10 livros de jornalistas para ler e presentear

Dec 10, 2023 em Diversos
Livros de presentes

Se em 2022 o foco estava na radiografia do presidente que ainda ocupava o Palácio da Alvorada, este ano dez livros assinados por jornalistas, aqui selecionados como boas possibilidades de presentes de Natal, partem do poder brasiliense e se desdobram na violência brasileira e na história nas Américas. Além disso, recorrem ao texto literário para relatar dramas da nossa classe média. A um ano do ataque na Praça dos Três Poderes, o Brasil consegue respirar à procura de ar menos doentio.

Mas não muito. Milicianos continuam à solta e ainda amedrontam cidades e os poderes da República do Brasil. Notícias falsas permanecem impunes enquanto o jornalismo profissional segue recebendo ameaças à direita, ao centro e à esquerda. A história se submete a escrutínios pensados por novos ângulos, a fim de destrinchar uma visão cristalizada nos livros oficiais. A literatura, bem, a literatura segue viva quando não se deixa enganar por modismos que convidam ao comodismo. 

Em ficção e não ficção, a leitura das obras elencadas a seguir nos deixa mais atentos às inquietações do mundo contemporâneo:
 

1) O Tribunal – Como o Supremo se uniu ante a ameaça autoritária

Luiz Weber e Felipe Recondo reconstituem os anos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) se viu afrontado pela vontade de autoritarismo que vicejava em Jair Bolsonaro e se espalhava por perversas redes sociais. A obra funciona como continuação de Os onze: o STF, seus bastidores e suas crises, da mesma dupla de repórteres-pesquisadores. Chama atenção a elegância de um texto que toma o leitor delicadamente pelas mãos, entre descrições detalhadas e narração amarrada por enquadramento preciso das coxias, até conduzi-lo à tribuna onde se julga (e se preserva) a democracia brasileira. (Companhia das Letras, 286 páginas) 

 

2) O que vi dos presidentes: fatos e versões 

Em pouco menos de um ano, Diana Fernandes deu forma ao livro que Cristiana Lôbo vinha tramando em meio a uma apertada agenda de trabalho. A famosa repórter de política morreu em novembro de 2021, vítima de câncer. Diana assumiu a tarefa de ordenar e terminar de redigir a visão da amiga sobre os presidentes da República do período pós-ditatorial. O resultado contrasta o temperamento de uma jornalista sempre viva em sua relação com o comportamento de sete homens e uma mulher (Dilma) tomados pela razão e a paixão próprias ao poder. Dupla autoria para dupla homenagem: à boa apuração, parte inseparável de uma generosa carreira. (Planeta, 352 páginas)

3) Milicianos: como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele

Tudo o que gostaríamos de saber sobre os esgotos das polícias do Rio de Janeiro, mas não tínhamos quem perguntasse por nós. A partir da história de Ronnie Lessa, apontado como o assassino de Marielle Franco, Rafael Soares, repórter especial de O Globo, nos conta em detalhes (sim, muitas vezes sórdidos) como a violência constitui quem deveria estar contra ela. É livro triste: não se vê solução no horizonte. É obra importantíssima: dá ao leitor boa munição na luta em prol das pessoas que desejam apenas viver em paz. Vale lembrar que Soares criou e apresenta o podcast Pistoleiros. (Objetiva, 320 páginas) 

 

4) Os grandes casos do Disque Denúncia

Um serviço aparentemente despretensioso se transforma na única "política" de segurança duradoura no mesmo Rio de Janeiro de milicianos – e traficantes, assaltantes e demais meliantes. A confusão se desarma um pouco por meio do anonimato (palavra-chave) de ligações que ajudam a desvendar crimes. Mauro Ventura, em estreita conexão com Zeca Borges, o grande coordenador do Disque Denúncia por mais de 25 anos, falecido em 2021, escolhe as melhores histórias que levam de um telefonema à algema. O segredo do serviço é também o do livro: várias vozes com informações para fazer soar o coro por justiça. (História Real, 368 páginas)

 

