Avaliação dos impactos de longo prazo da COVID-19

Mar 14, 2022 em Reportagem sobre COVID-19
People walking with masks on.

A COVID-19 pode não ter resultado no evento de extinção do jornalismo global previsto por alguns, mas as ondas contínuas do coronavírus nos últimos dois anos causaram um estrago significativo no jornalismo mundialmente.

Para muitas pessoas na mídia, a natureza prolongada e incerta da pandemia trouxe uma série de desafios únicos tanto pessoais quanto profissionais. As redações tiveram que apertar os cintos e jornalistas se cansaram mental e fisicamente. Alguns perderam a vida para o vírus e muitos governos usaram a COVID-19 para restringir a liberdade de imprensa.

Apesar das pressões sem precedentes que jornalistas enfrentaram durante a pandemia, muitos vivenciaram a crise como uma revitalização da profissão — o que os ajudou a cultivar conexões mais profundas tanto com sua vocação quanto com seu público, e novas oportunidades para publicações de jornalismo independente. Em alguns casos, ela ainda serviu para desenvolver abordagens criativas e inovadoras para narrativas digitais, comunicação nas redações, engajamento da audiência e trabalho de combate à desinformação, mesmo no contexto de ameaças externas.

Quais são os efeitos de longo prazo da pandemia nos jornalistas e no jornalismo? Como as organizações jornalísticas, doadores e sociedade civil podem se adaptar? E essa crise existencial pode ser remodelada como o momento de reforma do jornalismo?

Estas são as questões principais que o ICFJ e o Tow Center para o Jornalismo Digital da Universidade Columbia estão examinando na segunda fase do projeto Jornalismo e Pandemia, lançado neste mês.

Ao responder à nova pesquisa (disponível em cinco idiomas), jornalistas podem contribuir para um estudo longitudinal único sobre como o jornalismo global está reagindo a um evento histórico. O estudo vai contribuir para um melhor entendimento de como doadores, criadores de políticas e organizações da sociedade civil podem apoiar o jornalismo sob pressão. 

[Responda à pesquisa]

O contexto

Aprofundando-se na pesquisa global com mais de 2.000 jornalistas em 145 países realizada em meados de 2020, no início da pandemia, o projeto está agora fazendo uma nova pesquisa para mapear os impactos de longo prazo e necessidades de jornalistas no mundo todo no contexto de uma pandemia contínua, ao mesmo tempo em que busca estimar as inúmeras maneiras criativas com as quais jornalistas responderam aos desafios e oportunidades trazidos por um período de reviravolta e transformação histórica.

As primeiras 30 conclusões do Projeto Jornalismo e Pandemia publicadas no fim de 2020 destacaram os impactos devastadores da COVID-19 no jornalismo por meio de uma análise de respostas de mais de 1.400 participantes que falam inglês em 145 países. Nossa pesquisa durante a primeira onda da COVID identificou muitas áreas principais de preocupação: os problemas interligados de ameaças à segurança dos jornalistas (incluindo uma era significativa de crise de saúde mental relacionada à COVID), erosão da liberdade de imprensa, o papel perigoso da desinformação no sistema de informação e os desafios de viabilidade e sustentabilidade que confrontam o jornalismo.

Nossos principais resultados da primeira fase do projeto incluíram o seguinte:

  • Quase metade dos entrevistados (46%) identificaram políticos e funcionários eleitos do governo como a principal fonte de desinformação.
  • Mais de quatro em cinco (81%) disseram se deparar com desinformação no mínimo semanalmente, com mais de um quarto identificando informação falsa várias vezes ao dia.
  • O Facebook foi apontado como o disseminador de desinformação mais prolífico
  • Quase metade disse que suas fontes expressaram ter medo de retaliação por falar com jornalistas durante a pandemia
  • Trinta por cento disseram que o veículo onde trabalham não deu a repórteres que trabalham na rua um único item de equipamento de proteção durante a primeira onda da pandemia.
  • Setenta por cento identificaram os impactos na saúde mental ligados à cobertura da COVID-19 como o desafio mais difícil.

Quando analisamos o conjunto revisado de 2.073 respostas internacionais (incluindo as enviadas em árabe, francês, espanhol, português, chinês e russo) em 2021, vimos que as tendências eram consistentes com os resultados da pesquisa em inglês.

 

 

Em nível global, os 2.073 jornalistas pesquisados ranquearam as dificuldades associadas com a cobertura da COVID-19 exatamente na mesma ordem dos participantes de língua inglesa. 

 

Qual a maior dificuldade na cobertura da COVID-19?

