Ao lidar com 'imagens de horror', jornalistas devem ser seletivos

por Laure Nouraout
Oct 30, 2018 em Segurança Digital e Física

Você clicou no vídeo da decapitação de James Foley? Se trabalha no setor de mídia, especialmente na mídia social e conteúdo gerado pelo usuário, você se depara com esses tipos de imagens impressionantes com bastante frequência se cobre temas internacionais - as imagens da Síria, do Iraque e de outras áreas de conflito. 

As organizações de mídia estão agora chamando-as de "imagens de horror" por causa da sua violência e do trauma que podem induzir. Tivemos uma conversa com Fergus Bell, editor de conteúdo gerado por usuário da Associated Press, e perguntamos sobre como os jornalistas da AP lidam com essas imagens diariamente. 

Como jornalistas lidam com "imagens de horror"? 

Se você é um jornalista monitorando isso o dia todo, todos os dias, sentado em sua mesa com fones de ouvido, não deve subestimar o impacto que pode ter sobre você. Alguns dizem que se você está na rua, tem a adrenalina que ajuda a lidar com isso. Se está sentado junto ao seu computador e inesperadamente se depara com imagens chocantes, não tem esse nível de adrenalina. Pode ser particularmente preocupante. 

A forma como a Associated Press lida com isso é ter certeza de que as pessoas não estão expostas a esse conteúdo por muito tempo, que são capazes de se sentir seguras e completamente livres para pedir para fazer uma pausa. Estamos também ficando de olho nas pessoas e variamos as pessoas, a fim de não expor um indivíduo a muito conteúdo. 

Um dos sinais de que as pessoas estão sendo afetadas é quase um vício em ver este tipo de conteúdo. Não querem deixar ir, querem continuar procurando. Nós agimos sobre isso. Temos apoio no local para quem pensa que está sendo afetado. Trabalhamos com o Dart Center [um projeto dedicado à reportagem inovadora, bem-informada e ética sobre violência, conflito e tragédia] sobre as últimas orientações nessa área. 

Como jornalista, você tem que assistir a tudo? 

Em notícias de última hora, eu tenho que assistir a todos os vídeos para ser capaz de fazer o meu trabalho corretamente. No entanto, para as histórias de longa duração, como o conflito na Síria, agora sou seletivo sobre o que vejo. Por causa da minha experiência, muitas vezes posso dizer o que seria gratuito demais com base nas legendas e imagem em miniatura. Se acontecer de eu me deparar de repente com algo chocante, então eu vejo o vídeo, observando os quadros parados para poder identificar o que está acontecendo sem sujeitar-me às imagens em movimento. Às vezes, porém, você precisa assistir a um vídeo particularmente horrível durante o tempo todo, pois ele pode ser importante editorialmente. Eu apenas tento preservar a minha tolerância a isso sendo seletivo quando posso. 

Qual é o feedback de outros jornalistas expostos a essas imagens? 

Falo regularmente com colegas em outras organizações em conferências. Nós usamos a oportunidade de recuperar o atraso em questões como esta. Eu lidero um grupo de trabalho sobre ética relacionada a conteúdo gerado por usuário: este é um dos focos principais do grupo, certificando-se de que as pessoas nas redações do nível iniciante para o gerente sênior estão cientes dos problemas, que todos nós estamos conscientes da última orientação. Não é uma questão competitiva. É um problema que afeta a indústria e estamos certificando-nos que todos estão atualizados sobre as últimas informações. Nós também podemos discutir a experiência e estudos de casos pessoais em um espaço privado. Nós podemos ajudar uns aos outros. 

Que diferenças você vê entre os países na forma como estão tratando "imagens de horror"? 

Há definitivamente uma diferença: depende claramente do público. Vemos isso para todos os tipos de conteúdo: nos países ocidentais, há uma menor tolerância para imagens gratuitas que na Ásia e no Oriente Médio. O público está mais acostumado a isso. Depende dos padrões da organização de notícias e o que decidem individualmente. Não é o nosso trabalho escolher como nossos clientes usam o conteúdo. Fazemos uma decisão sobre o que vamos acessar, e daí cabe a eles. 

Então, qual é o processo na AP? 

Assim que estamos cientes do conteúdo, especificamente os vídeos de execução, vamos levar isso para os níveis mais altos aqui: Sandy McIntyre, diretor de vídeo e Tom Kent, editor de normas, são duas pessoas que estão sempre envolvidos nessa decisão. Na rota para essa decisão, o conteúdo é compartilhado com algumas poucas pessoas que precisam dar seus pareceres. Em termos da decisão de usá-lo, realmente depende do contexto da situação. Nunca usamos mais do que absolutamente necessário para ilustrar a história e também consideramos as implicações para os familiares e se nós estamos dando uma plataforma para as pessoas que criaram isso. Todas essas coisas são levadas em consideração. 

Jornalistas devem considerá-los como propaganda e não publicá-los? 

É uma velha questão das redações; Eu não acho que o problema ou a abordagem mudou. O que mudou é que o público pode acessar esse tipo de conteúdo por conta própria, pode obtê-lo diretamente da fonte. Às vezes, não importa o que uma organização de notícias faz, porque o conteúdo está lá fora para o público encontrar se eles realmente querem. 

Estou em mídias sociais o tempo todo e eu vejo as coisas o tempo todo. Há coisa demais para uma audiência. É muito, porque é apresentado para uma audiência sobre uma plataforma como o Twitter, onde o público não tem a oportunidade de desviar o olhar por causa da natureza do Twitter. Entra no seu feed; não é necessariamente algo que estão procurando. Em situações como essa, onde as pessoas não têm uma escolha sobre a sua exposição a ele, pode ser demais.

Este artigo apareceu originalmente no site da Global Editors Network e é reproduzido na IJNet com permissão. A Global Editors Network é uma comunidade  multiplataforma dedicada ao jornalismo sustentável de alta qualidade, capacitando as redações através de uma variedade de programas desenvolvidos para inspirar, conectar e compartilhar. 

Laure Nouraout é coordenadora de mídia social da Global Editors Network. Siga-a Twitter: @LaureNouraout.

Imagem sob cortesia CC no Flickr via Jonathan