Pense na última vez em que você navegou pelo seu feed nas redes sociais e encontrou um anúncio político perfeitamente alinhado com as suas opiniões – ou talvez um que tenha te revoltado. Você consegue dizer se era o anúncio de uma campanha legítima, de um comitê de ação política suspeito ou mesmo de uma entidade estrangeira? Você consegue identificar quem pagou pelo anúncio? Possivelmente não.
Enquanto a propaganda política no rádio e na TV é sujeita a exigências rigorosas de divulgação há décadas, seus equivalentes online existem em um vácuo regulatório. Gigantes das redes sociais como Facebook, X (antigo Twitter) e Instagram se tornaram campos de batalha centrais para campanhas políticas. No entanto, eles operam sem a transparência exigida da mídia tradicional. Isso permite que os anunciantes usem microssegmentação sofisticada para adaptar mensagens aos eleitores, muitas vezes explorando dados pessoais detalhados.
Bem-vindo ao Faroeste desregulado da propaganda política online, onde a transparência é escassa e não há responsabilização. Com a a eleição presidencial dos EUA a todo vapor em 2024, essa fronteira digital impõe uma ameaça sem precedentes à integridade da democracia americana.
Os velhos tempos
A Lei McCain-Feingold foi aprovada há mais de duas décadas. Oficialmente conhecida como Lei da Reforma de Campanha Bipartidária de 2002, ela foi criada para conter a influência do dinheiro na política e aumentar a transparência no financiamento de campanhas. Esse marco na legislação, defendido pelos senadores John McCain (Partido Republicano, Arizona) e Russ Feingold (Partido Democrata, Wisconsin), inclui a regulamentação de anúncios de defesa de causas na televisão e no rádio.
A Lei McCain-Feingold trouxe da necessidade de um termo de responsabilidade e a cláusula "assuma o seu anúncio", que exige que os candidatos endossem pessoalmente suas mensagens nos anúncios na televisão e no rádio. Tais regulamentações se mostraram eficazes para manter um nível de responsabilização e de transparência na mídia tradicional.
Mas a mídia passou por uma transformação dramática desde a aprovação da lei. Como um acadêmico de comunicação que estuda publicidade online, eu vejo a carência de medidas regulatórias semelhantes para governar os anúncios políticos online como uma omissão flagrante. Este vácuo deixa as plataformas responsáveis por oferecer transparência.
Ao mesmo tempo, as regras da Comissão Federal de Eleitoral que regem a divulgação de anúncios políticos no ambiente digital seguem sendo turvas, na melhor das hipóteses. A falta de clareza torna o monitoramento e análise de anúncios políticos digitais uma tarefa atemorizante para pesquisadores, jornalistas e cidadãos.
Estudos sobre transparência de anúncios
Um estudo recente realizado pela organização de defesa da internet aberta Mozilla e da empresa finlandesa de pesquisa Check First revela deficiências significativas nas ferramentas de transparência de anúncios fornecidas pelas grandes plataformas de tecnologia. As ferramentas de transparência de anúncios são coletâneas e análises de anúncios que as empresas de redes sociais disponibilizam publicamente. Pesquisadores, formuladores de políticas e grupos de defesa de direitos as utilizam para entender os anúncios e seus efeitos. As deficiências levantam preocupações sobre o potencial para manipulação e mentira nos preparativos para a eleição presidencial.
O estudo analisou ferramentas de transparência de anúncios de 11 grandes plataformas, incluindo X, a loja de aplicativos da Apple, Google, Meta, TikTok e LinkedIn. O estudo descobriu que essas ferramentas muitas vezes fornecem dados incompletos, têm funções de busca defeituosas e são difíceis de usar efetivamente. Dentre os gigantes da tecnologia avaliados pelo estudo, o X se destacou com o pior desempenho, com um histórico desanimador de fornecimento de dados significativos tanto para organizações de defesa quanto usuários.
Notavelmente, o estudo focou nos esforços dessas plataformas de cumprir com a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, que exige um certo nível de transparência de anúncios. No entanto, não há nos EUA exigências comparáveis, deixando os eleitores vulneráveis a potenciais manipulações e campanhas de desinformação.
Pesquisas acadêmicas recentes esclarecem mais a potencial eficácia de se rotular um anúncio como político. Um estudo testou várias formas de divulgação de informação de transparência com base em leis, incluindo a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, e propôs regulamentações, incluindo a Lei de Anúncios Honestos dos EUA.
A Lei de Serviços Digitais é um conjunto amplo de regras que exige que as plataformas online forneçam informação em tempo real sobre quais postagens são anúncios e quem as produziu e as financiou. A lei dos EUA tem o objetivo de exigir que as plataformas mantenham registros públicos de qualquer anúncio político feito por uma pessoa ou grupo que gaste mais de US$ 500 em anúncios em um ano-calendário. Também busca assegurar que entidades estrangeiras não criem anúncios políticos para influenciar a eleição dos EUA.
Os pesquisadores descobriram que medidas de transparência baseadas nessas leis eram mais efetivas no aumento da capacidade dos usuários de reconhecer e entender tentativas de persuasão nos anúncios. Porém, o estudo acadêmico também destacou desafios significativos na implementação da classificação de anúncios. Apenas 30% dos participantes lembravam-se de ter notado informações sobre transparência, sublinhando a dificuldade de tornar tais medidas eficazes no mundo acelerado das redes sociais.
Os riscos
A importância da transparência de anúncios foi destaque em um relatório recente da AI Forensics, organização europeia sem fins lucrativos que investiga algoritmos opacos e influentes. O relatório, intitulado "Sem Embargo à Vista: Meta permite que anúncios pró-Rússia inundem a União Europeia", revela que uma rede massiva de propaganda pró-Rússia mirou em eleitores da França e da Alemanha. Ela chegou a 38 milhões de usuários em apenas seis meses. A Meta falhou em identificar e rotular a tempo a maioria desses anúncios como políticos, permitindo que a desinformação se espalhasse rapidamente.
Especialistas estão cada vez mais preocupados com o potencial de campanhas de desinformação semelhantes focadas em eleitores dos EUA. Com guerras ocorrendo em várias regiões críticas no mundo e plataformas como X e Facebook tendo dificuldades para monitorar e informar sobre anúncios políticos de forma efetiva, os riscos de uma interferência eleitoral e de manipulação de eleitores são significativos.
Apesar dos apoiadores importantes da Lei de Anúncios Honestos e da potencial eficácia sugerida por pesquisas acadêmicas, a maioria das análises prevê que impasses partidários e o lobby da indústria de tecnologia vão impedir que ela seja aprovada antes da eleição de novembro de 2024. Essa falta de ação legislativa deixa os EUA sem ferramentas robustas de transparência de anúncios, dificultando para o público a identificação das fontes por trás dos anúncios políticos nas plataformas digitais.
Organizações de defesa demandaram das plataformas digitais que priorizem o desenvolvimento de ferramentas de transparência de anúncios mais robustas e fáceis de usar antes da eleição. Elas argumentam que, sem reformas significativas, a integridade do processo democrático está em risco, deixando os eleitores vulneráveis a manipulação e mentiras.
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
Steven Caplan é instrutor adjunto de comunicação e marketing da Faculdade de Comunicação e Jornalismo da USC Annenberg.
Foto por Jose Francisco Fernandez Saura via Pexels.