Os impactos psicológicos e emocionais de lidar com a crise de COVID-19 (69%)

Preocupações relativas a desemprego ou outros impactos financeiros (66%)

A carga de trabalho intensa (62%)

Isolamento social (60%)

O risco físico de contrair e espalhar o vírus (57%)

Desafios técnicos de reportagem (51%)

 

 

O mesmo se aplica às principais necessidades identificadas pelos jornalistas que participaram da primeira pesquisa; houve uma uniformidade notável em todos os grupos linguísticos.

 

Principais necessidades de jornalistas na cobertura da COVID-19

Financiamento para cobrir custos operacionais devido a impactos econômicos (75%)

Treinamento em novas tecnologias para apoiar a reportagem e publicação remotas (68%)

Treinamento em cobertura de ciência e medicina/saúde (68%)

Verificação avançada e checagem de fatos (68%)

Assistência para lidar com saúde mental e bem-estar (64%)

 

 

E uma coisa ficou clara no geral: a viabilidade do jornalismo independente no mundo pós-pandemia não vai ser só uma questão econômica. Assegurar a segurança dos jornalistas e defender a liberdade de imprensa também são fundamentais para garantir a viabilidade da mídia. A não ser que jornalistas possam trabalhar livremente sem temer por sua segurança, estabilidade financeira não vai salvar o jornalismo independente vital.

 

20% dos jornalistas disseram que o assédio online foi "muito pior" durante a pandemia

Mesmo assim, 97% indicaram que seus empregadores não ofereceram ajuda para lidar com o problema

"Esqueça os grandes obstáculos financeiros — milhares, se não milhões, pensam que toda cobertura que não é pro-Trump é falsa e que os repórteres merecem ser verificados. Como nos recuperamos disso? Eu sinceramente não vejo um bom desfecho para isso. Se você tem um, por favor me fale, porque estou me sentindo exaurido."

Jornalista dos Estados Unidos

 

14 recomendações para agir

Hoje publicamos também as primeiras 14 recomendações para ação do Projeto Jornalismo e Pandemia, junto com uma ferramenta de orientação para ajudar na implementação.

Com base na análise dos nossos dados da primeira fase do projeto, incluindo insights de discussões com doadores de governos e sociedade civil realizadas em 2021, desenvolvemos as recomendações preliminares a seguir. Elas foram criadas para ajudar governos, doadores e organizações da sociedade civil a reagirem efetivamente aos impactos da COVID-19 no jornalismo independente em todo o mundo.

  • Priorizar projetos e programas de reforço à democracia e combate à desinformação, com foco em jornalismo independente crítico.
  • Condicionar subsídios ao cumprimento das exigências de segurança no jornalismo.
  • Abordar urgentemente a crise de saúde mental que afeta jornalistas e organizações jornalísticas.
  • Tratar da crise de violência online, que está sendo exacerbada no contexto da COVID-19.
  • Priorizar o investimento em iniciativas de jornalismo colaborativo/em rede.
  • Focar em investimento de médio a longo prazo para lidar com os efeitos contínuos da pandemia no jornalismo.
  • Ajustar o apoio de acordo com o tamanho da organização de jornalismo independente.
  • Investir em programas que apoiam a inovação em gerenciamento de crise nas organizações jornalísticas.
  • Apoiar pesquisa em projetos/programas para ajudar a transferir e incorporar conhecimento em escala global.
  • Explorar projetos híbridos de jornalismo da sociedade civil que possam ajudar a gerar mudança social e alcançar o desenvolvimento sustentável onde houver essa necessidade.
  • Convocar os financiadores ao mesmo tempo em que se assegura o seu distanciamento das plataformas e de seus objetivos corporativos.
  • Investir em projetos que ajudem a maximizar a confiança e defender o jornalismo independente de campanhas feitas para descreditar e manchar a cobertura confiável e baseada em fatos.
  • Investir em projetos e veículos que enfatizem a diversidade — em termos de equipe, cobertura temática e desenvolvimento de audiência.
  • Reunir jornalistas presencialmente à medida que "reabrimos" a sociedade, quando for seguro fazê-lo.

[Leia mais: 14 recomendações para a ação]

 

Na fase final do Projeto Jornalismo e Pandemia, serão desenvolvidos estudos de caso que analisam as características de organizações jornalísticas resilientes que resistiram à crise de COVID-19, ou que mesmo prosperaram ao longo da mesma, junto com os veículos nascidos em meio à pandemia.


Este artigo foi originalmente publicado no ICFJ.org.

Foto por Xavi Cabrera no Unsplash.