Chaves para reportagem sobre COVID-19 e comunidades de minorias

Jul 2, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Máscara

Em parceria com a nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ.

Este artigo é parte de nossa cobertura online sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.

A pandemia afetou desproporcionalmente comunidades minoritárias e não brancas em todo o mundo, disseram os participantes em um webinar em inglês do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ na segunda-feira.

"Quando isso começou a acontecer, ficou muito claro para mim e minha equipe que afetaria as pessoas não brancas da classe trabalhadora", disse Anna Lekas ​​Miller, gerente de comunicações do Media Diversity Institute em Londres. "Isso impactaria as pessoas que não poderiam necessariamente ficar em casa e trabalhar de casa."

Ela disse que, embora a grande mídia tenha coberto essas desigualdades, demorou para fazê-lo, reconhecendo apenas a disparidade quando as taxas de infecção e morte foram significativamente maiores para essas comunidades.

No entanto, publicações em todo o mundo dedicadas a cobrir comunidades minoritárias vêm cobrindo essas disparidades há anos.

“As favelas sempre existiram, mas parece que todo mundo -- e principalmente a grande mídia -- começou a olhar para este lugar pensando: 'nossa, gente, falta água. As pessoas não têm acesso à internet'', disse Vagner de Alencar, cofundador da Agência Mural, em São Paulo, dedicada a cobrir favelas.

“A pandemia do coronavírus mostrou todas essas desigualdades que sempre existiram. Meu trabalho na Agência Mural há dez anos tem sido mostrar essas desigualdades”, afirmou Alencar.

Miller e Alencar se juntaram a Thomas Bwire para um painel sobre a COVID-19 e as comunidades não brancas. Bwire é o cofundador e editor do Habari Kibra no Quênia, um meio que cobre a vida em Kibera, uma das maiores favelas da África. A discussão do painel foi moderada por Phillip Martin, do WGBH New England Center for Investigative Reporting.

Abaixo estão as principais declarações da conversa:

O que é uma comunidade minoritária

  • “Na minha perspectiva, estou falando de pessoas que moram nas favelas do Brasil. Existem muitas periferias de favelas aqui no Brasil”, disse Alencar. “Apenas em São Paulo, existem mais de 12 milhões de pessoas vivendo nas periferias daqui. Eu cresci na maior favela de São Paulo, então sei o que significa enfrentar discriminação, segregação.”

  • “Tem sido um termo de discórdia nos Estados Unidos. Basicamente, alternamos entre o termo 'pessoas de cor' e 'minoria', porque em muitos lugares, a minoria é a maioria e 'minoria' conota 'outra coisa'”, disse Martin.

[Leia mais: Jornalistas de favelas informam e fazem ações de prevenção contra o novo coronavírus]

Sobre a diversidade na mídia

  • “[A dominância] não é apenas do branco, mas também do muito rico, o que significa apenas que essas experiências vividas de pobreza ou racismo são muito raras nas redações do Reino Unido. Então, quando você tem uma história que afeta tanto as pessoas não brancas, que afeta tanto as pessoas da classe trabalhadora, leva muito mais tempo para chegar a essa história, ter acesso às pessoas, entrevistar, até mesmo entender”, disse Miller. "Quando você tem essa falta de diversidade na redação, tem essa falta de perspectivas."

  • "Eu acho que também as pessoas de comunidades marginalizadas também precisam ser tratadas como especialistas", disse Miller. “Frequentemente você tem essa dinâmica com o jornalismo, tipo 'ah, vou falar com essa pessoa de uma comunidade marginalizada e depois vou confirmar com um especialista'. Mas por que as pessoas com experiência de vida não são consideradas especialistas?"

Por que a cobertura sobre a comunidade não branca importa

  • “Em Detroit, onde cresci, entrei no jornalismo... porque era problemático ver como o lugar onde moro estava sendo retratado por jornais, televisão e revistas. Não tinha nenhuma semelhança com o que eu estava vivendo em meu próprio bairro”, disse Miller. "A noção de cobertura na rua é tão absolutamente importante."

