Como cobrir a onda de calor no Brasil

Sep 25, 2023 em Reportagem de meio ambiente
Sol

A onda de calor que atingiu o Brasil pode chegar aos 43ºC em algumas regiões do país ainda nesta última semana de Setembro, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Este é mais um alarmante sinal da emergência climática enfrentada no mundo.

Nesse cenário, como os jornalistas precisam se preparar para a cobertura dando o enfoque necessário que o assunto exige? Esse foi o destaque do Fórum Pamela Howard para cobertura de crises globais, do ICFJ. O webinar contou com a presença de Meghie Rodrigues, jornalista especializada na cobertura científica de clima e meio ambiente, e Cláudia Gaigher, jornalista e repórter de TV especializada em meio ambiente.

 

Para Gaigher, a questão é subestimada. “No Brasil e no mundo nós temos uma falha grande para lidar com ondas de calor”. Eventos como enchentes, incêndios florestais e derretimentos de geleiras, que são visualmente mais impactantes, ganham maior repercussão. “Só que a onda de calor é silenciosa e mata tanto quanto, porque nós não somos preparados para aguentar essa temperatura extrema. O que deveria ser a exceção é o novo normal.”

A escolha das imagens utilizadas nas reportagens, com pessoas se refrescando, foi criticada pelas jornalistas porque não dão a dimensão do problema. “É tão fácil escolher uma imagem de calor que não seja de pessoas na praia tomando sorvete. É só uma virada de chave”, destaca Rodrigues.

“Eu, se estivesse trabalhando numa matéria sobre esse momento, iria nos territórios indígenas. Muitos estão enfrentando essa situação sem água. Ou iria numa área de vulnerabilidade social para ver se a comunidade tem água e comida,” acrescenta Gaigher. “A pessoa pode morrer de calor por morar numa casa sem condições de se refrescar. É isso que precisa ser mostrado. É preciso mudar esse olhar na escolha das imagens.”

Como aproximar a pauta do dia a dia das pessoas

Gaigher destaca que a questão climática e ambiental tem que ser levada para o dia a dia das pessoas e despertar o pertencimento. Os incêndios no Pantanal ou o desmatamento na Amazônia podem ser muito distantes do cotidiano. “A emergência é fazer as pessoas se sentirem parte de um processo, não é achar que está longe. Por que o alimento está mais caro? De onde vem o arroz, o feijão, a carne que eu não estou conseguindo comprar?”, pondera. Ela ressalta que o assunto tem que ser tratado de forma didática e o desafio é atingir todos os públicos dentro dos diferentes impactos que os eventos climáticos causam na vida das pessoas. “O nosso público é do Pós-Doutor até quem não teve a oportunidade de estudar, mas se a vida será impactada, então, todo mundo tem que entender.”

Além disso, Gaigher pontua que a emergência climática é um problema social que merece destaque na cobertura. “Nós temos que falar do racismo e da cegueira das pessoas com os que estão sofrendo, porque o impacto é nas comunidades mais vulneráveis, são elas que perderão as casas arrastadas pelas enchentes e morrerão de fome porque não têm dinheiro para comprar comida. Ou de sede, porque secou o rio.” Rodrigues acrescenta: “Justiça social é uma pauta climática. Não tem como dissociar as zonas de sacrifício da pobreza e do racismo.”

Como iniciar a cobertura

Para Gaigher, a primeira coisa é se cercar de boas fontes, fazer pesquisa científica, consultar especialistas sérios e, sempre que possível, apurar em loco. Ela destaca a importância de pensar na origem do evento climático para evitar desinformação. “Hoje eu vejo muitas reportagens que são factuais, imediatistas e pegam um recorte. Quando você faz a ligação do que vem acontecendo, dos alertas, você consegue construir uma cronologia e se cercar de informações corretas e pessoas sérias e não cair em armadilhas imediatistas.”

Rodrigues esclarece que as áreas ambiental e climática não precisam ser um nicho e que podem dialogar com outras editorias, enriquecendo e diversificando as pautas. “Ao invés de pensar em como entrar na área é pensar em como eu posso trazer esse tema para o jornalismo que eu faço e tenho mais familiaridade, seja na cobertura de cidade ou política, por exemplo”. E exemplifica que jornalistas da área esportiva podem incluir a pauta questionando se a manutenção dos jogos do brasileirão, nesse calor, colocaria em risco a vida dos jogadores.

Cuidado com as fontes

Ao consultar especialistas, Rodrigues orienta o cuidado com as fontes que sejam profissionais com respaldo na área. Além disso, ela indica a necessidade urgente de checar se a publicação é de uma revista com boa pontuação e revisada por pares, quando for o caso de cobrir ou citar um estudo ou artigo acadêmico.

Rodrigues esclarece a importância de se ater aos consensos científicos sobre a pauta - pontos que já estão pacificados pela comunidade científica - para evitar propagar desinformação. “O jornalista menos informado, que não é da área, vai achar que tem que ouvir o contraditório, mas quando se fala de ciência, às vezes não tem contraditório”. E adverte para a necessidade de prestar atenção em quem financiou a pesquisa. “Às vezes é difícil saber quem é o cientista porque não somos especialistas e não dominamos o jargão, mas têm grupos de pesquisa financiados pela indústria do petróleo, mineradoras e o agronegócio", diz ela. "Nos estudos os pesquisadores são obrigados a informar de onde veio o financiamento”.


Foto: Zaits Art no Unsplash