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Manual orienta jornalistas a cobrir melhor a crise climática

Oct 19, 2020 发表在 Temas especializados
Ilustração de 3 ampulhetas indicando causas e efeitos das mudanças climáticas

O “Minimanual para a Cobertura Jornalística das Mudanças Climáticas” é pioneiro no jornalismo brasileiro. Está disponível de graça para orientar professores, estudantes e profissionais de comunicação sobre a crise climática - uma pauta que não deixou de ser urgente apesar da pandemia. “O momento pelo qual passamos pode nos mostrar que sofremos os efeitos de algo ainda mais amplo, decorrente do tipo de relação que a humanidade construiu com a natureza”, diz o manual.

O material é um trabalho conjunto de dois Grupos de Pesquisa em Jornalismo: da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS) e da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS). O ponto de partida foi o “Decálogo sobre el Cambio Climático”, da Fundación Ecología y Desarrollo (ECODES) e do Grupo de Investigación Mediación Dialéctica de la Comunicación Social da Universidad Complutense de Madrid, Espanha. 

"Tivemos a ideia de fazer uma tradução do decálogo, mas resolvemos fazer uma edição ampliada, em acordo com a realidade brasileira”, explica Márcia Franz Amaral, jornalista e professora da UFSM, uma das coordenadoras do projeto. Além dos dez conselhos para a cobertura jornalística, o e-book conta com dez verbetes, dez conceitos e dez fontes jornalísticas para melhor compreensão da questão do clima. 

[Leia mais: Como cobrir mudanças climáticas durante uma pandemia]

 

“A gente tem que dar importância nas redações aos termos certos”, disse a jornalista Sonia Bridi, durante o lançamento virtual do manual pelo Facebook. “Estamos vivendo uma catástrofe climática. Podemos chegar ao fim deste século com cinco graus a mais do que antes do período pré-industrial e o jornalismo tem responsabilidade nisso”, alerta Bridi, autora do livro "Diário do Clima" e colaboradora do projeto.

Faça pautas sobre as causas

O primeiro conselho do manual diz respeito à continuidade e frequência de informação de qualidade sobre mudanças climáticas. “O grande pecado da cobertura dos desastres é a cobertura do desastre, porque eu cubro o dia que ele ocorre. Se eu conseguir alongar isso, propor pautas que sejam contínuas, quadros fixos nos noticiários, iremos avançar”, diz Amaral. “A gente foca na consequência e não na causa. De alguma maneira acho que nós precisamos inverter isso. Começar a criar pautas sobre as causas.”

Se a questão sobre mudanças climáticas é complexa para o cidadão, é também para o jornalista que precisa se familiarizar com os conceitos e explorar meios de explicá-los melhor. 

"Qual é a relação que a gente tem, por exemplo, sobre um boletim meteorológico?”, indaga Amaral.  “É algo sobre o qual eu não tenho incidência. Vai chover e ponto. E nós precisamos transcender os boletins meteorológicos nos programas de TV, rádio. Articular isso com o excesso de chuvas, com as desigualdades na cidades. Porque tem questões sociológicas e urbanas conectadas aí, uma infinidade de pautas a explorar.” 

Capa do “Minimanual para a Cobertura Jornalística das Mudanças Climáticas”

Menos sensacionalismo, mais proximidade com o cidadão

É relevante na cobertura climática evitar o sensacionalismo. Não adianta impactar o público mas não estar próximo da realidade dele. “A matéria precisa avançar para a contextualização. O que aquele caso tem a ver com outros, o que a ciência diz? Aí você não deixa a matéria cristalizada num caso, que acaba se tornando sensacionalista. Porque o jornalismo também é conhecimento”, diz Amaral.

[Leia mais: Soluções podem dar fôlego ao jornalismo, inclusive ambiental]

Abandonando a ‘falsa simetria’ de fontes

O ensinamento era de que jornalista tinha que dar igualdade de tratamento para fontes. No caso da crise climática, o manual explica que se for dado o mesmo espaço àqueles que negam, será uma falsa equivalência, inclusive numérica. “Hoje quando a gente ensina para a meninada lá no primeiro semestre que o jornalismo é filho do Iluminismo, que acredita na ciência, na responsabilidade social, na democracia… então temos uma lógica que o jornalismo não pode dar espaço aos negacionistas”, diz Amaral.

A professora e jornalista alerta ainda para o uso equivocado da expressão “desastre natural”: “Hoje há consenso entre estudiosos que nenhum desastre é natural, todo desastre tem uma interseção de vários fatores e vulnerabilidades. Se ele é natural, não é desastre, é um fenômeno natural.”

Ilustração de causas e efeitos das mudanças climáticas

Manual busca alcançar outros países de língua portuguesa

Países de língua portuguesa também vão se beneficiar do material. A equipe do manual foi convidada para apresentar o e-book num programa da ONU, ONU-Habitat, realizado em outubro de 2020 de maneira online, com a participação dos países da África Lusófona.

Só na noite de lançamento do minimanual houve 300 downloads. Uma boa notícia em termos de busca de aperfeiçoamento. “As pessoas estão cada vez mais acreditando nos depoimentos e testemunhos dos seus WhatsApps, dos seus grupos, das suas bolhas. Então o jornalismo vai ter que encontrar formas de reverter isso, de reconstruir a credibilidade”, diz Amaral. “E um dos caminhos é o jornalismo falar aquilo que importa na vida das pessoas.”

Muitas vezes o cientista se esquece de que precisa popularizar suas descobertas e o jornalista se esquece de que precisa ser humilde para perguntar. “É uma relação delicada mas de alguma forma estamos hoje alinhados e aliados nessa questão climática”, celebra Amaral. O conteúdo do manual é uma prova de que cientistas e jornalistas podem se entender.


Fabiana Santos é brasileira e mora em Washington. Ela é jornalista freelance, produtora e editora de vídeos, e responsável pelo site Tudo sobre minha mãe.

Crédito das ilustrações: Pollyana Santoro