Como rastrear o dinheiro em uma investigação através de fontes abertas

Nov 7, 2024 em Jornalismo investigativo
asdadad

É possível seguir o dinheiro de funcionários corruptos de um país sem ter que contar com alguém que vaze as informações necessárias para tal? A resposta é sim.

Em El Salvador, um grupo de jornalistas do Redacción Regional e do Focos descobriu que 27 funcionários e três primos do presidente do país, Nayib Bukele, receberam US$4,9 milhões em empréstimos hipotecários vantajosos de um banco estatal. Alguns utilizaram o dinheiro para comprar mansões ou terrenos em áreas supervalorizadas. Outros aproveitaram para comprar sua primeira casa própria.

O caso, que mostra claramente como uma instituição beneficiou com dinheiro público pessoas próximas de Bukele, não dependeu de uma fonte privilegiada que vazasse evidências para ser provado.

Foi tudo fruto de um método disciplinado. Um dos autores foi o jornalista Daniel Valencia. Ele explica que a investigação começou no fim de 2022, quando uma fonte os alertou sobre um comportamento estranho dentro do Banco Hipotecario. 

Os jornalistas fizeram então uma primeira varredura no Registro de Imóveis e Hipotecas do Centro Nacional de Registros (CNR). Ou seja, foram consultar centenas de páginas de acesso público. Primeiro, obtiveram apenas dez casos.

Em seguida, começaram a sistematizar a informação relacionada a todos os funcionários do Executivo, da Assembleia Legislativa e de outras instituições que terminariam o mandato em meados de 2024. Neste segundo processo, eles encontraram muitas vezes mais o nome do Banco Hipotecario.

"Nós coletamos milhares de escrituras de venda, hipotecas e arquivos de crédito", comentou outro dos autores da investigação, Jaime Quintanilla, durante a apresentação do trabalho na última Conferência Latinoamericana de Jornalismo (COLPIN). Alguns dias antes do evento, Quintanilla publicou outra investigação, desta vez revelando que Bukele e seu círculo íntimo adquiriram, durante o primeiro mandato do presidente, 363 hectares de terrenos, o equivalente a 92% do que possuem atualmente.   

Foi uma matéria importante, porque poucas vezes tem-se acesso ao patrimônio pessoal e familiar de quem detém todo o poder em um país. E isso foi possível exclusivamente graças a documentos de acesso livre, disponíveis para qualquer pessoa que visitar o Centro Nacional de Registros de El Salvador.

Inacreditavelmente, Bukele e sua família fizeram todas as compras suspeitas usando seus nomes, contrariando o costume que mantinham antes, de ter empresas e imóveis através de laranjas.

Casos como este revelam que é possível seguir o dinheiro através de fontes abertas e demonstrar o enriquecimento suspeito de quem, antes de chegar ao poder, não era tão rico como quando assumiu o posto.

Tirar proveito do que está disponível

María Fernanda Sojo é jornalista venezuelana e já colaborou com inúmeras investigações de alto impacto. E tendo em vista seu país de origem, precisou se adequar à realidade opaca que reina com ainda mais força desde 2016, quando muitas bases de dados da Venezuela que eram abertas, como o Registro Nacional de Empreiteiros, passaram a ser bloqueados para o público.

"Vários entes estatais não prestam contas desde 2016. Não há, por exemplo, acesso a um relatório de gestão de contas, o que foi destinado a um projeto e o que foi executado", comenta.

Porém, isso não impediu Sojo e seus colegas de investigar. A jornalista afirma que é preciso averiguar a informação que estiver disponível e tirar o máximo proveito dela. No caso da Venezuela, estão disponíveis bases de dados relacionadas à Seguridade Social. Portanto, é possível analisar para qual empresa ou instituições uma determinada pessoa trabalha, bem como todas as empresas onde essa pessoa já trabalhou.

É possível também acessar informações do Tribunal Supremo de Justiça e constatar se uma pessoa tem um processo em um curso ou se teve causas contra si. Os diários oficiais, que publicam, por exemplo, as nomeações do Estado, também são de acesso público.

Desse modo, explica Sojo, foi possível comprovar como foi absurdo que, no escândalo da PDVSA Cripto (caso de corrupção na estatal e na Superintendência Nacional de Criptoativos revelada em 2023), somente tenha sido preso o vice-presidente de Comércio e Qualidade de Fornecimento da empresa, Antonio José Pérez Suárez, em vez de funcionários de alto escalão. Ele era um homem de confiança do ex-ministro do Petróleo, Tareck El Aissami, e também de Nicolás Maduro, pois ambos os nomearam para vários cargos, algo provado nos diários oficiais. El Aissami foi preso em abril deste ano em razão deste mesmo caso.

Sojo também consulta possíveis informações sobre cidadãos de um país disponíveis em outras jurisdições. Ela conseguiu rastrear empresas e imóveis venezuelanos nos registros públicos dos EUA, Espanha e Panamá.

E há uma ferramenta ainda mais poderosa: acessar um requerimento de informação usando o projeto ID do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), o que pode ser feito por qualquer jornalista ou investigador do mundo. A solicitação é tratada pela equipe de rastreadores do OCCRP que tem, ao alcance de suas mãos, bases de dados vazadas e construídas ao longo de seus vários anos de existência, além de registros públicos de centenas de países.

Solo explica que, para obter resultados melhores, as consultas devem ser precisas e específicas. Para isso, ela ensina que o jornalista pode refinar a pesquisa com as informações públicas disponíveis em seu país de origem.


Imagem por Vladimir Solomianyi via Unsplash.