Uma nova frente para o jornalismo: a cobertura sobre cannabis e psicodélicos

بواسطة Rogerio Viduedo
Apr 13, 2025 في Temas especializados
cannabis medicinal

Já é possível cobrir o mercado e consumo das plantas e substâncias psicoativas naturais sem que isso esteja apenas relacionado às temáticas nos quais a venda e utilização da maconha, a coca, a ayahuasca, o peiote e os fungos e cogumelos psicodélicos são abordadas pelos vieses do crime, da guerra às drogas e da contracultura.

Descobri essa nova possibilidade profissional após assistir ao painel, “Uma nova era na cobertura sobre cannabis e psicodélicos no Brasil e América Latina”, durante o último Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A mesa foi formada pelas jornalistas, Caroline Apple, (Brasil de Fato), Carlos Minuano (Revista Psicodelicamente), Bruno Torturra (Estúdio Fluxo) e Marcelo Ayala (Paralelo Media), do Equador.

A cannabis para tratamento médico

A cobertura das substâncias psicoativas tem na maconha o maior protagonismo. As vitórias da luta antiprobicionista conduzida ao longo das últimas duas décadas por ativistas da Marcha da Maconha já permitem que médicos prescrevam remédios à base de cannabis que aliviam tratamentos contra o câncer, diminuem crises epiléticas e atuem contra a depressão, entre outros. O Annuário da Cannabis de 2024 informa que 672 mil pacientes usaram produtos relacionados à planta, movimentando R$ 853 milhões em negócios.

Ao mesmo tempo, como vitória contra a guerra às drogas, o Supremo Tribunal Federal determinou que a posse até 40 gramas ou a plantação de seis pés de maconha não podem ser considerados como tráfico de entorpecentes, ainda que a posse continue sendo crime.   

Um maconhômetro na imprensa

Existem algumas boas publicações sobre a maconha e, para chegar até elas, vale visitar o Cannabis Monitor, um observatório de notícias sobre a planta fundado em 2019 como parte do trabalho de pesquisa do historiador Gustavo Junqueira Costa Maia. Ele também publicou a dissertação de mestrado: A Maconha no Brasil através da imprensa 1808-1932, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2022.

Além da curadoria de notícias, o Cannabis Monitor produz o podcast Maconhômetro, no qual há uma seção específica que lista, até esta data, entrevistas com 22 jornalistas que cobrem o setor e contam detalhes sobre linha editorial, oportunidades, desafios, dilemas éticos e formas de financiamento do empreendimento. São verdadeiras aulas de jornalismo de profissionais de publicações importantes como Ponte Jornalismo, Carta Capital, Cannabis Medicinal, Smoke Buddies, Cannabis & Saúde, Ganja Talks, Cannalize, Poder 360, Estadão e UOL.

Jornalismo psicodélico

A outra frente da cobertura das substâncias psicoativas é o jornalismo psicodélico. Ele tem uma audiência menor do que o da maconha, mas igualmente importante para combater os tabus construídos pela sociedade contemporânea.

O consumo das plantas que promovem a expansão da consciência como a ayahuasca, peiote, fungos e cogumelos, tanto no contexto da ciência como no da religião, ainda encontra resistência e, em geral, não recebem uma abordagem adequada na grande imprensa.

“As dificuldades começam pela falta de familiaridade de muitos editores e publishers com a complexidade do tema. Muitas vezes, o assunto é tratado de forma superficial ou sensacionalista, o que reforça estigmas em vez de promover uma discussão informada”, explica Carlos Minuano, que me respondeu por escrito onze perguntas básicas sobre o jornalismo psicodélico, apontando oportunidades, desafios e satisfação de trabalhar nessa área.

“O jornalismo psicodélico preenche uma lacuna histórica ao desmistificar substâncias psicoativas e abrir espaço para debates fundamentais sobre saúde pública, políticas de drogas, direitos humanos e práticas culturais e religiosas", diz Minuano. "Sem informação confiável, o público fica refém de mitos, fake news e discursos de pânico moral que ainda permeiam o tema”.

Cobrindo o assunto há mais de 20 anos, Minuano mantém a Revista Psicodelicamente que passou a ser um blog no site da Carta Capital. Como estímulo para atrair novos repórteres para o segmento, ele indica explorarem o jornalismo investigativo e de soluções. “Boas histórias recentes merecem uma cobertura mais aprofundada, como a perseguição a cultivadores de cogumelos mágicos no Brasil e a criminalização de práticas tradicionais na Europa e em outros países”, sugere.

Lugar de fala

Para Caroline Apple, colunista do Brasil de Fato e pioneira na cobertura jornalística das comunidades que consomem o chá da ayahuasca no contexto religioso e de autoconhecimento oferecidos pelas cerimônias do Santo Daime, apesar de não ser necessário, ter lugar de fala ajuda a melhorar as histórias contadas por jornalistas.

“Sem dúvida nenhuma, se você faz parte dessa comunidade, vai ter um trato muito mais afinado, conciso e coerente para prestar um serviço sem reforçar o tabu e o preconceito que coloquem essas comunidades em um estado de vulnerabilidade maior do que já estão”, alerta. A entrevista completa com ela pode ser lida aqui

Apple defende que o profissional que deseja cobrir esse nicho precisa estudar muito o assunto para que não incorra em deslizes que possam prejudicar as pessoas. Ela alerta sobre o perigo da divulgação de estudos científicos indicando que o uso das substâncias psicoativas possam curar tipos de doença como a depressão ou ansiedade, por exemplo.

“Eu tomo cuidado porque não é simples assim", alerta Apple. "Uma pessoa numa situação delicada e frágil pode olhar para aquilo e achar que é uma verdade absoluta e ir atrás da maneira que der, e ter um problema no caminho, porque a gente sabe que o acesso muitas vezes pode não ser tão simples".


Foto: Canva


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