No dia 7 de maio, pela manhã, a água proveniente da enchente do rio Guaíba começou a invadir o prédio em que moro em Porto Alegre. Rapidamente, resolvemos evacuar. Ali também é o local que trabalho, onde mantemos a pequena, mas potente redação do Nonada Jornalismo.
Como jornalista, entendo que a informação qualificada é essencial para a vida nessa que é a maior catástrofe socioambiental que o Rio Grande do Sul já enfrentou, e uma das maiores do Brasil. Mas como a cobertura jornalística está sendo feita até agora?
Desde que começaram as chuvas e as inundações, os dados da Defesa Civil até o dia 8 de maio às 12h informam que 100 pessoas morreram e há 128 desaparecidos. Cidades inteiras foram submersas, e bairros da capital foram destruídos. São, até agora, 163.720 desalojados e 66.761 pessoas desabrigadas no estado. Infelizmente, todos esses números tendem a aumentar.
Escrevo isso porque uma estruturada comunicação institucional dos vários órgãos do governo com a população, que precisa de informação qualificada, é crucial para a nossa sobrevivência. O jornalismo precisa amplificar todas essas informações, além de apurar as próprias. Um bom exemplo atual é a comunicação do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) em Porto Alegre, que tem atualizado na rede social X sobre a desoladora situação da água em Porto Alegre.
Demora em perceber a gravidade
Há um certo desconforto em como a mídia fora do Rio Grande do Sul demorou para perceber a gravidade da situação. O Fantástico, o programa jornalístico de maior destaque na TV aberta, na edição do dia 5 de maio, não conseguiu transmitir toda a verdadeira catástrofe socioambiental.
Após as críticas, a cobertura da emissora começou a mudar e já na segunda-feira William Bonner veio para o estado e apresentou o Jornal Nacional de Porto Alegre, e, com isso, vários outros programas jornalísticos da emissora começaram a ser apresentados daqui.
Os jornais do sudeste estão procurando repórteres para matérias locais e, de modo geral, também demoraram a dar a atenção necessária. Grandes jornais internacionais têm destacado o acontecimento. Há comparações, inclusive, com o que aconteceu em New Orleans, com o Furacão Katrina.
Mídia local importa
É o jornalismo local que segue fazendo a diferença ao reportar aqueles que estão sofrendo com a situação das enchentes. A Rádio Gaúcha certamente é um dos destaques, mesmo com um formato que alguns dizem ultrapassado continua sendo um dos veículos mais importantes em cobertura desse tipo, onde a informação precisa se espalhar de forma rápida. Pela gravidade da situação, eles estão atuando 24 horas, transmitindo também via Youtube e mostrando as imagens impactantes.
Ao mesmo tempo, veículos independentes e digitais, como o Sul 21 e a Matinal Jornalismo produzem um jornalismo de ótima qualidade, apostando também em matérias mais longas e na investigação jornalística, apontando as causas e despreparo da administração pública local, tanto em âmbito municipal como estadual. A Matinal, por exemplo, mostrou como o prefeito anterior de Porto Alegre perdeu verba milionária destinada a sistema anti-enchente.
Já o Sul 21, além da cobertura de Porto Alegre, também cobre outras cidades, como Canoas, que fica na região metropolitana e foi muito afetada. Eles contaram, por exemplo, como o pioneiro Escritório de Resistência Climática criado pela cidade acabou falhando.
Além disso, as redes sociais estão, em sua maioria, sendo utilizadas pelos veículos jornalísticos do Rio Grande do Sul. A imagem é de suma importância para o entendimento de pessoas que estão em outros locais.
Checagem salva vidas
Um problema crucial é a desinformação que tende a se proliferar nesses momentos críticos. Às vezes o erro pode ser sem má-fé, como aconteceu quando repórteres em suas redes sociais acabaram anunciando que um dos diques que continha o avanço da água havia se rompido em Porto Alegre, o que ocasionou um pânico na população do distrito. Na verdade, a água havia extravasado, mas o rompimento não aconteceu.
Mas um erro grave ocorreu numa matéria do SBT que afirmava que caminhões com doações estavam sendo barrados por não apresentarem nota fiscal e extrapolarem o limite de peso permitido. Logo a informação foi desmentida por vários outros veículos de comunicação e também pela própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). As cargas com donativos são dispensadas de fiscalização.
Boatos e fake news têm se proliferado principalmente vindos de influenciadores e políticos. Ao mesmo tempo, ações contra a desinformação estão em campo. A Agência Lupa tem uma equipe dedicada a verificar notícias sobre as enchentes no estado. O Nexo fez uma matéria agregando as principais mentiras em relação ao desastre ambiental no Sul.
Porto Alegre é a cidade em que nasci e que ajuda a me definir: é nela que exerço minha profissão de jornalista e onde construí minha trajetória. É nela que as pessoas que amo moram. Ela também já enfrentou outra enchente, a de 1941, que é uma espécie de fantasma para as várias gerações que vieram depois. Agora, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul ganham um novo fantasma. Por isso sinto que cabe também a mim o papel de registrar a história e trabalhar para a reconstrução da cidade.
No Nonada Jornalismo, estamos fazendo um mapeamento constantemente atualizado de entidades da cultura que foram afetadas pelas inundações. O objetivo é divulgar os contatos para que eles possam chegar até organizações da sociedade civil e doadores que tenham interesse em colaborar de alguma forma.
Foto capa: Giulian Serafim/Prefeitura Municipal de Porto Alegre