Projeto Comprova reúne imprensa brasileira para combater fake news nas eleições

نوشته Carolina de Assis
Oct 30, 2018 در Sustentabilidade da mídia

O 13º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), realizado entre os dias 28 e 30 de junho em São Paulo, foi palco do lançamento de uma iniciativa inédita no país, que pretende atacar o principal problema no ambiente midiático atual: a desinformação provocada pela disseminação online de boatos ou notícias fraudulentas, as chamadas “fake news”, no contexto das eleições gerais de outubro.

No projeto Comprova, jornalistas de 24 meios de comunicação vão realizar checagens cruzadas de conteúdos que estejam com forte circulação nas redes sociais brasileiras e que estejam relacionados às eleições, cujo primeiro turno acontece no dia 7 de outubro.

“É muito raro, na indústria de mídia jornalística, haver colaboração entre empresas concorrentes, que é o que somos”, disse Fernando Rodrigues, fundador e diretor do Poder360, ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “É uma colaboração quase inaudita, muito incomum. Me parece positivo que veículos concorrentes, mantendo suas características, cada um com seu objetivo editorial, estejam juntos em um projeto cujo objetivo é oferecer informações precisas, bem apuradas.”

O aspecto mais notável do Comprova é a parceria entre 24 meios jornalísticos brasileiros, entre grandes grupos de comunicação como a Band, com suas emissoras de TV e rádio (canal Band, canal BandNews, Rádio BandNews FM e Rádio Bandeirantes), o canal SBT e o grupo UOL; grandes jornais comis o Folha de S. Paulo, Estadão e Jornal do Commercio, e nativos digitais como Nexo Jornal e Poder360. Além destes, também fazem participam AFP, Canal Futura, Correio do Povo, Exame, Zero Hora, Gazeta do Povo, Gazeta Online, Metro Brasil, Nova Escola, NSC Comunicação, O Povo, revista Piauí e Veja.  

O Comprova não irá checar comunicados oficiais ou afirmações públicas de políticos ou outras autoridades, mas sim declarações, especulações e rumores que estejam ganhando projeção na internet, conforme explica o site da iniciativa.

Os jornalistas farão uma busca ativa por esse tipo de conteúdo e também receberão sugestões enviadas pelo público pelo Whatsapp, em número ainda não divulgado. A checagem realizada por um veículo deve ser validada por outros dois meios da rede, para então ser publicada no site e nos perfis da iniciativa nas redes sociais, e também replicada nas páginas e perfis das publicações parceiras.

O projeto Comprova foi anunciado pela pesquisadora Claire Wardle, cofundadora e diretora do First Draft, projeto do Centro Shorenstein de Mídia, Política e Políticas Públicas, na Universidade de Harvard, em Cambridge, nos Estados Unidos. A iniciativa é inspirada em outros projetos implementados pelo First Draft pelo mundo, como o CrossCheck, realizado nas eleições da França em 2017, e parcerias com agências de checagem na Alemanha e no Reino Unido no mesmo ano.

“O Brasil é um país fascinante para se trabalhar”, disse Wardle ao Centro Knight. “É um país tão grande e diverso com uma cena midiática vibrante, mas também muito polarizado, com um alto uso de redes sociais e Whatsapp, onde a desinformação é abundante. Queríamos ver se o modelo que usamos na França poderia funcionar no Brasil.”

Todos os profissionais arrolados na iniciativa passaram por treinamento na metodologia desenvolvida pelo First Draft a ser utilizada no Comprova. Até 6 de agosto, data em que o projeto vai ao ar, o Comprova funcionará em versão beta, para testes internos e familiarização dos jornalistas participantes com a plataforma, segundo Daniel Bramatti, presidente da Abraji, coordenadora do projeto.

Gigantes da tecnologia apoiam projeto

A Abraji decidiu coordenar o Comprova após um debate interno entre a diretoria da associação pelo ineditismo da iniciativa, segundo Bramatti.

“A Abraji nunca se envolveu com nenhum tipo de geração, edição ou avaliação de conteúdo. É a primeira vez que estamos fazendo isso, é uma área inexplorada para nós”, disse Bramatti ao Centro Knight. Houve um debate interno sobre se a gente deveria entrar ou não, mas em nome da dimensão do problema e da necessidade de ação, a gente achou que era importante participar.”

A iniciativa tem apoio do Projor - Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, do Google News Initiative e do Facebook Journalism Project. Os dois últimos também são financiadores do Comprova e estão fornecendo ferramentas e treinamento para potencializar o uso de suas plataformas, como informa a página do projeto.

