Como é a vida de jornalista em Moçambique

Apr 24, 2023 em Diversos
festival Gwaza Muthini

Ainda que não ache legítimo, é natural que o jornalismo seja uma profissão difícil e de constante perigo. A razão é que esta é uma atividade de contra-poder. Os jornalistas lidam com fatos e todo fato corresponde a uma verdade e no ofício da verdade, um político corrupto ou uma gangue de contrabandistas se tornam um perigo para os jornalistas. Chegam a tentar silenciá-los por ameaças de várias formas. Em Moçambique, esta é a realidade de muitos profissionais de comunicação. O jornalista moçambiquenho se sente inseguro e essa insegurança começa assim que ele se forma. 

O desafio de se encaixar no mercado de trabalho moçambicano é gigantesco. A primeira experiência de trabalho de um jornalista formado é no estágio e é justamente nesta fase do início da carreira em que os formados provam o lado cruel do mercado. Ocorre que os estagiários não gozam de benefícios do exercício da sua atividade, a não ser apenas a experiência da prática jornalística.

Aqui os meios de comunicação, a maioria deles, não oferecem aos estagiários benefícios como transporte, alimentação e seguro de saúde. O estagiário é muitas vezes explorado e no fim do período de estágio é descartado. Muitos jornalistas formados chegam a estagiar em várias empresas jornalísticas. Ou seja, um único jornalista pode estagiar em mais de três redações, sem que em nenhuma destas tenha o promovido a fazer parte da equipe do trabalho. 

Poucas oportunidades 

Áurio José, de 27 anos de idade, é um dos jornalistas formados numa das mais prestigiadas instituições de ensino superior em Moçambique. Entrou na universidade em 2018. Ele vive em Maputo, capital de Moçambique, e diz que escolheu o jornalismo por paixão, mas confessa que o mercado não lhe ajuda a poder mostrar seu trabalho. José está desempregado e que nunca foi remunerado como estagiário. Apesar da experiência num jornal e numa televisão, nunca conseguiu fazer parte do time. 

"Logo que conclui as disciplinas curriculares na escola, fui estagiar no jornal Zambeze. Lá fui bem recebido e ainda fui bem classificado, mas não cheguei de ser contratado mesmo depois dessa nota positiva pelo meu desempenho", disse Áurio José. Sem sucesso, ele precisou se aventurar em outra área e começou a trabalhar como agente de seguros. Dado importante a destacar são os critérios de contratação que não são claros. Nem os meios de comunicação nem as agências de comunicação conseguem definir o critério de contratação.

Naiza Cumbi, de 26 anos de idade, é também formada em jornalismo. Ela nunca conseguiu trabalhar contratada como jornalista, a não ser como estagiária. Sua graduação foi em 2021. Depois da formação, passou por uma redação na qual escrevia para um jornal comunitário. Hoje em dia, Naiza aventura-se no empreendedorismo: é criadora de conteúdos, os quais publica no seu canal de Youtube.

Reclamação sobre salários

Um dos "gritos" dos jornalistas em Moçambique está relacionado com a remuneração. O problema está dividido entre salários "magros" e atrasos constantes. Razão pela qual muitos jornalistas ficam pouco tempo a servir as redações. É como se trabalhassem com uma "bomba-relógio" e à espera de uma oportunidade melhor. 

Dificilmente o mercado jornalístico moçambicano consegue oferecer oportunidades, capazes de tornar a vida de jornalistas confortável. Não é de admirar que vários jornalistas tenham sido atraídos por oportunidades em ONG's e certos cargos de assessoria em ministérios, por exemplo. 

Além de criadora de conteúdo, Cumbi conseguiu uma vaga na área de comunicação corporativa numa organização não-governamental. Ela diz que se sente confortável porque a remuneração é melhor do que na maioria das redações. Além disso, consegue ter um pouco de tempo para cuidar da vida pessoal. "Sempre desejei trabalhar na televisão. Mas uma vez formada em ciências de comunicação, sinto que estou bem encaixada na comunicação institucional", conta Cumbi. 

Liberdade com censura

A Lei Número 18 de Agosto de 1991 proclama a liberdade de imprensa e de expressão, o que quer dizer que em Moçambique, a pluralidade de meios de comunicação, de opiniões e do pensamento é um direito assistido constituicionalmente. 

Graças a este instrumento legal, o país conheceu, depois de 1991, a emergência de órgãos de informação considerados independentes e passou-se a contar com um serviço de informação além do que estava apenas refém dos órgãos estatais, cuja influência do partido no poder interfere na oferta de um serviço noticioso imparcial. 

Hoje em dia, é possível testemunhar uma relativa liberdade de imprensa. Há vários órgãos de comunicação livres de veicular informação que representa as preocupações dos cidadãos. Nos canais de TV, é habitual ver debates em que a discussão esteja em torno de análise do Estado de Direito no país. Há também jornalistas estrangeiros a corresponderem. Isto é possível desde que estejam devidamente credenciados pelo órgão que por isso zela (o Gabinete de Informação). 

Mas como se diz em Moçambique: "não há bela sem senão". Há também, por aqui, censura. Com tentativas de semear o medo, por isso alguns jornalistas foram alvo de tortura física, alguns presos, outros foram alvo de processos judiciais ao publicar informações que comprometem alguns governantes, alegadamente, por publicarem "segredo de Estado". Pelo menos é isso que as partes acusatórias têm alegado. 

Cobertura histórica e cultural

Em 2 de fevereiro de 1895, Zixaxa, um chefe militar da etnia ronga travou, junto dos seus homens, um combate contra uma ofensiva militar das forças portuguesas, no contexto de ocupação colonial estrangeira. Os combates ocorreram em Marracuene, hoje em dia um dos distritos da província de Maputo. "Gwaza Muthini" é uma frase em changana, língua local falada em Marracuene, que significa "combater em casa". Assim ficou conhecida essa operação militar, para ficar na memória das gerações, sobre a dimensão da heroicidade dos antepassados, contra o jugo colonial. 

Hoje em dia, o dia 2 de Fevereiro é celebrado anualmente para lembrar dos que deram sangue pela liberdade do território moçambicano. A data coincide com a cerimônia do "ukanyi". Ukanyi é uma bebida tradicional feita a partir de frutas de uma árvore conhecida como "nkanyu" ou canhueiro, como é chamado em português. 

O valor cultural de ukanyi é enorme. A bebida é consumida entre fevereiro e março e o 2 de fevereiro é dia oficial da abertura do período do consumo.  A árvore da matéria-prima só dá frutos uma vez ao ano. O festival Gwaza Muthini junta várias expressões culturais, desde música e danças tradicionais.

Este é o maior festival do país que acontece na zona sul de Moçambique, região em que se encontra Marracuene, sendo um dos maiores nichos de cobertura jornalística. Com transmissões ao vivo por grandes estações televisivas e radiofônicas do país. 

Além deste, há o Festival de Carne, que acontece todo mês de julho. Este também tem atraido a cobertura dos meios de comunicação. O carnaval, apesar de sar um evento importado, é também uma das agendas midiáticas. O mais aclamado é o carnaval de Quelimane, que pela sua expressão, chega a ser considerado "pequeno Brasil". 

Uma data fundamental para toda a população é o dia 25 de junho, onde se comemora a indenpendência do país. A imprensa moçambicana, a despeito de toda a dificuldade de se manter, tem sido imprescindível para manter viva a memória do país a partir da cobertura destes eventos culturais e históricos.  


Foto: crédito governo do Distrito de Marracuene