5) Baviera tropical

Dos criminosos cotidianos aos grandes assassinos da história, chegamos ao livro de Betina Anton que conta a história do "médico nazista mais procurado do mundo, que viveu quase vinte anos no Brasil sem nunca ser pego". E ele tinha nome e sobrenome: Josef Mengele. A narrativa tem jeito de thriller e envolve memórias da própria autora, seguindo a pergunta anunciada por tantas mortes na Alemanha nazista: como essa figura pôde passar desapercebida? Disfarces, destrezas, cúmplices, comparsas. Com muito fôlego, a obra se insere na melhor tradição do jornalismo literário. (Todavia, 384 páginas) 

 

6) ¿Qué pasa, Argentina?

Janaína Figueiredo dedica seu primeiro livro ao pai, o jornalista Newton Carlos, pioneiro na cobertura cuidadosa sobre América Latina. O volume chega em momento crucial, porque todos andam se perguntando: o que está acontecendo, Argentina? O país que amamos detestar (dizem que eles detestam nos amar) vai de crise em crise, de tango em tango. A autora tem relações pessoais e profissionais estreitas com o país vizinho. Como sabe tudo de los hermanos – seus peronismos, suas paixões –, ela nos oferece saborosa empanada histórica, política e cultural, com desmonte de clichês, cortados na ponta da faca. (Globo, 192 páginas) 


 

7) Admirável novo mundo: uma história da ocupação humana nas Américas

Bernardo Esteves vai ao encontro dos primeiros povos do continente para propor novas maneiras de compreender a ocupação das Américas. Longo mas extremamente legível, o livro do repórter da revista piauí investiga como e por que a tradição deixou escapar importantes dimensões da pesquisa científica, escondidas entre intrigas e  intuições. O autor ressalta os conhecimentos dos povos originários, antes colocados à margem pelo discurso hegemônico. "Um livro fascinante, de valor inestimável para a consciência de nossa ancestralidade", diz o neurocientista Sidarta Ribeiro. (Companhia das Letras, 582 páginas)

8) Antes do silêncio

Rogério Pereira ficou conhecido por ser o resistente comandante do jornal de literatura Rascunho, publicado em Curitiba desde o ano 2000 e de alcance nacional. Como ficcionista, vem publicando aos poucos e com cuidado. Neste segundo romance, o narrador em primeira pessoa vive sem piedade os últimos dias da mãe, se debatendo entre proximidade e distância filial. Aqui Rogério mostra as armas seguras do bom leitor que convida seus nobres pares a entrar numa jornada íntima, em prosa armada até os dentes de vida, morte e literatura. (Dublinense, 160 páginas)

 

9) Pistas falsas 

Os contos e outros textos curtos de José Eduardo Gonçalves são apegados ao fait-divers. Mas não se restringem (ou correspondem), por assim dizer, aos fatos. O diferente aqui pode estar na cabeça das personagens. Quando menos se espera, o desvio: no pensamento e na palavra. O faro do autor para este tipo inusitado de "notícia" mental chama a atenção tanto quanto o seu texto de simplicidade elegante. Grata e verdadeira surpresa do jornalista mineiro, um dos editores da belíssima revista de arte e literatura Olympo. Na contracapa, Milton Hatoum destaca "a densidade das relações humanas" encontrada em prosa enxuta. (Patuá, 172 páginas)

 

10) Chuva de papel

O terceiro romance de Martha Batalha é o que mais aproveita a experiência jornalística da autora de A vida invisível de Eurídice Gusmão e Nunca houve um castelo. O que Martha nos entregou em 2023 foi mais um livro bom de ler, dentro da tradição de contar histórias cheias de vontade de ser vida humana transformada em relato para que a gente se apegue, aprenda e aplauda. A boa nova: não é preciso qualquer tipo de identificação com o canalha Joel, decadente repórter, criado entre cadáveres éticos e corações dilacerados. A forma, enclausurada entre memória e pandemia, nos tira dessa armadilha e convida a um deleite estético mirabolante. (Companhia das Letras, 224 páginas)


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