Durante a pandemia de COVID-19, termos usados pela mídia para se referir ao vírus SARS-CoV-2, como "vírus de Wuhan", "vírus da China" ou "vírus chinês", alimentaram a estigmatização de pessoas de ascendência asiática no mundo todo.
Este é um exemplo de viés inconsciente ou implícito – o ato inconsciente de discriminar e estereotipar com base em gênero, orientação sexual, etnia, capacidade, idade e outros traços de identidade.
Os profissionais de mídia, influenciados por seus próprios preconceitos, podem perpetuar esses vieses por meio da escolha de palavras, imagens, entrevistados, pautas e apresentação de eventos no noticiário, consequentemente moldando a percepção pública.
Para lidar com nossos vieses inconscientes na condição de jornalistas, precisamos primeiro entendê-los. Confira a seguir o que jornalistas precisam saber e como lidar com seus próprios vieses.
Tipos de viés inconsciente
Viés de confirmação
O viés de confirmação diz respeito à nossa tendência de buscar e interpretar informações que validem nossas crenças preexistentes.
Por exemplo, em 2011, o canal de TV WBBM, de Chicago, entrevistou um menino negro de quatro anos após um tiroteio. "Quando perguntado se ele manteria distância de armas, ele disse que teria uma no futuro porque gostaria de ser um policial quando crescesse. A parte sobre querer ser policial não foi ao ar, reforçando o estereótipo de que homens afro-americanos são violentos. O WWBM acabou desculpando-se depois", conta Howard Ross, autor dos livros Reinventing Diversity, Everyday Bias ("Reinventando a Diversidade, Viés Cotidiano") e Our Search for Belonging ("Nossa Busca por Pertencimento").
Neste caso do noticiário, os estereótipos sobre homens negros serviram como base para julgar o menino que disse que queria uma arma. Ao omitir o desejo do garoto de se tornar um policial, o canal de TV reforçou vieses existentes.
Os algoritmos também contribuem para o viés de confirmação. Jornalistas que usam plataformas como o Google, que conta com algoritmos para fornecer resultados personalizados com base em fatores como pesquisas anteriores e localização, podem receber resultados diferentes para a mesma busca. A tendência de se relacionar com pessoas parecidas com nós mesmos e seguir nas redes sociais contas que se alinham aos nossos interesses podem reforçar ainda mais nossos vieses.
Estreitamente relacionado ao viés de confirmação é o viés de anconragem – nossa tendência de confiar demais na primeira informação que recebemos.
Viés de efeito manada
O efeito manada acontece quando jornalistas cobrem uma pauta porque os outros estão fazendo o mesmo, em vez de considerar fatores de noticiabilidade ou precisão factual.
Um exemplo notável é a teoria da conspiração Pizzagate. Em novembro de 2016, o WikiLeaks publicou emails do chefe de campanha de Hillary Clinton, John Podesta. Jornalistas de direita e outros usuários da internet disseminaram nas redes sociais uma narrativa falsa segundo a qual os emails continham mensagens codificadas que ligavam vários membros do Partido Democrata e restaurantes dos EUA, incluindo a pizzaria Comet Ping Pong em Washington D.C, a uma rede de tráfico humano e exploração sexual infantil.
Influenciado por essas alegações, um homem foi ao Comet Ping Pong e abriu fogo contra o estabelecimento enquanto tentava "investigar" o caso por conta própria. Nunca foram encontradas evidências do suposto crime e, felizmente, ninguém ficou ferido.
Opressão internalizada
A opressão internalizada acontece quando as pessoas internalizam preconceitos relacionados à sua identidade. Consequentemente, elas podem se autossabotar, por exemplo excluindo inconscientemente a si mesmas ou outras pessoas de seu grupo identitário de oportunidades.
"Por exemplo, uma pessoa cadeirante pode convencer a si mesma a não se candidatar a uma promoção para um cargo de apresentador de TV apesar de suas qualificações. Ela também pode minimizar suas necessidades de acomodação, como acessibilidade na entrada do estúdio, com medo de que isso possa ser visto como uma fraqueza", diz a Drª. Hamira Riaz, psicóloga clínica credenciada britânica.
Outros tipos de viés incluem, mas não estão limitados a: viés de afinidade, a preferência por pessoas semelhantes a nós mesmos; etarismo, a estereotipagem com base na idade; e viés negativo, a tendência de prestar mais atenção a notícias negativas.
