Crise climática: os cientistas já deram o recado, agora é a vez dos jornalistas

21 janv 2022 dans Reportagem de meio ambiente
Cartaz de protesto pelo planeta

Após quase dois anos de pandemia, o ICFJ expandiu o foco de treinamentos e ferramentas do Fórum antes dedicado exclusivamente à cobertura da pandemia para ajudar jornalistas a cobrir algumas das maiores crises do mundo hoje: mudanças climáticas, desinformação, disrupção tecnológica, pandemias e mais. A comunidade agora se chama Fórum Pamela Howard para Cobertura de Crises Globais em homenagem à estimada vice-presidente do ICFJ Pamela Howard. 

Para iniciar a nova fase, o Fórum convidou um dos maiores especialistas em mudança climática e aquecimento global no Brasil e no mundo para o webinar gratuito “O impacto devastador das mudanças climáticas”. O papo foi com Paulo Eduardo Artaxo Netto, professor do Instituto de Física da USP, mestre em Física Nuclear e doutor em Física Atmosférica. 

Além de explicar o que é a crise climática e quais são os desafios atuais, Artaxo falou sobre a importância do jornalismo em pautar questões estratégicas para a construção de uma sociedade sustentável: “A ciência já deu o recado que tinha que dar. Agora é com vocês jornalistas”. A conversa aconteceu em 20 de janeiro. Assista o webinar completo neste link e leia os destaques abaixo. 

  • O conceito de mudanças climáticas: a humanidade descobriu que ao queimar carvão, petróleo e, mais tarde, gás natural é possível produzir energia. O uso dessa energia possibilitou um enorme desenvolvimento nos últimos 150 anos. Agora, estamos lidando com os efeitos colaterais dele. O principal efeito é que estamos mudando a composição da atmosfera terrestre com a emissão dos gases de efeito estufa, que retém calor e aumentam a temperatura média da terra.

 

  • Fenômenos climáticos extremos: em 2021 o planeta já aqueceu em média 1.1ºC se comparado a períodos antes da Revolução Industrial. Apesar de parecer pouco, isso já impacta de forma drástica em vários ecossistemas e causa fenômenos climáticos extremos, como as grandes chuvas que vimos recentemente na Bahia. 

 

  • Temperatura no Brasil pode aumentar mais do que em outras regiões: as áreas continentais, como o Brasil, se aquecem muito mais do que as áreas oceânicas. Então, enquanto a previsão é que a temperatura média do planeta pode aumentar cerca de 3ºC a 4ºC, no país isso significa um aumento médio de temperatura da ordem de 5ºC a 5.5ºC.  

 

  • Derretimento de gelo e aumento do nível do mar são processos irreversíveis: o aumento da temperatura global está causando derretimento de gelo armazenado na Groenlândia e, consequentemente, o nível do mar está subindo. Com isso, portos, cidades e países inteiros correm o risco de ficar debaixo d’água. Hoje a ciência não possui tecnologia suficiente para congelar novamente e devolver à Groenlândia o gelo que está derretendo, então essa é uma mudança que não tem volta.

 

  • Atividade humana é a responsável pelas mudanças climáticas: o aumento da temperatura é causado pelas emissões antropogênicas. Não existe processo natural que possa aumentar a concentração de CO2 na atmosfera como foi feito pela humanidade. Não há processo natural que aumente em 1ºC a temperatura no planeta como um todo.

 

  • O papel da ciência já acabou, já deram o recado que tinham que dar: agora é com os jornalistas. As informações já foram levantadas, os cálculos já foram feitos e os alertas existem há muitos anos. Agora é a vez da imprensa pautar de forma estratégica a necessidade de mudar a maneira de produzir energia e os hábitos de consumo da população.
  • Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas: a quantidade de cidades no litoral, a estrutura socioeconômica baseada na agricultura, a desigualdade social e a importância da Amazônia tornam o país muito mais vulnerável que outras regiões. O aumento do nível do mar vai afetar profundamente a costa brasileira; a alteração do quadro hidrológico, com o aumento da temperatura e as secas, vai comprometer a agricultura; de forma geral, as pessoas de baixa renda serão as mais prejudicadas com as mudanças; e, por fim, o desmatamento na Amazônia vai afetar o fluxo de vapor de água de toda a América do Sul.

 

  • Zerar o desmatamento da Amazônia é absolutamente estratégico: “Não há nenhuma maneira mais rápida, fácil e barata de reduzir as emissões (de gases de efeito estufa) do que zerar o desmatamento da Amazônia, com enormes benefícios adicionais para a sociedade brasileira”, diz Artaxo.

 

  • A mudança climática é um problema do passado e do presente: apesar de parte da imprensa ainda tratar como uma questão do futuro, a crise climática já está impactando diretamente a saúde, a economia e a vida da população hoje. 

 

  • Ações individuais têm papel desprezível no enfrentamento à crise climática: a humanidade chegou em um nível de alteração dos ecossistemas e da composição atmosférica que ações individuais não fazem efeito, é preciso ter políticas públicas. Existem, claro, impacto dos efeitos coletivos, como, por exemplo, boicote ao consumo de carne que venha do desmatamento ilegal. Entretanto, o maior poder individual está no voto, para eleger governos que protejam os interesses da população e de uma sociedade sustentável. 
  • As tecnologias necessárias para resolver as mudanças climáticas já existem: não é necessário desenvolver nenhuma tecnologia nova para que o problema seja minimizado. A energia solar e a energia eólica já têm custos competitivos, já existem carros elétricos e transportes coletivos de qualidade etc. As soluções existem, mas devem ser pensadas e implementadas de forma local. 

 

  • Em muitos aspectos já passamos do ponto de não retorno: em outros, estamos próximos. O aumento da temperatura do planeta é um deles. Para evitar a piora no aquecimento global é preciso zerar as emissões de gases de efeito estufa o quanto antes, mas a maior parte dos países criaram prazos muito longos para atingir essa meta. 

 

  • Diferença da cobertura climática brasileira e no exterior: o Brasil parece não dar a devida atenção e urgência ao tema como em outros países. Grandes jornais no exterior já levantaram a questão climática a nível estratégico e de segurança nacional, por exemplo. 

 

  • Esperança está no movimento jovem: que está mudando a mentalidade sobre formas de consumo e entende a importância de medidas imediatas para evitar o colapso ambiental. Outro ponto de otimismo são as mudanças observadas em algumas empresas, que perceberam que o negócio delas pode acabar se não implantarem práticas ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. 

 

  • A humanidade vai conseguir construir uma sociedade sustentável? É o único jeito, pois não tem plano B. A única estratégia que existe é a de construir uma sociedade que viva dentro dos limites dos recursos naturais do planeta. Os eventos climáticos extremos e a pandemia são uma pequena amostra grátis do que nos espera no futuro, caso a humanidade não minimize os danos ambientais causados. 

Foto: Markus Spiske no Unsplash