Congresso da Abraji explora interseção entre jornalismo e tecnologia

por Jéssica Cruz
Oct 30, 2018 em Jornalismo digital

A mídia tradicional está há décadas resistindo e correndo atrás para se adaptar às novas tecnologias. No entanto, a mídia lentamente começou a perceber que a tecnologia pode oferecer uma grande oportunidade para aumentar seu valor e expandir seu alcance, especialmente entre os mais jovens.

No passado, as pessoas faziam assinatura de um jornal, disse Jessica Best, chefe de editorial da Blendle. Mas graças à internet, agora recebem as notícias de várias fontes diferentes.

"Quando colocamos paywalls nessa situação que se tornou insustentável, eu não vou pagar US$20 pelo New York Times, US$20 pelo Washington Post e US$20 pelo jornal do meu país nativo, na Alemanha”. Jessica explicou no 12º Congresso de Jornalismo Investigativo em São Paulo. "Quando os padrões de consumo mudam, quando isso acontece, um modelo diferente é realmente necessário."

Blendle, que se autointitula o "iTunes do jornalismo", trabalha para convencer as editoras de que eles não são inimigos, mas amigos -- e para convencer o público de que o jornalismo tem valor e, para continuar assim, temos que pagar por isso. Blendle já tem grandes nomes em seu diretório, incluindo o New York Times, Washington Post, TIME e New Yorker.

"Spotify é um exemplo: posso obter essa música toda gratuitamente no YouTube, mas para mim, o recurso Discover Weekly do Spotify [vale a pena pagar]. É a única coisa que preciso para encontrar música nova", disse Jennifer. "Então, quando você avança no pagamento, especialmente em um mercado como os EUA ou o Brasil, onde tanto conteúdo é livre, começa a ver uma mudança de cultura. Eu já pago música e pago pela TV, e é ótimo, então talvez eu também pague por notícias."

Jennifer explicou que o sucesso do Blendle -- apenas 7 por cento dos artigos comprados através da plataforma são [devolvidos e] reembolsados ​​-- aconteceu porque o público europeu já estava acostumado a pagar por notícias. Essa não é a realidade no Brasil ainda. Alguns de seus maiores jornais estão tentando mudar essa cultura, mas sabem que, para tornar as notícias online rentáveis, devem produzir um jornalismo excelente.

Luciano Touguinha de Castro, diretor de audiência e mercados do Grupo Globo, disse que a redação da Editora Globo teve que mudar para alcançar uma produção de conteúdo de qualidade.

"Organizamos um desk central onde um editor de integração olha para todas as marcas que temos aqui e três editores de conteúdo executivo que trabalham em turnos", explicou. "Em uma produção digital, [o fluxo de produção] deve ser 24 horas por dia, sete dias da semana."

Uma vez que existe uma enorme quantidade de conteúdos digitais disponíveis gratuitamente no Brasil, eles decidiram não usar paywalls para conteúdo de hard news, mas para produzir artigos exclusivos, vídeos e conteúdo de áudio. Touguinha disse que a Globo também está investindo em vídeo, treinando sua equipe para desenvolver narrativas de vídeo e mais. O Facebook tem mais de 8 bilhões de visualizações de vídeo diariamente, e eles acreditam que aumentará ainda mais.

Javier Zarracina, editor gráfico da Vox.com, enfatizou a importância de investir em novos formatos e também produzir conteúdo para múltiplas plataformas.

"Estou muito interessado em formatos micro-modulares", disse Javier. "Nesta economia digital, as pessoas têm muito pouco tempo, por isso é muito importante para nós, como contadores de histórias, sintetizar as notícias, porque você só tem um segundo para seduzir o leitor e trazê-lo para sua história."

Um exemplo do formato micro-modular da Vox.com é a seção "The Week Explained" no Instagram.

"Eles estão encontrando as histórias nas mídias sociais e daí vão ao site para encontrar mais informações", explicou Javier. "Criamos o compromisso aqui."

Em se tratando de vídeo, a Vox.com tem mais de 2,5 milhões de assinantes do YouTube, enquanto o New York Times tem cerca de 900 mil, uma diferença que destaca a abordagem fundamentalmente diferente da Vox.com para o vídeo digital, disse Javier.

"Eu acho que temos um público-alvo diferente e uma missão diferente", disse Javier. "Admiro o jornalismo que a mídia tradicional está fazendo, mas acho que eles devem seguir o novo círculo. ... Existe a ideia de que você pode fazer vídeo para TV a cabo ou a web, mas acho que são produções distintas. Então você precisa adaptar seu processo à história que quer contar."

E a tecnologia pode ajudar a contar essas histórias de forma sedutora. Erica Anderson, diretora de histórias imersivas do Google News Lab, disse que está otimista sobre as mudanças no jornalismo em um mundo digital.

"É uma tremenda oportunidade para jornalistas, editores, produtores e executivos de notícias aproveitarem", disse Erica. "No Google News Lab, estamos focados em impulsionar a inovação no jornalismo. A ideia é reunir jornalismo e tecnologia."

O jornalismo de realidade virtual (VR, em inglês) dá autonomia ao público para criar sua própria história. Durante o congresso, o Google News Lab lançou um estudo de VR com 27 consumidores pioneiros na adoção e nove criadores, e eles mudaram sua perspectiva sobre contar histórias para "viver histórias".

"O jornalismo não é definido pela tecnologia, ou por técnicas, é definido pela função de informar as pessoas. Então, como a tecnologia e a realidade virtual nos ajudam com essa função? Eu acho que este estudo ajudará o jornalista a entender o público e o conteúdo vai ser cada vez melhor."

Imagens por Alice Vergueiro para Abraji