As bases de dados podem ajudar no trabalho jornalístico, sobretudo o investigativo. Saber procurar e interpretar as informações sobre crime ambiental e práticas de corrupção são determinantes na apuração e no avanço de políticas públicas. O Fórum do ICFJ e do IJNet convidou Renato Morgado, gestor ambiental e gerente de programas da Transparência Internacional – Brasil, ONG de combate à corrupção com atuação em 110 países e territórios, para tratar do assunto. “A abertura de dados é fundamental para que vários agentes previnam, detectem e cruzem dados. O meio mais efetivo para descobrir crimes complexos, inclusive os que não podem ser vistos por satélites,” ressalta Morgado. Você acompanha o vídeo com Daniel Dieb e o resumo do webinar a seguir.
Pesquisas sobre crimes ambientais
Morgado esclarece que a corrupção não se limita ao recebimento e pagamento de propina. O termo é um guarda-chuva conceitual para o abuso do poder de agentes públicos ou privados visando o recebimento de vantagens, em práticas como fraude, suborno, extorsão, nepotismo e peculato. No caso do crime ambiental, é comum a fraude no sistema de controle para trazer um ar de legalidade ao ato ilícito.
A Transparência Brasil disponibiliza uma série de pesquisas e relatórios que podem nortear as apurações no âmbito da corrupção. Morgado destaca o relatório lançado em 2021 que mostrou a governança fundiária frágil e a grilagem de terras, com um mapeamento das práticas de fraudes e dos atores envolvidos. Ele explica que, em regra, o funcionamento da grilagem se opera por duas dimensões: a jurídico-administrativa, pela fraude de sistemas de regularização fundiária para apropriação ilegal, e a dimensão física – econômica, por meio da apropriação da área e exploração de atividades ilícitas. “Um exemplo de grilagem de terras foi a ‘Operação Faroeste’, que envolvia a fraude das matrículas confirmadas por decisões judiciais com a participação de magistrados e advogados da Bahia, além do assassinato de quem denunciava o esquema de mais de 1 bilhão de reais movimentados”, ressalta.
Outra pesquisa, de 136 páginas, analisou 18 casos de tráfico de fauna silvestre com exportação e importação da fauna. “A dinâmica da corrupção traz elementos comuns como a fraude do sistema de controle, no transporte e documentos, o suborno a agentes públicos e lavagem do dinheiro,” afirma. O mapeamento traz, nas páginas 12 a 14, um quadro geral que identifica 24 práticas de corrupção.
Exemplos de buscas de dados
“Na esfera federal, existe o Decreto nº 8.777, de 2016, que institui a política de dados abertos do executivo federal, porque a Lei de Acesso à Informação não traz instrumentos específicos de dados abertos”, esclarece Morgado. Outro instrumento de busca é o Portal Brasileiro de Dados Abertos. Basta acessar o portal e digitar na busca o nome da entidade ou base para encontrar as informações disponibilizadas. “Somos um país privilegiado em relação a diversidade de dados disponíveis, mas existem lacunas. O jornalismo tem papel fundamental no debate público de demandar a abertura de dados por parte do Estado e apontar essas falhas de transparência dos órgãos”, pondera.
A pesquisa do Imaflora, por exemplo, em que Morgado contribuiu como um dos autores, identificou quais as bases usadas no controle do desmatamento. “O dado em si não ajuda muito. É importante saber perguntar aos dados e entender a dinâmica dos crimes”.
Geralmente, para fazer uma análise sobre desmatamento é importante cruzar distintas bases. “Se cruzarmos a imagem de satélite, como o PRODES, e o cadastro ambiental rural (que traz os limites dos imóveis rurais e as áreas de preservação da vegetação nativa), é possível averiguar em qual propriedade aconteceu o desmatamento e se foi autorizado pelo órgão ambiental”, explica.
Outro exemplo é o MAPBIOMAS ALERTA, que cruza e refina as informações públicas para mostrar as áreas desmatadas. “A abertura de dados gera um ecossistema onde um ator se apropria e produz informações que fortalecem a transparência e o enfrentamento do desmatamento”, destaca.
Principais bases
Uma outra pesquisa divulgada pela Transparência Internacional, Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e ICV (Instituto Centro de Vida) apresenta as bases de dados mais relevantes e seu grau de abertura para o combate a crimes ambientais. 41 bases foram analisadas, entre federais e estaduais para 6 tipos de ilícitos: desmatamento, grilagem, mineração, fauna, exploração florestal e uso irregular de agrotóxico. Além das transversais que otimizam a identificação de ilícitos ambientais. Segue aqui uma lista delas:
- Sinaflor para informações sobre desmatamento e exploração florestal. Referente às imagens de satélite, há o DETER que detecta o desmatamento quase em tempo real e o PRODES que anualmente traz um comparativo.
- SNCR e SIGEF trazem informações sobre os imóveis rurais.
- SIGMINE para processos minerários e reservas garimpeiras e pelo CFEM é possível ter acesso à taxa paga a partir da exploração mineral.
- Sisfauna e Sispass são sistemas de cadastro para gestão e controle do manejo de fauna silvestre.
- AUTEX é a autorização da exploração e o DOF são documentos de autorização para controle da proporção e transporte de madeira.
- Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários e Empresas de Agrotóxicos Autuadas foram as bases indicadas que tratam de contaminação por agrotóxico.
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