Centro Knight questionou o Facebook sobre como seu algoritmo, que em janeiro desse ano passou a dar mais relevância a conteúdos de interação pessoal em oposição a posts compartilhados por empresas – como os veículos de mídia, que passaram a aparecer menos nas timelines dos usuários –, poderia limitar o alcance das checagens do Comprova na rede social. Por meio de sua assessoria, a empresa direcionou a reportagem para a página do projeto, que afirma que o Facebook “contribuirá com a promoção de posts da página do Comprova na rede social”.

O WhatsApp, que pertence ao Facebook, também auxiliou a iniciativa a estabelecer um canal WhatsApp Business, aplicativo desenvolvido para empresas, segundo informa a página do Comprova. Além disso, de acordo com Claire Wardle, o projeto terá “acesso avançado ao aplicativo, o que significa que vamos poder criar um fluxo de trabalho mais fácil, administrando de maneira automatizada as mensagens que chegarem”. O Comprova também poderá enviar mensagens para milhares de contatos no aplicativo, em vez dos 256 por lista de transmissão permitidos para usuários.

A ideia é que as pessoas que queiram receber conteúdo do Comprova pelo Whatsapp se inscrevam, e assim a iniciativa poderá enviar diretamente ao público suas checagens em formatos amigáveis ao compartilhamento no aplicativo, disse o presidente da Abraji.

Segundo Wardle, a maior diferença entre o Brasil e França, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, países em que o First Draft já atuou com projetos de fact-checking, é o uso do Whatsapp. Nesses países, o aplicativo é usado como um serviço de SMS, diz ela, enquanto no Brasil existe uma cultura de compartilhar links e conteúdo em grupos com dezenas e até centenas de pessoas. “Então para o Comprova estamos desenvolvendo uma estratégia de disseminação para o WhatsApp, envolvendo embaixadores/influenciadores locais.”

Outros parceiros institucionais do Comprova são a Associação Nacional de Jornais (ANJ), RBMDF Associados, Escritório da Universidade de Harvard no Brasil, Torabit, Ideal H+K Strategies e Twitter.

Preocupação em ‘dar oxigênio’ a boatos

Uma questão delicada que já está sendo debatida pelos participantes da iniciativa é a decisão sobre quando uma informação errônea compartilhada na internet deve ser checada e ter sua veracidade contestada pelo Comprova.

A preocupação é “avaliar caso a caso se, ao expor aquele boato, se está evitando que ele se espalhe ou dando oxigênio a ele”, disse Bramatti. “Se um boato está muito restrito a determinado grupo ou nicho, é melhor que ele fique lá. Mas quando se começa a ver que ele está se espalhando para diversas plataformas, indo para Whatsapp, Facebook, Twitter, a gente vai tentar colocar uma ‘vacina’” por meio da checagem, afirmou.

“Esse tipping point, a hora de fazer, é muito difícil, porque não tem uma métrica”, disse Rodrigues, do Poder360. “E se for um post com 10 mil curtidas? Ah, ok, 10 mil sim. E se forem 9.500 curtidas? E se forem 50 mil? É difícil, é uma atividade humana. Até por isso o jornalismo é feito por seres humanos e não por robôs. A gente vai ter que avaliar com muito cuidado.”

Para o presidente da Abraji, o Comprova é “um grande experimento”.

“Estamos entrando nisso com espírito público. Sabemos que existe um problema e vamos tentar ajudar. Não sabemos até que ponto nossa iniciativa vai ter um efeito grande ou se vai ter efeito marginal. Nossa intenção é que seja significativo”, afirmou Bramatti, acrescentando que o impacto do projeto será medido após seu encerramento, depois do segundo turno das eleições, marcado para 28 de outubro.

Apesar da incerteza no impacto do projeto no combate à desinformação nas eleições, o potencial do Comprova já se anuncia pela diversidade dos veículos participantes, que atingem públicos com variados interesses e hábitos de consumo de informação.

“Como todos vão publicar, 24 veículos pequenos, médios e grandes, é o que a gente pode fazer”, disse Rodrigues. “A gente não tem como consertar o mundo inteiro. Uma frase que eu adoro é que ‘o ótimo é inimigo do bom’. O que a gente está fazendo é uma contribuição mais do que boa, é muito relevante, muito abrangente. Se isso não for suficiente, é uma pena, mas é o que está dentro do escopo das nossas possibilidades.”

Este artigo foi publicado originalmente no blog do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas Center e é reproduzido na IJNet com permissão.

Imagem captura de tela do site Comprova