Uma análise sobre a Lei de Imprensa em Angola

Nov 6, 2024 in Liberdade de imprensa
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A Lei de Imprensa em Angola já tem 18 anos, mas ainda falta muito para o país ver uma ação efetiva que proteja os jornalistas. Em linhas gerais, quando a lei foi aprovada em 03 de fevereiro de 2006, ela visou assegurar o exercício da liberdade de imprensa, através da proibição da censura, da garantia de acesso às fontes de informação e da definição dos direitos e deveres dos jornalistas. 

Contra todas as expectativas de melhoria nas condições do exercício profissional de jornalismo, um estudo da Universidade Católica de Angola, realizado entre agosto e dezembro de 2021, revelou que houve recuos no que diz respeito à liberdade de imprensa no país, sobretudo a partir de 2017. Um retrocesso partilhado por muitos jornalistas angolanos.

Auto-censura como proteção

“Apesar do fim ao monopólio estatal da Televisão Pública de Angola (TPA) assiste-se hoje ao confisco das demais estações de televisão, como são os casos da TV Zimbo e Palanca”, diz Maria Luísa Rogério, uma das mais experientes jornalistas angolanas, com atuação no Jornal de Angola, no Sindicato de Jornalistas e atualmente Presidente da Comissão de Carteira e Ética. “Embora a lei consagre a proibição da censura, uma parte considerável dos jornalistas pratica a auto-censura, como reflexo para não arriscarem os seus parcos salários nos órgãos a que estão afiliados” completa Maria Luísa Rogério.

André Mussamo, professor universitário, jornalista no grupo Media Nova (que detém o Jornal “O País” e a “Rádio Mais”) e dirigente no Instituto de Comunicação Social da África Austral também considera que desde que a lei foi lançada, ela vem perdendo força: “De lá para cá, denota-se uma tendência de cortes a bisturi com precisão. A lei já não é mais favorável à liberdade de imprensa e consequentemente não pulveriza liberdades indissociáveis da democracia como a liberdade de expressão e opinião”.

Conselhos de redação

Outro problema, segundo os jornalistas entrevistados, é que apesar da Lei de Imprensa fixar mecanismos de autorregulação da profissão, como por exemplo, a instituição dos conselhos de redação nas mídias, estes mecanismos não existem na prática. Estes conselhos deveriam ser formados por jornalistas profissionais eleitos. E os membros não podem ser penalizados nem sofrer qualquer tipo de discriminação nas funções e tarefas profissionais em razão das posições assumidas no seu mandato.

“Salvo a TV Zimbo que teve um conselho de redação eleito a funcionar, pouco ou nada foi feito neste sentido”, diz Maria Luísa Rogério. Ela considera que muitas empresas ignoram a lei para implementar os conselhos de redação justamente porque eles funcionariam como órgãos fiscalizadores dentro dos veículos.

Carteira Profissional mas falta pluralidade

Apesar das muitas reclamações ainda há algo a se celebrar por conta da Lei de Imprensa angolana. Maria Luísa Rogério se orgulha, por exemplo, da regulação da Carteira Profissional. Ainda que a jornalista lamente o que chama de “o monopólio encapotado” na mídia do país. Pela lei, é proibida a concentração de empresas ou órgãos de comunicação social, numa única entidade, de modo a constituir monopólio ou oligopólio. Mas não é o que se vê na prática. “Uma forma de manipulação da informação e um entrave ao  interesse e serviço público da comunicação social”, diz Maria Luísa Rogério.  

Embora esteja previsto por lei (artigo 15.º - incentivos à comunicação social) um sistema de incentivos de apoio do Estado aos meios de comunicação de âmbito nacional e local para assegurar o pluralismo da informação e o livre exercício da liberdade de imprensa e o seu carácter de interesse público, na prática isso só se aplica aos meios de comunicação estatais. Ainda assim, segundo os jornalistas entrevistados, existe a preocupação de que esta liberdade tenha um caráter enviesado, de só servir como “porta-voz do governo”.

Conscientização da classe jornalística

Mussamo aponta o que ele chama de “barbaridades” que ainda ocorrem em Angola: “Proibir sondagens durante o processo eleitoral, valores proibitivos para abrir um meio de comunicação, obrigação da existência de um coletivo para levar a cabo um  projeto de rádio comunitária; limitação na extensão de sinais de rádio com a existência  de um policiamento como o INACOM – Instituto Nacional das Comunicações que tem poderes para interferir e investigar os ganhos das rádios existentes”. 

A Comissão de Carteira e Ética, o Sindicato dos Jornalistas e quer o Capítulo Nacional MISA - Instituto de Comunicação Social da África Austral têm trabalhdo conjuntamente no sentido de conscientizar a classe e as demais instituições públicas ou privadas sobre as liberdades de expressão e imprensa no contexto do ambiente jurídico-legal no país. São workshops, palestras e seminários para partilhar informação e conhecimentos sobre a adequação das leis angolanas às recomendações regionais e internacionais sobre liberdade de imprensa.

“É preciso acabar com a ausência de pluralismo nos órgãos detidos pelo Estado e controlados pelo Governo e conceder-se espaços aos partidos políticos na oposição, à organizações da sociedade civil como sindicatos e outras organizações de defesa dos direitos humanos", diz Mussamo. "E de uma vez por todas acabar com a impunidade dos abusos cometidos contra jornalistas e outros profissionais da comunicação no exercício das suas funções”.


Foto: Canva