7 boas práticas para cobrir comunidades LGBTQ+ com dados

por Kae Petrin and Jasmine Mithani
Jun 27, 2024 em Diversidade e Inclusão
Pride bracelet

Dados sobre pessoas LGBTQ+ se tornaram mais abundantes à medida em que o censo dos EUA e de outras partes do mundo adicionaram perguntas que tentam entender essas comunidades.

Mas entre práticas irregulares de coleta e comunicação, supressão de dados e preocupações com privacidade e ética, produzir pautas baseadas em dados sobre a comunidade LGBTQ+ ainda pode ser difícil. É claro que todos os problemas citados são comuns em qualquer campo do jornalismo de dados, mas eles são exacerbados pelo tamanho pequeno de populações e pela desconfiança generalizada de quem busca informações identitárias no atual clima político.

Ao mesmo tempo, esse tipo de reportagem é mais necessário do que nunca. Leis discriminatórias que tentam apagar a existência de pessoas LGBTQ+ estão varrendo o país — mas boa parte da cobertura jornalística limita-se a um vai e vem político com uma abordagem reducionista de "guerra cultural". Os dados podem ser uma ferramenta poderosa para mostrar o escopo da disrupção pessoal e cívica causada por essas leis ou suas consequências sociais menos óbvias em todo os EUA.

Nós, Kae e Jasmine, somos jornalistas de dados que lidam com dados sobre pessoas LGBTQ+ há anos. Kae é repórter de dados e infografia no Chalkbeat, redação sem fins lucrativos independente que cobre educação pública. Jasmine é repórter de dados visuais no The 19th, redação sem fins lucrativos independente que cobre gênero e política. Nós descobrimos soluções para trabalhar com dados complicados e registramos as dicas técnicas que gostaríamos de ter quando começamos.

Às vezes os dados são realmente muito ruins — mas, muitas vezes, eles só precisam de uma análise cuidadosa.

Este artigo é sobre soluções técnicas e de reportagem — se você se interessa por conceitos e ética, deve ler a primeira parte também.

Dica 1: amplie seu conjunto de fontes de dados

Muitas das nossas fontes de dados de referência, sejam governos ou centros estratégicos de reflexão, não coletam dados sobre populações LGBTQ+ (ou se o fazem, é uma prática recente). Faça uma seleção mais ampla do que a de costume ao pesquisar dados confiáveis: procure por estudos elaborados por membros da comunidade ou questionários de grupos de defesa. Analise cuidadosamente a metodologia para garantir uma explicação adequada dos resultados. 

Considere também buscar dados municipais ou de esferas menores de governo para criar "relatos de dados" de várias cidades ou estados. Dados federais em larga escala muitas vezes ficam aquém dos dados coletados no nível local, que por sua vez são mais responsivos à mudança e comunidades individuais.

Dica 2: Mantenha o ceticismo diante de novas coletas de dados e de dados ao longo do tempo 

Em 2022, o Williams Institute, uma das melhores fontes acadêmicas sobre dados da população trans nos EUA, divulgou estimativas atualizadas que dobraram o número de jovens trans. Grandes publicações fizeram manchetes sobre o "aumento acentuado".

Mas, na verdade, conforme esclareceram os pesquisadores, não houve aumento inequívoco. As estimativas antigas e as novas estimativas não eram comparáveis ao longo do tempo; as novas estimativas derivavam de dados que não existiam antes. As estimativas antigas vinham de modelos baseados em diferentes fontes.

Nós vemos problemas metodológicos similares em quaisquer conjuntos de dados novos e em trabalhos baseados neles: as instituições adotam novos métodos em momentos diferentes, assim, dados entre estados ou entre cidades não são de fato comparáveis; elas usam diferentes definições de dados que excluem ou incluem de forma inconsistente subgrupos LGBTQ+ específicos; pessoas LGBTQ+ não necessariamente confiam na segurança ou privacidade da coleta de dados, por isso podem inclusive demorar a fornecer informações.

Os dados mudam rapidamente e grupos pequenos podem experimentar mudanças súbitas — como o aumento de 217%, de 12 para 38 pessoas, que Kae encontrou ao obter dados de matrícula de estudantes não-binários em escolas públicas.

Dica 3: Preste atenção na metodologia — talvez mais do que você normalmente prestaria

A metodologia nem sempre é incluída no material de divulgação à imprensa. Pergunte aos assessores sobre ponderação e margem de erro; a maior parte deles vai ter o prazer de te colocar em contato com um especialista ou trazer respostas da equipe técnica.

As pesquisas precisam ser ponderadas para se aplicarem à população como um todo. Mas pessoas LGBTQ+ não são contadas na American Community Survey, uma fonte comum para fazer ponderações, portanto os dados podem não ser representativos de um grupo maior. Pergunte às pessoas que criaram os dados o quão generalizável é a informação e quais tipos de ressalvas você precisa incluir na matéria.

