Como incorporar experiências pessoais em suas matérias

Feb 8, 2024 em Jornalismo básico
Person holding a notebook in front of a lake

Jornalistas são desencorajados a falar de suas experiências de vida na reportagem tradicional. Mas nossas perspectivas podem ser valiosas quando articuladas de forma transparente.

Com a profissão tendo reconhecido a importância de dar espaço às pessoas para que contem suas próprias histórias, saber como incorporar experiências pessoais nas suas matérias pode ser uma abordagem eficaz.

Eu descobri que incorporar minhas experiências – sendo uma mulher, mãe, tendo uma doença mental e alguns problemas de saúde – beneficia as minhas reportagens. Outros podem considerar compartilhar suas experiências em outras áreas, de estilo de vida ao meio ambiente, mídia, esportes e outros setores.

Ser o seu próprio estudo de caso não significa que você não pode interrogar uma fonte de forma objetiva. Na verdade, isso pode ajudar a aumentar a transparência, já que a sua audiência pode entender com mais clareza aquilo que embasa o posicionamento ou ângulo escolhido por você.

Eu escrevi muitos artigos nos quais usei minha própria experiência para enquadrar um assunto, para servir como ponto de partida para a reportagem, estatísticas, estudos de caso e para deixar minhas matérias mais empáticas para os leitores.     

A seguir está o que aprendi sobre como usar essas experiências para melhorar o seu trabalho jornalístico:  

Desvende as circunstâncias por trás de suas experiências

Se você faz parte de um grupo que é afetado desproporcionalmente por um determinado fenômeno – por exemplo, um grupo étnico que é mais suscetível a certas doenças –, usar sua experiência pode ajudar a explicar melhor as realidades para os leitores.

Para jornalistas, fatores que incluem mas não estão limitados a raça, gênero, classe, orientação sexual, deficiência, história familiar, responsabilidades com o cuidado de pessoas, onde moramos e quanto ganhamos podem servir como referências importantes. Inclua o máximo desses elementos que sejam relevantes na sua história e que você possa compartilhar. 

Por exemplo, vamos supor que você tem um problema de saúde cujo tratamento era apenas rudimentar quando você era criança. Agora, a ciência médica pode ter tido um grande avanço. Sua experiência pode ser usada para aprofundar a história e fazer uma contextualização útil, como descrever seu diagnóstico e como você se sentiu na época. Reflexões desse tipo podem impulsionar sua matéria e ajudar sua audiência a entender melhor o assunto. 

Em um texto que escrevi, usei minha experiência com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e como mãe para analisar como as festas de fim de ano podem impactar a saúde mental. Isso contextualizou os fatos e estatísticas, ajudando a desafiar os mitos sobre o TOC.

Encontre especialistas para contextualizar e incluir nuances

Ao incluir qualquer tipo de alegação, principalmente uma que seja pessoal, certifique-se de sustentá-la com a ciência e com estatísticas, assim como você faria com qualquer outra informação. Em uma matéria sobre saúde, por exemplo, você pode usar estudos e comparar sua experiência com eles.

Uma vez usei minha experiência de acompanhamento do clico menstrual para entender os impactos hormonais da menstruação na saúde mental. Para fazer isso de forma eficiente, eu combinei minha experiência pessoal com opiniões de especialistas. 

Quanto mais complexo for o assunto, mais importante é incluir especialistas para agregar explicações neutras. Isso também pode mostrar o poder de olhar para o pessoal e relacioná-lo com a análise científica. Nesses casos, é vital citar mais de um especialista, já que profissionais diferentes vão ter bagagens diferentes que podem revelar perspectivas diversas de uma questão.

Combine sua experiência com um jornalismo rigoroso

Quando vivenciamos algo, ainda assim é importante pesquisar o contexto do que aconteceu conosco. Às vezes, nossas memórias se escoram na "sabedoria recebida". Algo que nós achamos que é uma verdade universal pode sucumbir quando interrogamos de onde vêm as nossas ideias. 

O que acreditamos com base nas nossas próprias experiências pode não ser factualmente preciso ou pode não se sustentar mais nos dias de hoje devido a avanços científicos ou tecnológicos. Se te falaram algo 20 anos atrás, descubra qual era o contexto da época. Fazer isso pode apresentar uma imagem mais acertada do impacto de determinada condição, evento ou circunstância.

Uma vez escrevi para o Study Hall Digest sobre imparcialidade na BBC, com base nas minhas experiências trabalhando na empresa. Eu pude fazer a verificação de informações usando a cronologia e as comunicações que recebi sobre a implementação de novas regras e processos no veículo. Isso me ajudou a contextualizar as experiências dos meus contatos e explicar melhor os problemas que os funcionários enfrentam no serviço público de comunicação.

Apresente as suas conclusões

É importante apresentar uma conclusão lúcida na sua matéria, independentemente da forma como ela se relaciona com a sua experiência. Considere, por exemplo, terminar uma reportagem avaliando o futuro do problema sobre o qual você escreveu ou o impacto corrente que ele tem sobre a geração atual.

Embora a sua experiência possa ser algo que afete muitas outras pessoas, a forma como você se sente a respeito pode não ser universal. Como jornalistas, qualquer relato de nossas opiniões ou experiências deve sempre ser apresentado apenas como tal – e nunca como uma verdade ou fato.


Foto por Anna Hecker via Unsplash.