Como identificar o viés inconsciente
Aprenda sobre vieses implícitos e reflita sobre os que você tem
Todo mundo tem seus vieses inconscientes. Entender que eles existem e avaliar aqueles que você tem pode te ajudar a lidar com eles de forma eficaz no seu trabalho.
Faça o Teste de Associação Implícita (IAT)
O teste IAT da Universidade Harvard é uma ferramenta online que mede a força das associações que uma pessoa pode fazer entre traços de identidade (por exemplo, negro ou gay), avaliações (bom ou mau) ou estereótipos (atlético ou desajeitado). Combinar o IAT com os outros métodos abaixo pode te ajudar a identificar os seus vieses inconscientes.
Preste atenção às influências externas
Sinais sutis ou estímulos comportamentais podem influenciar vieses quando você está trabalhando em uma pauta.
"Por exemplo, se o seu editor tem um ponto de vista específico e você está entrevistando alguém para essa pauta, isso pode te afetar tanto quanto se fosse você quem tivesse aquele ponto de vista. Do mesmo modo, saber que os seus leitores têm uma certa perspectiva pode influenciar o seu trabalho", diz Ross.
Busque padrões no seu comportamento
Pode ser desafiador reconhecer imediatamente os seus vieses inconscientes. Observar padrões comportamentais repetitivos pode ajudar.
"Se você escreveu dez matérias e em nove delas você apresenta um ponto de vista específico, isso pode indicar um viés. Você pode colocar uma parte do seu trabalho em uma ferramenta de IA e pedi-la para buscar por padrões na sua escrita que revelem vieses na forma como você aborda as coisas", diz Ross.
Como combater o viés inconsciente
Repense suas suposições
Nosso cérebro processa grandes quantidades de informação. Para economizar tempo e energia durante as interações, nossos cérebros muitas vezes pegam atalhos para perceber positivamente pessoas que se parecem com nós e negativamente aquelas que são diferentes (viés de afinidade). Além disso, um episódio negativo com uma pessoa de um grupo identitário específico pode levar as pessoas a desenvolverem estereótipos relacionados àquele grupo como um todo.
"Se não analisarmos nossos pensamentos e nos conscientizarmos do potencial de imprecisão, isso pode levar a falsos julgamentos, rompimento de relações, macroagressões ou discriminação manifesta", diz Danya Braunstein, psicóloga de mídia na Connected Psychology.
Busque perspectivas diversas
Rodear-se de pessoas semelhantes ou seguir contas nas redes sociais que estão alinhadas somente com os seus interesses pode criar câmaras de eco. Para combater isso, busque perspectivas diversas.
"Ter uma exposição maior a uma gama de pessoas diferentes na sua vida profissional pode ajudar a desmantelar generalizações e atitudes que você tem em relação a um grupo de pessoas. Além disso, inclua também uma variedade de origens, culturas e experiências nas narrativas", observa Braunstein.
Você também pode treinar os algoritmos para que eles ofereçam uma diversidade de perspectivas nos seus resultados de busca ou feed de notícias ao buscar ativamente por conteúdos que promovam diferentes pontos de vista, diz Ross.
Pesquise e vá atrás de opiniões
A urgência de tomar decisões rápidas pode levar a conclusões enviesadas baseadas em informações limitadas. Desacelerar, quando possível, pode ajudar a combater isso.
"Sempre que for possível, tire um tempo para pesquisar, escrever e criar matérias. Peça a opinião de outras pessoas, como editores, sobre o que está faltando ou está errado antes de publicar", aconselha Braunstein.
Escolha suas palavras com cuidado
Considere as implicações da sua escolha de palavras, bem como as associações e significados que outras pessoas podem atribuir ao interpretarem o conteúdo. Por exemplo, termos como "anti-idade" são populares, mas podem deixar implícito que o envelhecimento é uma condição negativa.
Tenha em mente também que algumas palavras que um dia soaram positivas podem não ser mais consideradas como tal. "A linguagem muda ao longo do tempo, assim como as normas sociais relacionadas ao que consideramos ser aceitável quando nos referimos a outras pessoas", diz Braunstein.
Embora vieses sejam inevitáveis, ao seguirem passos como os mencionados acima, profissionais de mídia podem trabalhar para entender e combater seus próprios vieses, e assim fornecer informações factuais, precisas e confiáveis que sejam significativas e úteis para suas audiências.
Foto por Milad Fakurian via Unsplash.