Os recentes cortes ao acesso nas redes sociais e internet após os protestos contra as eleições de Moçambique trouxeram ao Fórum da IJNet três especialistas em alternativas para lidar com o cerceamento da liberdade de imprensa. Zach Rosson, analista de dados do Access Now, uma ONG que apoia e mapeia ações contra o desligamento da internet, Elizaveta Yachmeneva, coordenadora de comunidade do Open Observatory of Network Interference (OONI), um programa que identifica a censura on-line, e Gustavo Gus, líder do time de comunidade no Tor Project, que permite o acesso a sites e apps bloqueados, trouxeram dados e soluções sobre o assunto. A conversa com Daniel Dieb e o resumo, você confere na sequência.
Dados sobre a censura no mundo
A campanha KeepItOn busca acabar com os desligamentos em todo mundo. Realizada por um grupo com mais de 330 organizações da sociedade civil em 105 países, conta com a ajuda de governos e órgãos internacionais, além de jornalistas e pesquisadores. Em 2023, aconteceram 283 paralisações, sendo a Índia recordista, com 116, seguida de 37 no Myanmar, 34 no Irã e 16 na Palestina. “Moçambique, em 2023, teve seu primeiro corte registrado, desenrolando os múltiplos casos deste ano”, afirma Rosson.
Ele destaca que os cortes em 2023 revelaram violação dos direitos humanos envolvendo assassinatos, tortura e crimes de guerra. “Em muitos locais, as paralisações duram meses ou anos, especialmente em áreas de conflito, e têm impactado áreas cada vez maiores. No ano passado, foram 80 desligamentos em várias regiões do país ou países inteiros”.
Até novembro deste ano, o Access Now registrou 270 casos em 50 países. “O maior número registrado em um único ano. Esses cortes têm chegado a mais países democráticos”, ressalta. Outra tendência é o aumento das interrupções entre fronteiras, como as ocorridas em Israel, Palestina, Líbano, Rússia e Ucrânia.
As justificativas para esses atos são geralmente embasadas no combate à desinformação e ódio e questões de segurança nacional. No entanto, os motivos reais envolvem a tentativa de reprimir protestos durante eventos nacionais, eleições ou feriados. Outra manobra é aproveitar a incidência de terremotos e ciclones para realizar os desligamentos e justificá-los como consequência da instabilidade causada pelos desastres naturais.
Como são identificadas e monitoradas as interrupções
Um rastreador criado pelo Access Now consegue identificar os cortes. Os parceiros do projeto, como o IODA, Cloudflare Radar e OONI, medem o tráfego de internet. O monitoramento permite analisar a queda intencional no acesso. É o caso do atual cenário em Moçambique, em que ocorreram desligamentos sempre no mesmo horário.
Programa para identificar a censura
“OONI é um projeto de software de código aberto, criado há mais de 10 anos, que permite que pessoas e organizações em diferentes países documentem e investiguem a censura na internet”, afirma Yachmeneva. Desde 2012, o programa coletou mais de dois milhões de medições em 241 países e territórios. O curso online em português é uma alternativa para se aprofundar no uso da ferramenta.
O controle governamental pode ser mais ou menos transparente, com ordens que limitam o acesso à internet baseado na violação de leis ou simplesmente impõem a restrição sem justificativa aparente. Em alguns países, os usuários verão uma página que notifica e informa o motivo do bloqueio. No entanto, o mais comum é aparecer uma página de erro na conexão. “Por isso, precisamos medir as redes e executar testes para verificar se houve uma censura intencional, detectando alterações nos padrões de acesso”, pontua. Além do OONI, Yachmeneva apresentou outras ferramentas de medição, como o Censored Planet e ICLab.
Como medir o corte sem internet?
Existem diferentes metodologias para medir a internet e realizar testes dentro e fora do país. “O Ioda observa como as redes respondem fora do país, podendo verificar alguns dados e se há correlação entre eles”, destaca. Em relação ao OONI a medição é dentro do país. O programa pode ser instalado pelo sistema IOS ou Android (F- Droid) e tem a versão em português. Ele testa o bloqueio de sites, de apps de mensagens instantâneas, como o sinal do WhatsApp e mensagens do Facebook, além da velocidade e performance da rede. Há, ainda, a detecção de middleboxes que são hardwares que podem ser instalados para melhorar a velocidade do acesso.
O teste pode ser feito usando sites internacionais, além dos de relevância local para o país que está sofrendo o bloqueio. Outra contribuição é a possibilidade de incluir sites censurados à lista existente. Todos os resultados serão enviados para o banco de dados público para análise e construção de gráficos. Yachmeneva ressalta a importância de desligar a VPN (ferramenta que criptografa o tráfego e oculta o endereço de IP) quando estiver usando o OONI, pois ela usa um terceiro país para conectar à internet, podendo interferir nos resultados da pesquisa.
Tor: a ferramenta que permite o acesso à rede bloqueada
Se o ONNI informa os aplicativos e redes bloqueadas, o Tor desbloqueia. A ferramenta é um software livre e de código aberto para fornecer navegação anônima e acessar sites bloqueados no país de forma gratuita. Gus informa que o programa é operado por 7.000 computadores mantidos por voluntários pelo mundo e com tráfego de 2 a 8 milhões de usuários diariamente. O Tor não sabe quem é o usuário e quais sites ele acessou. Seu tráfego passa por 3 servidores ao redor do mundo até encontrar a página de interesse. A cada servidor adiciona-se uma camada de criptografia, porém, se for realizado o login do site, é possível saber da utilização, mas não a localização.
Gus destaca que a interrupção total é incomum e o programa não atua nesse caso. Para o bloqueio de sites; protocolos (quando não é possível usar a VPN, por exemplo); apps como Facebook ou WhatsApp e para a redução da velocidade do site, o usuário pode utilizar o serviço.
Como instalar o Tor
A forma mais simples de instalar é pelo navegador Tor disponível em português para Desktop e Android (funciona apenas para visitar sites). Se o Tor estiver bloqueado, é possível acessar pelo espelho ou pelo Google Drive. “A diferença do Android para a Apple é a possibilidade de baixar o Tor com o F-Droid, se tiver bloqueado o Google Play. Já na Apple é muito difícil. A recomendação é se você usa iPhone ou iPad baixar os apps antes da censura, porque se bloquearem não é possível instalar”, destaca Gus.
Além do navegador, outra ferramenta para contornar a censura é o Orbot, um aplicativo que passa o tráfego pela rede Tor, parecido com a funcionalidade da VPN. “É possível usar o Orbot com outros apps do seu celular. É gratuito, pode ser descarregado no Google Play Store e está disponível para Android e IOS”, explica Gus. Alguns suportes oficiais do Tor funcionam no WhatsApp e fórum. Ainda é possível acessar o manual do navegador.
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