Como mulheres verificadoras de fatos combatem a desinformação na África

Jan 5, 2023 em Combate à desinformação
Woman interviewing man with a microphone

O aumento da desinformação na África trouxe uma série de consequências, dentre elas conflito e violência, e falta de confiança nos sistemas de saúde.

Por exemplo, várias narrativas falsas sobre a crise entre pastores e agricultores foram disseminadas na Nigéria recentemente. Embora o conflito tenha raízes no século XIX, a desinformação continua a agravar o problema na atualidade, resultando em mais violência. 

No Quênia, a desinformação e informações enganosas influenciaram a opinião dos cidadãos sobre o processo democrático durante as eleições presidenciais de 2017. Um vídeo falso espalhado online indicando que o então presidente Uhuru venceria aquela eleição foi feito para dar a entender que era do programa da BBC Focus on Africa. Na Costa do Marfim, a desinformação contribuiu para a violência pós-eleições de 2020, quando mais de 50 pessoas foram mortas.  

Com a disseminação de desinformação ainda colaborando com essas crises, combatê-la se tornou uma prioridade para jornalistas em toda a África. Uma nova turma de mulheres jornalistas e verificadoras de fatos está trabalhando com afinco para normalizar a checagem de fatos e verificação.

Identificando desinformação política

Determinadas a combater a disseminação de desinformação política, verificadoras de fatos na África estão usando vários métodos para checar informação em seus respectivos países.

Na Nigéria, Oluwapelumi Olajiga, verificadora do Roundcheck, está focada em identificar boatos postados nas redes sociais. Ela investigou em uma matéria um link compartilhado no WhatsApp que alegava falsamente que a Comissão Nacional de População (NPC na sigla em inglês) havia lançado um portal de recrutamento em antecipação ao censo 2022-23 do país. Era necessário verificar essa afirmação porque o site havia sido criado para roubar informações importantes de figuras públicas desavisadas, que poderiam não ter questionado a legitimidade do site devido ao desejo de trabalhar para o NPC durante o censo, explicou Olajiga. Com a ajuda do site Scam Adviser e ferramentas do Website Informer, Olajiga conseguiu verificar que o site era falso.

"As pessoas são propensas a clicar em links e notícias porque eles se alinham com suas necessidades e inclinações", diz. "A segurança é importante, e é por isso que eu dedico meu tempo a assegurar que as pessoas saibam a verdadeira intenção por trás desses boatos." 

No Quênia, Linda Ngari, verificadora do Africa Uncensored, dedicou os últimos três anos de sua carreira a identificar desinformação espalhada durante campanhas e discursos eleitorais. Com o seu trabalho, Ngari verifica afirmações feitas por políticos usando dados do Departamento Nacional de Estatística do Quênia e ferramentas de inteligência de código aberto

Em abril, Ngari verificou declarações feitas por Raila Odinga, candidato à presidência e líder do partido Movimento Democrático Laranja, durante um discurso na Chatham House. Em uma de suas falas, Odinga disse que depois das eleições de 2008 no Quênia, a taxa de crescimento anual do país caiu de 8% para 2%. Ngrai descobriu que o crescimento de 8% mencionado por Odinga era muito exagerado.

"Cobrir declarações políticas e campanhas é importante porque a informação falsa que se espalha nesses eventos ou entre discursos pode agravar conflitos e fazer com o que o eleitorado tome decisões ruins, o que pode afetar e influenciar todo o processo eleitoral", diz.

Combate à desinformação de saúde 

Após a alta nas transmissões de doenças como Ebola e COVID-19, combater a disseminação de desinformação de saúde se tornou essencial para jornalistas na África.

Motunrayo Joel, sub-editora do Africa Check Nigeria, tem trabalhado nos últimos cinco anos no combate à disseminação de diversas formas de desinformação de saúde. Em julho, Joel conscientizou sobre a doença do vírus de Marburg, causada por um vírus geralmente mortal relacionado ao Ebola. 

O objetivo de Joel era educar as pessoas sobre como o vírus é transmitido e também como é possível reduzir o risco de contraí-lo. "Verificar uma informação de saúde que pode custar a vida de uma única pessoa é o que me motiva. Há muitas notícias falsas circulando por aí no ambiente de saúde e eu não posso fechar meus olhos para isso", diz. 

No auge da pandemia de COVID-19, a jornalista investigativa liberiana Bettie Johnson-Mbayo e sua colega, Hannah Geterminah, fundaram a The Stage MEDIA, primeira instituição de verificação de fatos da Libéria. Com foco no combate à desinformação sobre saúde, política e mudança climática, uma de suas principais reportagens desmentiu a informação falsa sobre a morte da ex-presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf devido a uma doença, amplamente espalhada nas redes sociais.

"Esperamos que à medida que aumentamos o letramento das pessoas, [nós vamos] ajudá-las a entender a importância de verificar as informações antes delas serem disseminadas. Nós também disponibilizamos nossas matérias em linguagem pidgin para alcançar audiências que não têm letramento de mídia", diz Johnson-Mbayo.

Desafios

Embora a verificação de informação tenha se tornado parte integral do trabalho dessas jornalistas, esta continua sendo uma tarefa difícil de ser realizada na África. "Verificar fatos no Zimbábue é um grande desafio. Falta de dados e de especialistas é um problema. Para piorar, faltam recursos para desenvolver a verificação de fatos e treinar mais verificadores", diz Lifaqane Nare, verificadora do FactCheckZW.

Além do pouco financiamento e da indisponibilidade de muitos especialistas para auxiliar an verificação de fatos, o sexismo na mídia permanece sendo uma grande barreira para as verificadoras de fatos na África. "Os doadores têm mais interesse em instituições de mídia comandadas por homens do que por mulheres", diz Johnson-Mbayo. Na Libéria, por exemplo, "há muitos veículos, e menos de 5% são gerenciados por mulheres. Sabíamos que era um ambiente difícil quando entramos nele."

Para enfrentar esses desafios, as verificadoras estão estimulando a colaboração para combater melhor a desinformação no continente, diz Melody Lawalresponsável por programas no International Press Council. "Uma coalizão entre mulheres da radiodifusão, impresso e online para produzir programas e projetos [relacionados à verificação de informação] vai fazer com que a verificação de fatos chegue a todos, independentemente do nível de letramento", diz.

"Tudo precisa ser considerado na tentativa de promover o letramento de mídia na África, inclusive no nível de base."


Foto por Tyck via Iwaria.