O caminho para captar recursos no jornalismo

Mar 18, 2025 in Reportagem de crise
Caminho

No contexto de redução do financiamento internacional e do apoio das big techs, as estratégias para a captação de recursos em organizações menores e independentes são cada vez mais urgentes. O Fórum do ICFJ trouxe Simone Cunha, diretora de captação e comunicação da Énois, para apresentar possíveis caminhos. “A captação de recurso é uma profissão reconhecida, com eventos e congressos, mas ainda há poucos captadores especializados em jornalismo. Nós não somos um setor que atrai esses profissionais, temos pouca infraestrutura”, explica Cunha. Ela destaca que a formação ajuda a desenvolver habilidades, como os cursos sobre a Lei Rouanet e captação de pessoa física e gestão, além da importância dos congressos da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos). A conversa com Daniel Dieb e o resumo, você confere a seguir.

A diversificação da receita

Segundo o Mapa do Jornalismo Local, da Énois, 40% das organizações de jornalismo local e comunitário da região Norte e Centro-Oeste se financiam via anúncios. Diversificar as receitas é importante para não ficar restrito à lógica do mercado. Cunha ressalta que organizações pequenas precisam escolher poucas frentes de ação para ter um maior controle das estratégias. A captação de pessoa física com dedução no imposto de renda, o financiamento ou agenciamento de reportagens com outros veículos midiáticos e a venda de produtos são algumas alternativas. Ela apresenta outras soluções:

- Investir em editais públicos de cultura. O recurso vem com o edital. Um exemplo é a Lei Paulo Gustavo.

- Estudar as leis de incentivo à cultura. “Nós não temos financiamento público para o jornalismo local e periférico, mas temos leis estatais e municipais de financiamento à cultura”, explica. O projeto aprovado é captado com as empresas, por meio da dedução dos impostos. É o caso da Lei Rouanet, ProMac e ProAC.

- Captar verba com empresas via projetos. “É possível construir relacionamentos com as empresas e entender as agendas sociais em comum, que não firam a integridade do jornalismo”, afirma Cunha, que traz os exemplos de educação financeira com a parceria de um banco ou sobre a cobertura da saúde com empresas farmacológicas.

- Buscar doações de fundações nacionais e internacionais. A jornalista destaca que esse processo demanda maior investimento na construção de relacionamentos. Alguns financiadores são a Porticus, Fundação Maria Cecilia e o iCS.

- Procurar editais nacionais e internacionais como a Cargill e Brazil Foundation.

- Observar as emendas parlamentares. “É um assunto delicado. Precisa de cuidado para não ser capturado pelas agendas, mas entender as formas que essas emendas podem apoiar a produção jornalística ou a disseminação de informação".

Como escolher o que faz sentido para a organização

Diante dessas possibilidades, é interessante a organização abrir três frentes, segundo as habilidades dos membros da equipe:

- Relacionamento com organizações. “Tenha um responsável na equipe que goste e esteja disposto a abrir conversas com empresas e fundações para buscar doações e investimentos diretos”.

- Contato com a comunidade e foco em serviço. Se o perfil do veículo é de jornalismo local, a captação de pessoa física e a venda de produtos são valorizadas.  

- Nunca deixe de investir em editais. Os editais são mais fechados e concorridos, mas são democráticos, já que não necessitam dessa frente de conversa.

Dicas para captar via Lei Rouanet

Cunha afirma que a Lei Rouanet exige uma dedicação maior e uma prestação de contas transparente. Ela apresenta alguns passos para ter sucesso:

- Conheça a lei de incentivo à cultura e a instrução normativa do Ministério da Cultura. As instruções mudam de governo para governo. Entenda os tipos de projetos aprovados.

- Tenha um produto cultural. O jornalismo deve resultar em um produto culturalmente relevante, como livros, exposições, documentários, festivais ou podcasts. A lei obriga a fazer projetos que visem a acessibilidade e atingir grandes públicos.

- Se inscreva no Salic (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura). Prepare-se para ajustes, cotas e contrapartidas e para uma prestação de contas transparente. “Nunca vi um projeto que não tenha diligência. A organização pode ajustar o projeto ao que eles pedem na devolutiva. É bom, porque ganha uma segunda chance”, afirma.

Os alicerces da captação

- Tenha uma equipe dedicada à captação e não precisa ser em dedicação exclusiva.

- Tenha funções definidas a que cada pessoa se dedicará. A jornalista ressalta ser interessante ter quem cuide separadamente, se possível, das emendas parlamentares, dos relacionamentos e em estudar editais.

- Abra novos caminhos, sem perder a linha editorial e independência. É importante ter a missão institucional formalizada para manter os objetivos da organização.

- Procure, primeiramente, captar com as empresas e pessoas que conheça e tenham afinidade com a organização, depois, busque outras empresas também alinhadas. Estude o financiador para trazer o que a organização agrega. “Pense nos dados que apresentam ligação com a estratégia da empresa e em um e-mail curto, de dois a três parágrafos, faça o pedido claro de um encontro, como um café, para detalhar o projeto”, explica.


Foto: Canva