nos casos do CPS, nunca é uma história simples", diz Walter.

A jornalista conta que falou com Dass sobre os riscos associados a dar uma entrevista sobre o caso dela no CPS e sobre a filha. Em alguns estados, compartilhar informação confidencial de um processo no CPS pode levar a processos criminais ou investigação adicional por parte de assistentes sociais ou juízes.

"Falamos sobre isso, os riscos potenciais por falar e também sobre os riscos potenciais de retaliação envolvendo o caso dela no CPS."

Walter explicou as potenciais ramificações da matéria. Dass usou essas informações e tomou uma decisão embasada, finalmente concordando em participar da reportagem.

Mais fontes podem precisar de anonimato

No início da pandemia de COVID-19, María Méndez, então repórter do The Dallas Morning News, escreveu sobre como pessoas sem permissão legal para trabalhar estavam sendo omitidas de programas de ajuda do governo devido ao seu status legal. Méndez conheceu Juan, que só quis usar seu primeiro nome na matéria e inicialmente hesitou em falar. Ela passou um tempo com Juan para que ele se sentisse mais à vontade.

"Eu acabei falando sobre como eu sabia que esse era um problema grande que estava afetando as pessoas. Ouvi as preocupações dele e lhe disse 'entendo por que você está preocupado e vou fazer todo o possível para transmitir isso aos meus editores'", diz Méndez. "'Vou tentar fazer o melhor possível pra você. Vou tentar proteger sua identidade e segurança.'"  

Ela o tranquilizou várias vezes e foi transparente sobre o processo de reportagem. Ela escreveu a matéria, em um exemplo tanto de cuidado com a fonte quanto do poder da diversidade em uma redação.

"Eu acho que parte do problema é que às vezes só recorremos aos repórteres de minorias raciais ou de grupos vulneráveis quando há um problema", diz Méndez. "Ao passo que, se você permitir que um repórter cubra outras pautas com as quais ele se importa — não uma pauta triste ou trágica, mas sim uma pauta interessante sobre comunidade — eu acho que permitir que eles façam essas matérias ajuda, porque assim eles pensam 'eu posso cobrir minha comunidade se eu quiser, e eu quero contribuir'".

Abordagem ética plenamente desenvolvida

A seguir estão conselhos para os veículos definirem as bases do trabalho com fontes vulneráveis:

  • Reconheça o desequilíbrio de poder: uma fonte vulnerável tem muito menos poder que um repórter. Isso pode ser devido ao status econômico, legal ou social e da idade, raça, etnia, nacionalidade, religião ou outros fatores.
  • Assuma a responsabilidade de descrever o processo de reportagem: o fato de um repórter não comunicar a uma fonte como pedir para falar em off ou de não informar que vai falar com várias outras pessoas com pontos de vista diferentes coloca a fonte em desvantagem. Cabe ao jornalista descrever cada etapa do processo.
  • Dê às fontes tempo para decidir: se elas tiverem que enfrentar represálias por falar publicamente ou se tiverem que contar experiências traumáticas durante uma entrevista, as fontes podem precisar de tempo para decidir o que irão fazer.
  • Discuta continuamente como as fontes vão ser identificadas: se uma fonte tem muito a perder e pouco a ganhar por contar sua história em público, provavelmente vai precisar de algum grau de anonimato. Além de pedir para usar o nome completo da fonte, ofereça uma gama de alternativas aprovadas pela redação — seja usar iniciais do nome, o primeiro nome e o nome do meio ou nome nenhum, se necessário.
  • Alerte as fontes sobre o cronograma de publicação: quando uma matéria começa a ser preparada para a publicação, jornalistas muitas vezes param de falar com as fontes e focam na produção. Essa falta de comunicação deixa a fonte se sentindo mais vulnerável.

O Poynter desenvolveu um curso para orientar lideranças de redações e repórteres no desenvolvimento de uma abordagem ética ao trabalho com fontes vulneráveis. Alguns dos destaques incluem um processo ético de tomada de decisões, técnicas de entrevista e estudos de caso que servem como guias. Entre em contato por email para solicitar mais informações.


Foto por Priscilla Du Preez 🇨🇦 via Unsplash.