Dica 4: Analise a formulação das perguntas e reflita criticamente sobre os agrupamentos usados pelos pesquisadores

Não há uma linguagem padronizada para perguntas demográficas sobre identificação LGBTQ+. Para entender quais grupos estão sendo referidos, é preciso recorrer à linguagem usada pela pesquisa.

Muitas pesquisas ainda confundem sexualidade e gênero, o que não necessariamente é um problema quando se fala sobre a população LGBTQ+ como um todo, mas há uma perda de nuance em relação às experiências transgênero. Em amostras pequenas, é possível que pessoas trans não tenham sido incluídas.

Além disso, pesquisadores podem usar agrupamentos ou classificações para caracterizar comportamentos em vez de identidade. Às vezes, isso pode ser preciso. Mas as categorizações dos pesquisadores também podem gerar suposições incorretas sobre a autoidentificação, emoções ou experiências das pessoas (há mais sobre isso na primeira parte dessa série). 

A linguagem de questionários de ciências sociais é precisa de uma forma que às vezes pode ser alienante para o público geral. Não tenha medo de usar o seu melhor julgamento editorial para fazer uma reclassificação com linguagem que reflita as boas práticas de cobertura de organizações como a Associação de Jornalistas LGBTQ, a Associação de Jornalistas Trans ou a Associated Press — desde que você faça a pesquisa para entender as limitações dos dados.

Para uma pesquisa feita em 2023, o The 19th renomeou a categoria de gênero "não listado/inconformidade de gênero" para o análogo "não-binário" em todas as matérias e infográficos. Foi uma forma de seguir as recomendações do guia de estilo da Associação de Jornalistas Trans e de usar a linguagem comum às comunidades LGBTQ+.

Dica 5: Não ignore outros fatores demográficos, mesmo que os seus dados o façam

Comparar grupos LGBTQ+ e não-LGBTQ+ pode ocultar tendências subjacentes. Pessoas LGBTQ+ tendem a ser mais jovens e mais liberais, e estes podem ser fatores que motivam seu comportamento em vez de exclusivamente sua identidade LGTBQ+, conforme descobriu Jasmine ao trabalhar em uma matéria sobre a falta de pesquisas sobre pessoas queer religiosas.

Do mesmo modo, nas escolas, algumas experiências de estudantes LGBTQ+ podem ser específicas de identidade. Mas outras podem estar relacionadas à situação financeira da família, os recursos e investimentos disponíveis para alunos LGBTQ+ em regiões mais ricas, tendências urbanas versus rurais e fatores similares que devem ser considerados em qualquer análise demográfica específica.

Dica 6: Enriqueça o contexto dos dados com especialistas

É claro que, em qualquer matéria baseada em dados, você muitas vezes precisa entrevistar especialistas em dados tanto quanto você precisa entrevistar os dados em si. Mas isso pode se tornar ainda mais importante quando você estiver trabalhando com conjuntos de dados mais recentes, não padronizados e com uma escala menor.

O olhar de especialista sobre os dados pode ser o sucesso ou a ruína da matéria — ou captar um erro flagrante na forma como você interpretou as tendências.

Isso é especialmente importante quando se trabalha com dados LGBTQ+, porque muitas vezes uma pesquisa será a primeira do tipo. Consultar especialistas que estudaram as questões qualitativamente pode validar ainda mais a premissa da sua matéria.

Dica 7: Conte histórias — e produza material visual — sobre as limitações dos dados

Todos esses problemas são os mesmos enfrentados por qualquer outra editoria com dados de má qualidade ou limitados (praticamente todos os dados). Mas há soluções técnicas criativas para transformar sua análise de dados para examinar, ou mesmo visualizar, os problemas com dados ruins.

Considere adotar uma metaabordagem que enfatize o que está faltando em um conjunto de dados em vez de analisar ou visualizar dados que você sabe que têm muitos problemas. Talvez seja o caso de usar pequenos múltiplos em vez de linhas em um mesmo eixo do gráfico para que o público não faça comparações que não existem; talvez seja o caso de fazer um mapa ou um gráfico de barras mostrando todos os órgãos que não informaram dados ou todas as pessoas que foram excluídas pelas definições dos dados.

Usar a criatividade e trazer soluções de outras editorias pode abrir portas para pautas de dados novas, importantes e notáveis. Vale a pena o tempo usado para considerar essa abordagem: problemas com dados são problemas para as pessoas e essas histórias merecem ser contadas.


Foto por Jack Lucas Smith via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado no Source e republicado na IJNet com permissão.