A imprensa brasileira e a mudança na maneira de noticiar atentados

16 avr 2023 dans Segurança Digital e Física
Pomba da paz

Os ataques e ameaças às escolas têm crescido e gerado pânico. E nesse momento a imprensa brasileira passa por uma situação extremamente necessária: revisar e modificar a maneira de noticiar tais tragédias. Se muitas vezes eram expostas imagens, dados do autor e detalhes do ataque, agora, estas informações começam a ser abolidas da cobertura.

A pesquisadora Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e uma das autoras do relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental” tem ajudado a divulgar entre jornalistas os perigos de dar visibilidade aos autores desse tipo de crime, uma vez que a maneira como a mídia relata um evento, pode influenciar novas ocorrências. “Manifestos detalhados e extensos, relatos repetidos do número de vítimas, exposição de contagens de corpos trazem recompensas sobre o ato violento e demonstram competência", alerta Santos. "Todos esses casos servem para criar um modelo com detalhes suficientes para promover outros ataques em massa.”

Segundo o relatório da pesquisadora Catarina Santos, no Brasil, os eventos de violência às escolas, em geral, estão associados ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem.  No webnário “A cobertura jornalística e ataques à imprensa”, realizado pelo Jeduca, a pesquisadora da Unicamp Telma Vinha relata que nos últimos 21 anos foram registrados, no país, 22 ataques, sendo que 9 ocorreram nos últimos 8 meses. 

Mudança na forma de noticiar

Cléo Garcia, pesquisadora da Unicamp, explica que o movimento de não divulgar detalhes de crimes como esses teve início na Nova Zelândia, após o ataque a uma mesquita em 2019, que deixou 51 pessoas mortas. “Não podemos esquecer que um dos objetivos dos autores desse tipo de ataque é a visibilidade e notoriedade. Querem ser reconhecidos e, quanto maior os números de publicações, mais alcançarão a fama que tanto almejam.”

Aqui no Brasil, veículos como a Rede Minas  já tomavam cuidado de não dar publicidade a esse tipo de ação e adotaram a ideia de fortalecer os laços em torno de soluções para esse problema, conforme explica a gerente de jornalismo, Cibele Penholate.  “Se de um lado a gente não pode negligenciar o que está acontecendo, de outro não podemos fomentar o pânico", diz Penholate. "A gente tem optado por dar vazão principalmente às ações de contenção deste tipo de ameaça, como as ações do estado, das comunitárias, das escolas. No sentido de dizer que a escola é um ambiente seguro. Inseguros estão as redes sociais que divulgam e propagam esse tipo de ameaça, muitas vezes infundadas.”

No entanto, foi recentemente que o cuidado foi tomado por outros meios, como o jornal O Estado de São Paulo. O veículo postou nota após o ataque no Centro Educacional Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), no dia 5 de abril, informando que não divulgaria foto, vídeo e outros dados do autor, assim como fizeram no ataque à escola Estadual na Vila Sônia, em São Paulo, no dia 27 de março. A mesma postura teve o Grupo Globo.

A Rádio Itatiaia, considerada a mais ouvida no Brasil em 2022 (segundo pesquisa Kantar Ibope Media), também mudou a forma de noticiar os ataques às escolas. O veículo chegou a postar em seu site e redes sociais fotos e identidade do autor do crime na creche em Blumenau (SC). Durante a cobertura, tomaram a decisão de não focar no autor justamente para não estimular novos ataques e acabaram por excluir conteúdos com esse teor. A cobertura tem seguido outra linha, conforme explica a coordenadora de jornalismo da rádio, Jaqueline Moura:  “Vamos dar mais visibilidade, no momento, às forças de segurança e educação que estão desmentindo fake news que foram espalhadas nos últimos dias. O objetivo é tranquilizar pais e alunos.”

A decisão dos grandes veículos, a partir da tragédia em Santa Catarina, acabou causando um efeito cascada em mídias menores. “A gente acompanhou a decisão de outros veículos de porte nacional como O Globo e Estadão, que são referências para nós, e compreendemos que seria melhor a exclusão de informações sobre o autor", diz Cristóvão Vieira, editor-chefe do jornal O Município, de Blumenau. "É uma compreensão do jornalismo internacional de que dar visibilidade ao criminoso pode ser justamente o que ele quer com atentados como este", reforça Vieira.  

Como a imprensa pode colaborar em vez de atrapalhar

Para Santos é importante que a imprensa comece a questionar quem dá publicidade aos autores de ataques. Ela lista algumas ações fundamentais: “Investigação sobre as redes sociais, que deixam esses perfis circularem livremente, combate aos influencers e parlamentares que utilizam as redes sociais para disseminar o ódio e para atacar quem luta contra o processo de armamento da população”.

Não podemos esquecer que, infelizmente, tragédias trazem engajamento nas redes sociais. A pesquisadora da UnB aponta outro debate que pode ser fomentado pela imprensa. “A questão da regulamentação das redes. Elas têm um grande poder de impedir o que pode ser circulado ou não, receber denúncias ou não. Então, os meios de comunicação têm o papel, inclusive, na problematização para que haja controle por parte dessas redes", diz Santos. "Tem, ainda, um papel na educação da grande população, chamando a atenção de qual é a responsabilidade que cada um de nós temos ao compartilhar esse tipo de conteúdo. Se os meios de comunicação estão aprendendo a fazer isso, a população como um todo também está aprendendo.”

Dicas para uma cobertura ética 

- Não divulgar ameaças;

-  Valorizar as vítimas diretas e indiretas (familiares e amigos), dando visibilidade às suas histórias;

- Reduzir tempo de cobertura de notícias após um o ataque;

- Evitar descrições detalhadas da lógica do atirador;

- Evitar fornecer relatos detalhados das ações de um atirador em massa antes, durante e após o evento.


Foto Sunguk Kim no Unsplash