  • Alencar disse: "Queremos capacitá-los para ter informações e lutar por seus direitos, porque se não podemos nos ver na mídia, acham que não existimos."

  • “Se, por um lado, falamos sobre desigualdades socioeconômicas, por outro, estamos falando sobre desigualdade de informação. Essa é a razão de existirmos: é mostrar aos moradores das periferias o que eles precisam fazer para se cuidar. Porque se o presidente disser 'não, não é um problema, é uma gripezinha', mas mais de 6.000 pessoas estão morrendo, estamos enfrentando um grande problema”, disse Alencar.

[Leia mais: O problema do racismo na mídia europeia]

Como ter acesso a comunidades de minorias

  • “As pessoas precisam entender a cultura diversificada de nossas comunidades. Em Kibera, temos diversas tribos e culturas diferentes”, disse Bwire. “Então, para entender o modo de viver, por exemplo, eles precisam fazer muita pesquisa sobre como as pessoas se comunicam, como as pessoas se vestem -- até a aparência importa muito, porque você não pode simplesmente vir a Kibera vestindo um terno.”

  • Bwire acrescentou que os repórteres precisam dedicar um tempo para criar um relacionamento “para que, quando você chegar [à comunidade/região], seja mais fácil se identificar com essa comunidade ou suas fontes. Às vezes, não é muito fácil para nós deixar as pessoas virem aqui com câmeras. É intimidador."

  • “Muitos jovens jornalistas -- esses estudantes de escolas ricas -- não têm acesso e não sabem o que significa morar numa favela. Uma coisa que dizemos é ter cuidado com o jornalismo sem sentido e evitar clichês”, disse Alencar. "E a outra: não subestime a capacidade política dos moradores da periferia."


Levando a desigualdade para a agenda de cobertura da mídia:

  • “Todos sabemos que informar como jornalistas é episódico. Um dia é uma história, no dia seguinte não é. Mas acho que o que devemos perguntar é como você garante que permaneça na agenda da mídia?”, disse Martin. “Nos Estados Unidos, não podemos falar, por exemplo, sobre a COVID-19 sem racismo e sobre como o racismo sistêmico está causando estragos nas comunidades não brancas, principalmente entre negros, mas também entre os latinos. Torna-se importante para mim, como jornalista investigativa, olhar mais de perto essa questão... e a relação com a falta de assistência médica e supermercados que não são vistos em nenhum lugar nessas comunidades e assim por diante.”

  • Miller: “As pessoas precisam estar falando sobre essas ideias. As pessoas precisam estar falando sobre essas desigualdades. E as pessoas precisam estar falando sobre a correção dessas desigualdades. Os jornalistas têm um papel muito, muito valioso nisso. Não acho que estejam aproveitando o suficiente este momento."

No futuro

  • Miller: “No momento, estamos em uma situação em que, de preferência, queremos contratar um monte de pessoas de diversas origens. Mas a COVID-19 também reduz os orçamentos de todos os lados. Portanto, precisamos ser espertos sobre como avançamos. O mais importante é reconhecer o racismo estrutural e as desigualdades estruturais como fatos, não como debates.”

  • Bwire: “É bom ler amplamente e fazer sua pesquisa. Eu nunca, nunca parei de aprender."

  • "[Precisamos] expandir nossos marcos de referência", disse Martin. “E a minha referência vem da minha experiência em Detroit, passando por levantes em Detroit quando criança -- vendo os da década de 1960 -- e o que está acontecendo agora nas ruas com o Black Lives Matter e em outros lugares. Meu marco de referência é influenciado por tudo, desde a revista The Economist até The Nation, conversando com pessoas da minha quadra, conversando com você... É uma questão de expandir sua base de conhecimento e basicamente reunir fatos e permitir que esses fatos ajudem a ditar e influenciar a sua história."


Imagem sob licença CC no Unsplash via De an Sun