Combate à discriminação de gênero e sexual em redações do Equador

por Carolina de Assis
Jun 6, 2023 em Diversidade e Inclusão
Ecuador

A violência no local de trabalho, como bullying e assédio sexual, sempre é atravessada por relações de poder, tanto entre colegas quanto entre chefes e empregados. Essas relações frequentemente espelham desigualdades estruturais na sociedade, tais como discriminação contra mulheres e pessoas LGBTQ+, que, por isso, são mais vulneráveis a esse tipo de violência. Para tratar desse problema nas redações, o site GK e o Observatórios de Direito e Justiça (ODJ) desenvolveram um protocolo para prevenir a violência de gênero nesses espaços, tornando-os mais seguros para quem trabalha neles.

"Protocolo para prevenção e atenção à violência de gênero e discriminação na mídia no Equador" foi lançado no fim de abril. Ele foi desenvolvido entre 2022 e 2023, em parceria entre as duas organizações e os veículos Indómita e Edición Cientonce. Por meio de questionários anônimos, grupos focais e entrevistas individuais, 56 jornalistas e trabalhadores de redações do país compartilharam suas experiências e demandas com a equipe que criou o protocolo.

 

A print version of the protocol.
Uma versão impressa do protocolo e outros materiais são compartilhados com os jornalistas durante as apresentações do projeto. Foto cedida por GK

 

O documento define vários termos relacionados à violência de gênero no ambiente de trabalho, tais como "assédio psicológico", "assédio sexual" e "discriminação", exemplificando situações que caracterizam cada um desses tipos de violência. Ele também apresenta a estrutura legal equatoriana sobre o assunto e apresenta o caminho para que a mídia estabeleça mecanismos para prevenir violência, receber queixas, investigá-las, penalizar casos comprovados e oferecer medidas de reparação às vítimas.

Embora tenha sido criado a partir de pesquisas feitas com profissionais de mídia no Equador e se baseie na legislação do país, o protocolo oferece diretrizes que podem ser adaptadas por qualquer redação.

Isabela Ponce, cofundadora e diretora editorial do GK, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que em 2019 ela já pensava em levar para a redação as questões relacionadas aos direitos das mulheres que ela cobria. De acordo com ela, o assédio nas redações era assunto entre colegas. "Essa violência é supercomum, mas geralmente não se fala muito dela", diz.

Ainda naquele ano, vieram a público acusações de assédio sexual contra o jornalista guatemalteco Martín Rodríguez Pellecer, fundador e diretor do site Nómada. Ponce diz que o caso foi um "gatilho" que a fez pensar que "algo precisava ser feito logo" a respeito da questão.

Ela conversou com María Dolores Miño, advogada e diretora-executiva do ODJ, porque a organização já tinha experiência com o desenvolvimento de protocolos para prevenção de violência em outros ambientes, como universidades. A parceria ficou pausada até 2022, quando foi possível obter financiamento por meio de um edital da Embaixada e Consulado dos Estados Unidos no Equador. Para fortalecer o projeto, elas convidaram dois veículos para participar: Indómita, focado em jornalismo feminista, e Edición Cientonce, cuja cobertura foca em diversidade sexual e de gênero.

O protocolo é um primeiro passo. "O primeiro passo pra mim é obviamente ser capaz de falar sobre o assunto. Ou seja, conseguir falar sobre a diferença com que mulheres e diversidades de gênero habitam o ambiente de trabalho na mídia", diz Ponce.

 

Isabela Ponce
Isabela Ponce, cofundadora e diretora editorial do GK, apresentando o protocolo. Foto cedida por GK

 

Doménica Rodríguez, coordenadora de gênero do ODJ, disse à LJR que as pessoas que responderam os questionários, participaram dos grupos focais ou de entrevistas individuais compartilharam "histórias bem pesadas" que reforçam a normalização de situações de violência dentro das redações. 

"Nas pesquisas, nos falaram também que se você chega ao ponto de denunciar, não há passos seguintes. É por isso que nós, com o protocolo, tentamos tratar da questão da reparação e medidas de não-repetição. O que descobrimos foi que não há um roteiro claro sobre o que fazer nesses casos, e muitas vezes vira um segredo conhecido ou permanece em silêncio e ninguém faz nada a respeito", diz.

Além de disponibilizar o protocolo gratuitamente na internet, as equipes do GK e do ODJ fizeram apresentações em redações em várias cidades do Equador para interagir com jornalistas e chefes de redação. Elas já estiveram em Quito, Guayaquil, Quevedo e Cuenca, e planejam visitar mais cidades.

Ponce diz que, até o momento, o retorno dos jornalistas que participaram das apresentações tem sido "superpositivo". De acordo com ela, "eles são capazes de questionar certas coisas" ao aprenderem sobre os diferentes tipos de violência no ambiente de trabalho.

"A ideia é que os jornalistas tenham, consultem e usem o protocolo, em vez de deixá-lo guardado na gaveta", diz. "Eu acredito que o aspecto mais complexo serão os canais de denúncia e apoio, mas eles precisam ser criados. Há muito a ser feito."


Este artigo foi originalmente publicado pela LatAm Journalism Review e reproduzido na IJNet com permissão. 

Foto por Kelly via Pexels.