A saturação das informações e a circulação de conteúdo enganoso e malicioso no contexto da pandemia de COVID-19 obriga a mídia a se profissionalizar na verificação de informações, mas também exige que os leitores sejam mais críticos em seu consumo informacional; é incabível amplificar o poder já ultrapassado que ganhou a desinformação.
Como jornalistas e meios de comunicação, vemos o impacto da desordem infodêmica e informacional no consumo de notícias, o que tem levado à modificação do ecossistema de informações e, com isso, à diminuição da confiança dos leitores no exercício do jornalismo.
A desinformação em meio à emergência sanitária se tornou um dos maiores desafios que o jornalismo enfrenta atualmente. Os jornalistas e a mídia estão em desvantagem porque o conteúdo enganoso circula muito mais rápido do que a própria verificação.
Se a realidade é que o consumo do bom jornalismo é baixo, o que estamos fazendo para reverter isso? Um caminho possível está na integração de públicos como aliados: Não se trata apenas do consumo de conteúdo, mas da compreensão e discussão do que a desinformação envolve na tomada de decisões e na vida pública.
A aposta agora é mostrar como a desinformação manipula ou engana quem a recebe e quem a compartilha, como semeia o medo e cria reações em cadeia e como por trás desse 'vírus' estão interesses pessoais ou políticos.
É o momento da Alfabetização Mídia e Informacional (AMI) que permite aos leitores distinguir informações confiáveis de informações fabricadas, garantir seu acesso à informação a partir de um ambiente ético e consumir conteúdos privilegiando a qualidade e a precisão sem comprometer em grande parte o seu tempo no ambiente digital onde a velocidade é importante.
[Leia mais: Decodificando como consumidores de notícias interpretam informações]
O avanço da desinformação recai sobre a vulnerabilidade dos destinatários do conteúdo, que são utilizados como amplificadores das mensagens. De que forma a mídia pode educar o público a ser uma barreira de contenção? A resposta é mostrar que os jornalistas existem, que são transparentes e que com eles há credibilidade.
O compromisso social que a verificação implica se estende a todos. O público não se limita a ler, mas a compreender conceitos que orientam os critérios de consumo de notícias: o que é desinformação e como ela impacta em meio a uma crise de saúde? O que é uma fonte confiável? Como evitar a desinformação? E como as plataformas digitais contribuem para a confusão de informações?
Uma boa contribuição é gerar um guia de verificação de informações que forneça aos leitores ferramentas para reconhecer e resistir a um efeito de manipulação diante de conteúdo falso disfarçado de notícia.
A iniciativa da Unesco de como conter a desinformação em tempos de coronavírus serve de exemplo para replicar o esquema, mesmo em parceria, como fez com Chequeado e LatamChequea, por meio do projeto Portal Check, que promove o pensamento crítico.
Disseminar o pensamento crítico para o público da mídia envolve:
- Mostrar preocupação sobre o que significa fazer parte de uma rede de mensagens intencionalmente prejudiciais
- Gerar alertas para observar o conteúdo que chega até eles
- Incentivar os leitores que estão ansiosos para o consumo racional de notícias
- Desenvolver um ceticismo saudável sobre a informação que se consome, o que permite pesar a veracidade das fontes, vídeos, imagens, dados e gráficos.
Compartilhar os cinco pilares de verificação é fundamental no exercício da alfabetização jornalística: questionar o conteúdo original, quem está por trás do conteúdo, quando foi criado, onde foi criado e a razão da criação.
Um desses projetos que fomenta os pilares da verificação foi lançado pela Univision, International Fact-Checking Network e Luminate, com a criação da personagem Lupita, que compartilha 10 antídotos contra a desinformação em tempos de COVID-19 e concede aos leitores uma série de dicas para reagir adequadamente ao receber notícias com enfoque alarmista.
Exercícios bem-sucedidos de educação do público resultaram em veículos como o jornal The Guardian, incorporando histórias no Instagram para conter a disseminação de desinformação, ou por meio de questionários em seu site.
Por sua vez, o jornalismo investigativo com análise de dados que revela falsas identidades por trás de movimentos digitais para fins enganosos é uma forma de contribuir para o combate à desinformação, como é o caso do Rappler.
Matérias jornalísticas que explicam como o conteúdo falso é espalhado em estudos de caso provaram ser um caminho para o New York Times dentro da literacia informacional.
As narrativas geradas como parte da educação midiática devem ser concebidas a partir do consumo do público; Dessa forma, encontramos histórias de sucesso como The Quint, que tem procurado combater o conteúdo enganoso do WhatsApp na Índia.
[Leia mais: Estratégias para combater a disseminação de desinformação]
Ao incentivar os leitores a colaborar para detectar conteúdos falsos, eles são incluídos no processo de informação e reconhecidos. A colaboração jornalista-público deve ser mantida durante e após o processo de verificação. Dessa forma, permanece a possibilidade de viralizar a verificação, em alcances semelhantes à desinformação.
Lucero Hernández García é jornalista freelance e estrategista digital; mestre em Comunicação e Mídias Digitais com Especialização em Produção Multimídia; professora universitária de Jornalismo de Precisão e Jornalismo Digital e workshop sobre ferramentas digitais. Siga-a no Twitter e no Instagram.
Imagem sob licença Creative Commons no Unsplash por Priscilla du Preez