Como jornalistas podem trabalhar melhor com a comunidade científica

Sep 6, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Cumprimento com os cotovelos

O Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde realizou um webinar em edição especial para discutir sobre como os jornalistas podem trabalhar melhor com a comunidade científica. Esse tema foi debatido de forma simultânea nos outros Fóruns organizados pelo ICFJ, em árabe, espanhol, inglês e francês.

 

Para contribuir na discussão em língua portuguesa foram convidados Mariana Lenharo, jornalista das áreas de ciência e saúde, e Marcelo Bragatte, membro coordenador da Rede Análise COVID e doutorando em genética e biologia molecular na UFRGS. Com visões complementares sobre o assunto, eles levantaram os principais problemas e trouxeram sugestões para melhorar essa parceria entre os profissionais. 

 

Leia os destaques da conversa abaixo e assista o vídeo do webinar completo. 

 

LINK DO WEBINAR: https://youtu.be/ViQOdBXktMc

 

Pandemia aproximou a imprensa da academia

A crise causada pela Covid-19 tornou muito evidente a importância dos cientistas na conversa direta com a sociedade, seja por meio da imprensa ou nas próprias redes sociais. “Cada vez mais os pesquisadores entendem que é papel deles também traduzir um pouco a ciência que está sendo produzida para o público, o que é uma grande evolução”, diz Lenharo. 

 

Para Bragatte, essa aproximação foi positiva e uma das primeiras impressões no contato com a imprensa foi de que ainda existe um estigma de que jornalistas são inacessíveis e é preciso quebrar o gelo. Além disso, ele nota que existe um receio da comunidade científica em dar entrevistas e alguma informação errada ser publicada. A pesquisa é muito dura com quem erra publicamente, então essa é uma barreira bem clara para nós”, explica. 

 

Twitter como ponte para outras fontes

As redes sociais passaram a ser mais usadas para a troca de informações e o Twitter é uma plataforma que concentra grande parte do debate: “É mais fácil acessar dados internacionais de pesquisadores que começaram a publicar trabalhos lá”, diz Bragatte. Para ele, o Twitter é uma fonte rápida e normalmente bem referenciada. Além disso, o uso da rede permite compartilhar informações com um público que ele normalmente não acessa em sala de aula. 

 

No caso dos jornalistas, é uma rede interessante para o processo de apuração, por exemplo, para acompanhar facilmente as repercussões sobre novos estudos publicados que são compartilhadas ali.“Inclusive tem surgido ferramentas gratuitas para otimizar esse processo, como o Science Pulse, que monitora a conversa da comunidade científica no Twitter”, conta Lenharo. 

 

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Possíveis ruídos no relacionamento

Uma questão importante de ter em mente é a diferença do tempo da academia e do jornalismo. É comum que reportagens sejam escritas e publicadas no mesmo dia, então é preciso ter uma postura mais imediatista na apuração e esse não é o tempo dos pesquisadores, que preferem demandas feitas com antecedência. “É preciso ter uma compreensão dos dois lados de que são mundos diferentes, né?”, diz Lenharo. 

 

Outro ponto no relacionamento entre pesquisadores e jornalistas é a aprovação de textos. Bragatte explica que na academia a revisão de texto é um reflexo natural: “A gente envia o artigo, revisa o par, revisa o orientador, revisa o colega, troca de novo, comenta”. Já no processo jornalístico, essa prática é sensível e pode atrasar o processo. Como solução, alguns profissionais enviam trechos específicos para o pesquisador conferir apenas se tem algum erro factual. 

 

Título e linha fina chamativos geram apreensão de cientistas, que estão acostumados com artigos científicos que permitem títulos detalhados. Lenharo ressalta que, muitas vezes, os títulos não estão na mão do jornalista que escreveu a matéria, pois podem sofrer modificações dos editores para gerar mais interesse de leitura. 

 

As limitações dos dados científicos também podem ser um ponto complicado de se comunicar. “Todo estudo tem limitações e é um tipo de detalhe super relevante”, diz Bragatte. 

 

Por fim, a dificuldade de contato da imprensa com a academia é outro fator relevante. Lenharo relata que é comum não receber respostas, nem mesmo para recusar uma entrevista, e isso dificulta o processo de apuração. De acordo com Bragatte, essa demora ou ausência de respostas acontece até mesmo entre os próprios colegas. 

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Contato com pesquisadores em início de carreira

A ideia é que fontes mais experientes devem ter prioridade na imprensa, mas Lenharo pondera: “Geralmente são os pesquisadores mais novos que conseguem explicar melhor, que têm paciência para dar detalhes, e essa contribuição é bastante valiosa para o jornalismo científico”.

 

Falta treinamento de comunicação para cientistas

No fim da conversa, os dois convidados reforçam a necessidade de treinamentos formais para pesquisadores sobre comunicação e relacionamento com a imprensa. “Disciplinas obrigatórias de comunicação, oratória e como divulgar a ciência seriam fantásticas. E não precisa esperar formar, deveriam entrar na graduação”, opina Bragatte. Para ele, além de disponibilizar esse tipo de treinamento, é importante estimular a participação, fazendo com que as atividades sejam contabilizadas na vida acadêmica, como extensão ou horas complementares.


Foto: Noah no Unsplash