Blog convidado: Como melhorar a cobertura de estupro na Índia

por Sahar Majid
Oct 30, 2018 em Temas especializados

Em 16 de dezembro de 2012, uma estudante de medicina de 23 anos embarcou em um ônibus em Nova Deli com seu amigo e foi fatalmente estuprada por seis homens.

O estupro causou protestos em massa em toda a Índia, ganhando a atenção da mídia internacional.

Enquanto o sistema judiciário desempenhou o seu papel de forma eficaz, a mídia indiana se comportou de uma maneira insensível, fazendo todos os esforços para divulgar a questão para ganhar nome, fama e dinheiro com isso. Veja como a cobertura do estupro poderia ter sido feito melhor.

Revelando a identidade da vítima

Na Índia, revelar a identidade de uma vítima de qualquer crime sexual (não apenas estupro) é punível. O Conselho de Imprensa da Índia adverte também contra a identificação das vítimas. Obedecendo a essa lei, os jornalistas na Índia não publicaram o nome verdadeiro da vítima. Deram a ela um nome imaginário, "Nirbhaya", que significa destemida. As matérias de seguimento se referiram ao "estupro de Nirbhaya'', "caso Nirbhaya", "caso Nirbhaya de estupro coletivo", etc.

No entanto, há alguns pontos a serem considerados.

De acordo com um relatório divulgado pelo National Crime Records Bureau (NCRB) em 2014, 93 mulheres são estupradas todos os dias na Índia, com um aumento gradual a cada ano. Aumentou de 24.923 em 2012 para 33.707 em 2013. Em tais circunstâncias, como jornalistas e organizações de notícias podem concentrar toda a sua atenção em apenas um caso?

Tratar este caso de uma forma diferente -- dando-lhe uma identidade especial e tentando exaltá-lo, dando a vítima um nome fictício -- vai não só contra a ética jornalística, mas também é uma injustiça para com as outras vítimas. Se a mídia quiser expor de forma mais eficaz esses crimes, não deve tratar os casos famosos, como um evento isolado.

Levando a testemunha para a TV

Após o crime, a Zee News trouxe a sua única testemunha ocular, o amigo da vítima, para uma entrevista na TV. Ele foi entrevistado enquanto o caso estava aberto e as investigações ainda em curso.

Em tais circunstâncias, trazer a testemunha-chave para a TV é uma violação da seção 228A do Código Penal Indiano (IPC) de 1860, que enfatiza a proteção da identidade da vítima. Colocar o amigo na TV foi uma forma indireta de revelar a identidade da vítima, violar sua privacidade, bem como a lei. Para evitar isso, a mídia deveria ter entrevistado o amigo como uma fonte anônima ao invés de revelar a identidade do amigo, revelando inadvertidamente a identidade da vítima também.

Reencenando o crime

"Crime Patrol", um programa de crimes reais indiano, retratou a tragédia apenas um mês depois do incidente, com o episódio agendado para os dias 11 e 12 de janeiro de 2013.

Normalmente, esse programa narra casos menos conhecidos. Mas este caso já tinha alcançado a cobertura mediática nacional e internacional; tudo sobre ele era conhecido do público. Como resultado, transmitir esse episódio foi nada mais que uma maneira de comercializar a tragédia.

Bharatiya Stree Shakti, uma organização não governamental, desafiou a transmissão do episódio, argumentando que o episódio em particular foi uma maneira de comercializar esta tragédia. A organização afirmou que o programa iria "aumentar a tristeza da família da vítima, bem como ferir os sentimentos das mulheres em geral". O Conselho de Queixas a Conteúdo de Radiodifusão (BCCC, em inglês), em consequência, não permitiu o canal de transmitir o episódio na sua data original.

A Sony TV, no entanto, nunca desistiu da ideia de divulgar o episódio. Depois de oito meses, quando os acusados estavam prestes a serem condenados por um julgamento acelerado, o programa teve autorização judicial para ir ao ar.

Pensamentos finais

Cobrir de forma responsável crimes como estupro é uma questão mais de ética do que lei. A ética de organizações e profissionais de mídia pode desempenhar um papel neste respeito.

Tudo é comercializado. Eu concordo. Canais de notícias e entretenimento são dirigidos com base em suas classificações-alvo. Crimes famosos sempre desempenham um papel em gerar lucro para organizações de notícias. Mas a ética é mais importante do que o lucro.

Em um país onde uma mulher é estuprada a cada 20 minutos -- e até mesmo a pena de morte para cinco dos condenados no caso de estupro em Nova Deli não conseguiu diminuir a taxa de estupro na Índia -- a atitude irresponsável, não séria e insensível dos jornalistas e organizações de mídia na cobertura de casos de estupro é mais responsável por perpetuar o crime do que leis fracas.

Jornalistas, antes de culparem os sistemas judiciais por suas leis fracas contra o estupro, devem primeiro avaliar suas próprias atitudes em direção a esse crime. Quando jornalistas tentam lucrar com essas tragédias, em vez de aumentarem a conscientização das pessoas, há chances muito mínimas que a lei possa cercear essas atividades criminosas.

Sahar Majid é estagiária de programas do ICFJ. Ela está cursando mestrado na Escola de Jornalismo do Missouri. Seu projeto de mestrado foca em melhorar a cobertura de ataques sexuais nos canais de notícias nacionais no Paquistão. Este artigo faz parte de seu trabalho de pesquisa. 

Imagem principal sob licença CC no Flickr via dave gill. Imagem secundária sob licença CC no Flickr via Francois Decaillet