Os jornalistas costumam ter seus telefones à mão para ficar em contato com as fontes ou ligar para entrevistas. Mas o que acontece quando eles usam mensagens de texto para entrevistar?
A revista francesa Néon está experimentando uma nova abordagem e formato de entrevista, a "entrevista de texto". Começou há cerca de um ano; apareceu pela primeira vez nas páginas de sua revista impressa e logo se transformou em vídeos para que a audiência possa ver a entrevista se desdobrar à medida que as mensagens são trocadas.
Em um de seus vídeos mais populares, Armelle Camelin, uma de suas jornalistas, tinha acabado de se apresentar ao entrevistado quando compartilhou uma selfie de seus cabelos desgrenhados em uma manhã de domingo.
"Olá Julien", diz o texto enviado a um famoso cantor francês. "É Armelle, a jornalista da Néon e assim que fica minha cara logo depois que eu acordo."
Com o tom da entrevista estabelecido, o cantor segue com uma observação engraçada sobre seu próprio cabelo. Durante vários dias, os dois trocam fotos e textos sobre sua vida diária, de programas de TV até a geladeira vazia, mas também trabalho, seu relacionamento com os fãs e seu novo álbum.
"Queríamos algo não convencional", diz Julien Chavanes, editor-chefe. Néon já havia tentado uma "entrevista de Instagram", onde os entrevistados responderam com fotos. Em uma reunião de redação, eles decidiram ir mais longe com a experiência e tentar uma "entrevista de texto".
A ideia foi difícil de implementar no início. Nunca tinha sido feito antes na França, e personalidades e seus assessores de imprensa estavam cautelosos e tinham dificuldade em entender o conceito.
"Alguns queriam que fizéssemos a entrevista de texto com o celular do assessor de imprensa porque achavam que era complicado dar o número do telefone da celebridade", explica.
Até agora, Néon tem se concentrado em cantores, atores e personalidades da internet. Mas com o desenrolar da campanha presidencial francesa, os jornalistas da Néon começaram a entrar em contato com políticos, especialmente aqueles que achavam que tinham uma forte presença online. Mas, segundo eles, nenhum respondeu.
"Eu acho que é um pouco não-convencional demais para eles e acho que eles têm dificuldade em entender [o conceito], mesmo quando você vê as campanhas digitais de Melenchon [candidato do partido de extrema-esquerda] ou Macron [independente centro-esquerda], você acha que deveriam [entender]", diz Chavanes. "[É] um formato que pode ser hiper-adaptável, mesmo para uma conversa sobre política."
A redação da Néon é jovem, com a maioria dos jornalistas entre os 20 e 30 anos, segundo Chavanes. Seu público-alvo tende a ser parecido.
Entrevistas através de textos usando emojis, selfies e expressões de "texto" como KKKKKKK ou HUAHUAHUA ["mdr" em francês] fazem parte de uma nova linguagem que uma geração mais jovem adotou. Enquanto Néon edita as trocas por brevidade e corrige erros tipográficos, eles deixam a pontuação e emojis como estão.
Entrevistas feitas através da escrita, como entrevistas por e-mail geralmente tendem a sair muito controladas e formais, com pouca ou nenhuma indicação das emoções da pessoa e personalidade, mas as entrevistas de texto não parecem cair nessa categoria.
"É uma troca que pode parecer mínima, mas é realmente muito íntima", diz Chavanes.
"Nós enviamos textos quando a celebridade está em casa, jantanto com amigos ou familiares ou antes de ir para a cama. Eles não compartilham necessariamente coisas muito íntimas, mas o momento em que trocamos gera intimidade."
Alguns entrevistados consideram essas entrevistas um pouco intrusivas, mas Chavanes diz que eles também estão no controle do que dizem e quando respondem, o que pode ser complicado para os jornalistas. Alguns entrevistados levam muito tempo para responder a primeira mensagem e os jornalistas têm que estar prontos para se envolverem mesmo quando estiverem bebendo com amigos ou em casa tarde da noite.
Enquanto este estilo de entrevista leva a conteúdo incomum e original, existem vários desafios, incluindo possíveis mal-entendidos por causa do formato.
"A mensagem de texto é uma linguagem particular e é complicado adicionar subtexto", diz Chavanes. "A conivência tem que ser criada através de palavras, e não linguagem corporal, olhares ou gestos, e não é tão simples criar essa linguagem com o [entrevistado] quando você não o conhece nem o conheceu antes."
Para criar um sentimento de confiança e brincadeira, os jornalistas da Néon também têm que estar abertos para falar sobre suas vidas pessoais -- ou seus cabelos desgrenhados em uma manhã de domingo, como Camelin.
"A ideia é dar um pouco de nós mesmos, porque se for só de um lado, vira uma entrevista típica e, principalmente, não desencadeia esse nível de intimidade que estamos procurando", diz Chavanes.
Néon não é a única organização de mídia que entende as novas oportunidades para o jornalismo com a mudança de formatos de comunicação e o uso generalizado de mensagens de texto, WhatsApp ou Facebook. As inovações no jornalismo, desde chatbots até vídeos verticais, estão tentando atender a públicos mais jovens que cresceram com tecnologias diferentes.
Imagem principal sob licença CC no Flickr via Michele Ursino. Imagens secundárias apturas de tela da entrevista com Julien Doré na Néon.