Sejam cobrindo a denúncia de Chelsea Manning, o elenco de "Orange Is the New Black" ou uma partida de voleibol envolvendo a jogadora Tifanny Abreu, jornalistas de todas as editorias e publicações precisam ser capazes de escrever sobre pessoas transgêneras e não binárias sem promover estereótipos e narrativas prejudiciais.
A falta de conhecimento sobre questões de gênero e diretrizes de mídia – bem como uma força de trabalho predominantemente cisgênera – ainda resultam em práticas ofensivas e histórias desumanas no jornalismo.
A Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação (GLAAD, em inglês) descobriu recentemente que enquanto 75% dos americanos não LGBTs conhecem uma pessoa gay ou lésbica e 31% conhecem alguém que é bissexual, apenas 18% relatam conhecer uma pessoa transexual.
“Se uma representação estereotipada ou difamatória de uma pessoa gay ou lésbica aparece na mídia, os espectadores podem compará-la a alguém que conhecem em sua família, local de trabalho ou escola”, diz Nick Adams, diretor de representação transgênero da GLAAD. “No entanto, quando uma representação estereotipada ou difamatória de uma pessoa transgênera aparece na mídia, as pessoas podem assumir que é como todas as pessoas transgêneras são.”
Por exemplo, pessoas transsexuais, particularmente mulheres transgêneras e não brancas, são desproporcionalmente afetadas pela violência do ódio. No entanto, a violência contra a comunidade ainda é pouco coberta e, quando é coberta, é reportada imprecisamente, aponta Adams. Os jornalistas geralmente confiam em relatos oficiais que não compreendem o gênero da vítima e usam seu nome de nascimento, sem procurar pessoas na comunidade que conheciam a pessoa e poderiam fornecer informações precisas.
“Quando a grande mídia publica conteúdo homofóbico ou transfóbico, dá o tom de como as pessoas pensam que podem se comportar em relação às pessoas LGBTQ+”, diz Amelia Abraham, jornalista freelance e autora do livro "Queer Intentions". Abraham ainda vê jornalistas cometendo erros críticos, mais comumente comparando ser transgênero a ter uma doença mental e sensacionalizando histórias específicas para construir um caso contra uma comunidade inteira.
Em termos gerais, é importante evitar se referir a pessoas transexuais apenas dentro do contexto delas defendendo seu direito de existir e permitir que elas falem sobre todos os diferentes tipos de assuntos, ela diz: “Também precisamos focar em pessoas trans e não binárias em todas as áreas – ciência, artes, mídia, etc. –triunfando em seus campos, a fim de combater a imprensa negativa que recebem e tornar visível o fato de que pessoas trans têm vidas que vão além de sua identidade de gênero.”
A luta cultural por uma maior conscientização e visibilidade começou lentamente a mudar a mentalidade na indústria da mídia. Em 2017, a Associated Press aprovou o uso de “they” [eles/elas] como um pronome singular em “matérias sobre pessoas que se identificam como nem masculinas nem femininas ou pedem para não serem referidas como ele ou ela”. No mesmo ano, a editora Condé Nast lançou “them”, uma plataforma focada em LGBT. Em março, a VICE criou uma biblioteca de fotos de arquivo com mais inclusão de gênero.
No entanto, a indústria ainda tem um longo caminho para alcançar igualdade e inclusividade. Enquanto isso, os jornalistas são responsáveis por serem mais respeitosos, apropriados e humanos em seu próprio trabalho. Por isso, listamos algumas dicas de Adams e Abraham para melhor lidar com as diversas identidades de gênero em seu trabalho.
Use as palavras certas
Uma pessoa que se identifica como de um certo gênero deve ser chamada usando os pronomes apropriados para esse gênero, independentemente de ter ou não tomado hormônios ou feito cirurgias, diz Adams, da GLAAD. Se você não souber qual pronome usar, pergunte educadamente à pessoa como ela se identifica e como gostaria de ser abordada.
Em inglês, pessoas não binárias – que se identificam fora do binário “homem” e “mulher” – podem usar o pronome “they” no singular. “Os jornalistas podem precisar de uma frase no começo da matéria explicando que a pessoa usa o pronome [they], mas então devem usar o pronome da pessoa com precisão ao longo do resto da matéria”, diz Adams.
Mas Abraham argumenta que os redatores deveriam dar mais crédito ao seu público: “[Os leitores] são capazes de entender isso. Quando ficar confuso, use o nome da pessoa em vez de "they/eles". Se você acha que seus leitores precisam disso, esclareça que a pessoa não é binária no primeiro uso do [pronome]."
Não use o nome de nascimento de uma pessoa sem a permissão dela
Quando o nome de nascimento de uma pessoa trans é usado em uma reportagem, a implicação é quase sempre que esse é o “nome real” da pessoa, aponta Adams. No entanto, você nunca deve revelar o nome de nascimento de uma pessoa transgênero sem sua permissão explícita.
“O nome escolhido de uma pessoa transgênera é o nome verdadeiro, independentemente de poderem obter uma mudança de nome ordenada pelo tribunal”, diz ele.
As frases a serem evitadas incluem: “ela quer ser chamada”, “ela se chama”, “ela prefere ser chamada” ou outras frases que lançam dúvidas sobre a identidade de uma pessoa transexual.
Não se concentre em questões médicas
"É impróprio perguntar a uma pessoa transexual questões sobre seus genitais ou outras cirurgias que podem ou não ter tido", diz Adams. “Essas discussões distraem o jornalista e o público de ver a pessoa como um todo e de se concentrar em questões maiores que afetam pessoas transgêneras como discriminação, pobreza e violência.”
Abraham também concorda, aconselhando jornalistas a evitar se concentrar em cirurgias, a menos que seja a natureza do artigo e tenha sido previamente permitido pelas fontes.
Use 'transgênero' como um adjetivo e não como um substantivo
Transgênero deve sempre ser usado como um adjetivo, não um substantivo, diz Adams. Ninguém é um transgênero, por exemplo, mas uma pessoa pode ser “uma mulher transgênera” ou um “homem transexual”.
Se você acha que seu público precisa de esclarecimentos sobre o significado dessa frase, pode explicar que uma determinada pessoa foi designada como homem ou mulher ao nascer, mas a identidade de gênero dele ou dela é masculina, feminina ou não binária. Evite dizer que alguém nasceu homem ou mulher.
Para obter mais informações sobre identidade de gênero e outros tópicos relacionados à comunidade LGBTQ+, confira o guia de referência de mídia do GLAAD (em inglês), que é uma ferramenta abrangente com uma seção sobre cobertura da comunidade trans e um glossário de termos, incluindo aqueles a serem evitados.
Imagem principal sob licença CC doGender Spectrum Collection via Broadly