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A falta de diversidade nas redações brasileiras: como mudar isso?

May 1, 2022 发表在 Diversidade e Inclusão
Faces de diferentes cores

As redações brasileiras são mais brancas e masculinas do que a população do país e o racismo está presente na vida de praticamente todos os profissionais negros durante seu percurso profissional. É o que revela a pesquisa Perfil Racial da Imprensa Brasileira, feita pelo Jornalistas & Cia e Portal dos Jornalistas. O estudo dividiu-se em três fases e ouviu 1952 profissionais de todo o país.

De acordo com o estudo, apenas 20,1% dos jornalistas das redações declaram-se pretos e pardos (negros), número quase dois terços menor do que a efetiva representação da população negra do Brasil, que é de 56,20%, segundo último levantamento do IBGE. Já as mulheres, que são 51,8% da população, encolhem para 36,6% no jornalismo.

57% dos entrevistados negros identificam marcas de discriminação ao longo da vida profissional e 98% maior dificuldade para o desenvolvimento da carreira em relação aos brancos. Mulheres negras sofrem muito mais com 85% das entrevistadas afirmando que a combinação de racismo e machismo está muito presente em suas experiências profissionais. O Sul é a região com mais profissionais brancos (apenas 5,35% de negros) e o Nordeste, a com mais negros (38,89%).

Racismo estrutural nos veículos de comunicação

“Esse cenário é o que chamamos de racismo estrutural. Eu vejo que, em se tratando de comunicação e de jornalismo, isso é algo muito decepcionante pela responsabilidade e a função social que a área tem”, diz Gabi Coelho, jornalista do Estadão e diretora da Abraji.

Em vários dos aspectos pesquisados, a dificuldade dos negros para a ascensão e o desenvolvimento profissional é bastante marcada. A maior proporção entre os brancos de carreiras mais longevas (com mais de dez anos no atual vínculo) e, principalmente, a maior proporção de brancos em cargos gerenciais e de negros em cargos operacionais são exemplos dessa dificuldade.

“A falta de equidade racial nas redações empobrece a qualidade do jornalismo e acaba contribuindo para a reprodução do racismo na sociedade. Quanto mais diversidade racial nas redações, em todos os cargos, mais a sociedade brasileira terá um jornalismo que a represente”, afirma Valdice Gomes, diretora da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e integrante da Conajira (Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial).

Coelho acredita que as redações estão abrindo espaços para minorias, mas que isso é um reflexo principalmente da cobrança nas redes sociais. “Vejo essas mudanças acontecendo pela necessidade, porque na realidade não dá mais para fingir que isso não é uma urgência.”

Pautas ignoram a questão racial

O estudo aponta ainda que a definição de pautas e fontes tem, segundo os entrevistados, escolhas que são enviesadas pela recusa de temas ligados a questões raciais e pela preferência por fontes brancas. Coelho afirma que: "O racismo tem que ser falado sempre por pessoas pretas. Além da necessidade de existirem mais jornalistas negros nas redações, é preciso ouvir o público e os coletivos ligados à questão".

Gomes afirma que é perceptível um despreparo das redações quando deixam de abordar o recorte racial de problemas que afetam a sociedade brasileira. “Não tem como falar de violência policial nas periferias do Brasil, índices de mortalidade por Covid-19, e tantos outros temas sem fazer o recorte racial, ouvindo fontes especializadas.”

Ações pró-diversidade

A Régua de Diversidade é uma ferramenta criada pela Énois Laboratório de Jornalismo para mensurar a diversidade nas redações. Os responsáveis garantem que é a primeira ferramenta no mundo que acompanha o desempenho das organizações nesse quesito.

 “Ela pode ser utilizada por qualquer veículo, digital ou tradicional, de qualquer tamanho e foi criada a partir de experiências em grandes redações, como a Folha de S.Paulo”, explica Nina Weingrill, cofundadora da Enóis.

A partir de três eixos de atuação (Gestão, Produção jornalística e Cultura), a ferramenta permite monitorar o desempenho das redações nessas três áreas. No campo da gestão, um exemplo de ação de promoção da diversidade consiste em mudar a política de contratação para não priorizar apenas pessoas que falem inglês.

No setor de produção jornalística, uma iniciativa elencada pela Régua é a criação nas redações de bancos de fontes com pessoas negras, mulheres economistas, indígenas etc. Já na área de cultura, a criação de espaços de diálogo dentro das empresas para falar sobre racismo estrutural e machismo é outro exemplo.

A Enóis está também desenhando uma pesquisa para criar uma série histórica de dados de diversidade nas redações, algo inédito. “Queremos mapear pelo menos cem redações no Brasil para criarmos um acompanhamento e entendermos se este cenário de falta de diversidade está mudando no país”, diz Weingrill.

É fundamental ainda a colocação de profissionais pretos em cargos de visibilidade, não apenas de chefia, mas naqueles com relação direta com o público. “É importante que as pessoas olhem para a TV e digam ‘olha, tem uma mulher preta numa bancada de jornal’ e que reconheçam essas pessoas como valorizadas. Portanto, é muito mais que contratar. É conseguir colocar pessoas pretas no dia a dia”, diz Coelho.


Foto: Canva