A IA promete ter um efeito transformador no jornalismo. Ela pode ser disruptiva para a mídia, ao mesmo tempo em que permite novas formas de experimentação na redação.
É fundamental que jornalistas identifiquem proativamente como podem aproveitar essa tecnologia para melhorar sua cobertura e o setor de mídia como um todo.
"Nos últimos 25 anos, muitas mudanças tecnológicas chegaram ao mundo do jornalismo e perdemos oportunidades e receitas na redação", disse Ali Tehrani, cofundador da NewsWyze, durante um webinar do Fórum Global de Reportagem de Crise do ICFJ. "Mas você não consegue usar ferramentas prontas para o jornalismo de qualidade. Você precisa olhar paras suas necessidades e capacidades, e criar o seu próprio modelo baseado naquilo que está buscando."
Tehrani teve a companhia de Patrick Boehler, chefe interino de inovação e engajamento de audiência da Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL), veículo financiado pelos Estados Unidos que fornece cobertura jornalística em 23 países e 27 idiomas na Europa e na Ásia. "Há uma grande necessidade de informação, já que a imprensa está livre sob pressão cada vez maior em muitos dos países que servimos. A IA nos dá a oportunidade de simplificar nossos processos", acrescentou Boehler.
A seguir está o que Tehrani e Boehler falaram sobre as promessas e riscos da IA generativa no jornalismo:
Um momento de oportunidade
Em 2018, a NewsWyze e a RFE/RL colaboraram em um projeto investigativo que envolveu milhões de páginas de documentos em idiomas além do inglês que eram difíceis de analisar. Em resposta, as duas organizações desenvolveram uma ferramenta de IA chamada GIST, que gera resumos de fácil leitura de artigos e conteúdo em áudio.
O GIST foi concebido antes da era ChatGPT, antes da IA ter se tornado o tópico acalorado que é hoje. "Naquela época, era muito difícil fazer jornalistas pensarem sobre IA", relembrou Tehrani.
Enquadradas sob o guarda-chuva da IA, ferramentas de processamento de linguagem natural como a GIST têm o objetivo de preparar computadores para manejar e reproduzir linguagem humana. Elas não devem ser consideradas substitutas de jornalistas humanos, observou Tehrani. "Embora a reportagem assistida por IA seja factível, reportagem feita por IA não o é", disse. "A supervisão humana não pode ser removida do processo jornalístico. O que admiramos na RFE/RL é que os valores jornalísticos estão embutidos no trabalho com eles, então é algo que também percebemos que é importante."
Tehrani ainda reforçou que modelos de IA só são tão bons quanto o treinamento que receberam. O fato de jornalistas humanos terem alimentado a GIST com exemplos de qualidade do tipo de resumo de artigo desejado melhorou a ferramenta.
"É importante se perguntar como esses modelos são gerados, quais dados foram usados para criá-los e o que você quer extrair deles. Seja qual for a ferramenta que você criar, você precisa de designers, engenheiros e, sem dúvida, jornalistas para tomar decisões", disse Tehrani.
Desenvolver uma ferramenta de IA leva tempo. A GIST passou por 13 iterações depois de ser treinada com 400 artigos em inglês. As versões da ferramenta em russo e espanhol seguem em desenvolvimento e estão sendo treinadas com mais artigos dia após dia. A equipe da GIST também desenvolveu uma função de resumo de áudio para texto em inglês e persa, mas ela ainda não foi liberada para o público.
Um momento de risco
Boehler advertiu que a IA impõe um risco junto com seu potencial de inovação positiva. O uso incorreto da IA generativa, principalmente quando se trata de processos na redação, é uma das principais preocupações.
"Uma pergunta chave que temos feito a nós mesmos é: essa ferramenta é uma fornecedora de IA ou um serviço que usa IA? E corremos o risco de colocar nossa confiabilidade em jogo?", disse Boehler.
A RFE/RL desenvolveu políticas para lidar com essas preocupações. Por exemplo, a redação não permite que imagens geradas por IA sejam usadas nas suas reportagens. A equipe também desenvolveu ferramentas para detectar melhor sinais de autenticidade em conteúdos em vídeo.
"A desinformação que é muito articulada e sofisticada está desenfreada, e o custo para criá-la caiu significativamente", disse Boehler. "Principalmente quando você trabalha em ecossistemas de mídia altamente poluídos, você quer ter certeza de que é uma fonte de notícias e informações confiáveis."
Agarrando a oportunidade
Jornalistas precisam começar a pensar em aplicações da IA em suas redações agora, argumentou Boehler. Isso inclui levar em conta a ética por trás da tecnologia. "É realmente importante que, se você está em uma redação, esses desenvolvimentos tecnológicos vão mudar a forma como você trabalha e a forma como o público consome conteúdo", disse. "Você precisa ter essas conversas e refletir sobre considerações éticas também."
Jornalistas também devem encontrar uma forma de aproveitar a IA para impulsionar mudanças positivas, acrescentou Tehrani. "Jornalistas precisam se envolver individual e coletivamente na criação dessas ferramentas de IA. Se ignorarmos essas mudanças na tecnologia, outras pessoas irão fazê-las. As redações precisam treinar modelos em seu próprio ambiente para se beneficiar deles."
Foto por Steve Johnson via Unsplash.