A prisão do renomado jornalista guatemalteco e presidente do elPeriódico José Rubén Zamora, no fim de julho, ligou o alarme dos defensores da liberdade de imprensa e democracia no mundo todo a respeito da contínua guinada autocrática da Guatemala e o que isso significa para a mídia independente no país.
Vencedor do prêmio ICFJ Knight International Journalism, Zamora dedicou sua carreira à denúncia da corrupção nos mais altos níveis de poder.
Em um evento realizado recentemente pelo ICFJ em parceria com o Comitê de Proteção dos Jornalistas, a Fundação John S. and James L. Knight e a Associação Interamericana de Imprensa, jornalistas de destaque da América Central discutiram a prisão de Zamora, os ataques à liberdade de imprensa na Guatemala e em toda a região e o que pode ser feito para ajudar.
Participaram Carlos Dada, cofundador e diretor do El Faro, de El Salvador; Lucy Chay, editora-chefe do elPeriódico; e José Zamora, chefe de comunicação e impacto do Exile Content Studio e filho de José Rubén Zamora. Carmen Aristegui, diretora e apresentadora do Aristegui Noticias, moderou o painel.
Abaixo estão os principais pontos debatidos:
Contexto do caso José Rubén Zamora
Infelizmente, ataques ao elPeriódico não são novidade, disse José Zamora. Nos 26 anos de existência do veículo, o governo guatemalteco, em diferentes administrações, fez campanhas de difamação contra o jornal, exigiu auditorias financeiras e ordenou boicotes comerciais, proibindo empresas de anunciar no veículo. A redação também sofreu. Houve ameaças, sequestros e tentativas de assassinato contra jornalistas.
No último ataque, o governo de Alejandro Gaimmattei criou o processo contra José Rubén Zamora em poucos dias, observou Dada, acusando-o de lavagem de dinheiro, extorsão e tráfico de influência. De acordo com os advogados de Zamora, as acusações forjadas se baseiam no depoimento de uma única testemunha.
Trabalho persistente
Apesar da atual repressão contra a imprensa livre, os jornalistas do elPeriódico continuaram a produzir e publicar suas investigações. "Infelizmente, na Guatemala e em muitos países da nossa região, o pior governo é aquele que está no poder", diz José Zamora.
"[Gaimmattei] é intolerante às críticas. Ele não dá nenhuma declaração. Ele só fala com veículos que apoiam seu ponto de vista e nunca deu uma entrevista ao elPeriódico", diz Chay.
Dada sublinhou o papel vital desempenhado pela mídia independente para responsabilizar quem está no poder. "Um veículo que não questiona o poder, o governo, não está fazendo jornalismo, mas sim propaganda", diz. "Do contrário, não há equilíbrio de poder."
Hoje, a equipe do elPeriódico segue com o trabalho crítico, apesar de o governo ter inicialmente congelado as contas bancárias do jornal. "Há um mês nós não recebemos", diz Chay. "E a equipe na redação continua revelando atos de corrupção do governo."
Ataques contra a mídia na região
"O caso do meu pai não é o único que existe", disse José Zamora. "Isso é só um exemplo do que está acontecendo no país."
Redações na América Latina, de fato, estão cada vez mais sob ataque por causa de seu trabalho, acrescentou Dada. "Eu acho que o objetivo é muito claro", disse. "[No] Brasil, Venezuela, Cuba vemos um ataque contra a liberdade de imprensa com a intensão de conter uma narrativa alternativa àquela compartilhada pelo governo."
Aristegui apontou a Nicarágua como um país em particular para se preocupar. "Sem dúvida, toda a região está enfrentando esse problema. Vimos ontem, por exemplo, o que aconteceu com o La Prensa na Nicarágua", ela disse, se referindo a como o governo assumiu o controle de instalações do veículo para transformá-lo em um "centro cultural" um ano depois de a equipe da redação fugir do país.
No México, o assassinato recente do jornalista Fredid Román fez dele o 15º jornalista morto no país este ano, destacou Aristegui.
O objetivo principal do governo é silenciar jornalistas, explicou Dada. "Nossas investigações afetam diretamente o monopólio de poder deles."
Manifestações
Na data do webinar, José Rubén Zamora se encontrava em bom estado, de acordo com José Zamora. Ele tem escrito de sua cela, na esperança de continuar lutando e informando.
"As poucas vezes que nos permitiram visitá-lo, no fim da visita ele praticamente nos deu um livro, muitas coisas que ele escreveu à mão", disse José Zamora.
Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da Associação Interamericana de Imprensa, fez o discurso de encerramento do evento. Ele estimulou as pessoas a não se calarem sobre a prisão de José Rubén Zamora.
"Nós que acreditamos nos valores da liberdade e da democracia temos a obrigação. Temos que nos comprometer a fazer com que nossas vozes sejam ouvidas no caso José Rubén Zamora", disse Jornet. "Temos que ser ouvidos em todo o hemisfério e além."
Carlos Dada é o vencedor do prêmio ICFJ Knight Trailblazer deste ano. Carmen Aristegui recebeu o prêmio Knight International Journalism do ICFJ em 2016.
Imagem principal: Agence France-Presse.