O boato na pandemia: entrevista com Gilmar Lopes, fundador do E-farsas

por Leonardo Sarvas Cunha
May 11, 2020 en Reportagem sobre COVID-19
Fundador do E-farsas

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Pedreiro, azulejista, desenvolvedor e analista de sistemas, palestrante, apresentador para o portal UOL, checador de fatos. Talvez poucas pessoas tenham um currículo tão diversificado quanto Gilmar Lopes, fundador do E-farsas, um site precursor do fact-checking no Brasil. 

Aos 18 anos, Lopes começou a trabalhar na construção civil no litoral e depois de se mudar para a capital paulista, ingressou na faculdade de análise e desenvolvimento de sistemas. “Me formei em 2010. Hoje em dia, eu trabalho na área de desenvolvimento de sistemas e também tenho o site, que era meu hobby e acabou virando minha segunda profissão”, diz ele.

O E-farsas foi lançado em 1º de abril de 2002, em pleno dia da mentira. O site viria a ser concretizado após Lopes começar a conferir correntes recebidas por e-mail. Seus amigos passaram a lhe enviar cada vez mais boatos para que ele pudesse verificar. Posteriormente, decidiu reunir tudo em um único lugar, um site que não pararia de crescer.

Em meio ao caos provocado pela COVID-19 no país, Lopes aponta que “a quantidade de desinformação aumentou a níveis inimagináveis”. O fundador do E-farsas falou com a IJNet sobre seu portal, o jornalismo brasileiro e as correntes disseminadas pelo país.

IJNet: O E-farsas cresceu absurdamente desde sua criação. Você agora também se tornou palestrante e colabora na Rádio Bandeirantes. Como foi essa experiência?

Lopes: Quando fundei o site, não tinha a ideia de que a desinformação seria tão relevante. Ele cresceu muito, teve seu auge em 2018. Comecei a ser chamado para palestrar logo depois de terminar a faculdade. O site era algo novo no Brasil, não existia algo do tipo no país. Agora, além da colaboração que faço na rádio, o E-farsas está com uma parceria com o R7 e o UOL. No programa Fake em Nóis (UOL), comentamos, semanalmente, com muito bom humor, alguma coleção de boatos que circulou nos últimos dias. 

Na sua perspectiva, como um jornalista deve combater a desinformação, especialmente em tempos de coronavírus? 

O jornalismo derrapou muito para entender como funcionava a internet. Demorou um pouco, mas parece que agora está aprendendo a checar a informação antes de publicá-la. A deficiência, no meu ponto de vista, é na parte do ensino universitário. Vejo que a função do checador de fatos faz parte de uma nova fase do jornalismo, mas que falta a disciplina específica de checagem de fatos na graduação.

No caso do coronavírus, principalmente, o jornalista também tem que entender alguns termos científicos ou, se não entender, conhecer quem entende. Precisamos explicar esses termos para o público leigo. Uma função muito importante do jornalista é combater a desinformação. 

[Leia mais: Estudo destaca papel crítico do jornalismo no combate à desinformação sobre COVID-19]

Qual é a extensão da desinformação e da mentira no Brasil? 

Disponibilizei um número de WhatsApp a mais no site só para receber solicitações de checagem. Sem minha vontade, acabo sendo incluído em vários grupos. Por conta disso, percebo que a desinformação é direcionada. Como falo há tempos, os criadores de boatos digitais vão em cima daquele assunto que está no momento. Agora, o assunto não pode ser outro além do coronavírus.

Quando vimos o ex-ministro [da Justiça e Segurança Pública] Sérgio Moro pedir para sair do governo, inúmeras notícias falsas surgiram contra ele. Isso aconteceu também com o Mandetta [ex-ministro da Saúde] e o Doria [governador do estado de São Paulo]. Por conta desse direcionamento, eu acredito muito que tenha, sim, um grupo de pessoas organizadas para disparar esses boatos. Infelizmente, não tenho como provar isso. Falo apenas pelo que tenho visto nesses grupos em que me colocaram.

Até pouco tempo atrás, era apenas o assunto do momento que se tornava vítima das fake news, mas atualmente tenho visto um direcionamento para determinadas pessoas públicas ou instituições, que são pegas para serem desmoralizadas naquela semana, naquele dia. Quando esse tipo de notícia falsa chega ao grupo de família, a tendência é que ela ganhe uma proporção ainda maior porque as pessoas confiam em quem a enviou. Por isso, acabam compartilhando a corrente.

[Leia mais: 4 tipos de desinformação sobre COVID-19]

Neste momento, você está trabalhando muito para combater a desinformação em relação ao coronavírus. Como a mentira pode afetar o trabalho de médicos e de outros trabalhadores na linha de frente do combate?

O perigo em alguns casos é que a pessoa pode deixar de fazer o tratamento convencional para se tratar com outras simpatias perigosas que não resolvem nada. A pessoa pensa que está matando o vírus e sai pela rua espalhando-o, sem saber que está contaminada. É um volume muito grande de desinformação circulando. Isso atrapalha os médicos.

Também tem o lado de pessoas que não acreditam no perigo dessa doença. Muita gente começa a compartilhar que caixões estão sendo enterrados vazios, só para aumentar o número de mortos. Outros dizem que a doença não é tudo isso, que é só uma gripezinha. Então, isso tem atrapalhado bastante os médicos porque a pessoa não se protege e acaba se contaminando, mas também contaminando outros, aumentando a procura nos hospitais.

Por fim, como podemos identificar uma mentira? O E-farsas segue algum método específico?

Um bom boato digital cita nomes de pessoas ou de instituições para conseguir mais credibilidade e usa nomes de pessoas inexistentes com cargos de nomes pomposos e/ou de instituições que não existem.

Geralmente, o boato instiga o compartilhamento e não é datado para que o leitor tenha sempre a impressão de que aquilo é recente. Ele costuma possuir um texto incoerente e confuso, sem fontes. Trata de algum assunto que atrai a maior quantidade de leitores possível e possui um tom conspiratório, com algumas palavras em letras maiúsculas ou coloridas para chamar a atenção do leitor. Mistura fatos com ficção.


Leonardo Sarvas Cunha é um estudante de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e de História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

A entrevista foi editada por clareza e extensão. 

Imagem cortesia de Gilmar Lopes