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Como jornalistas enfrentam o declínio da liberdade de imprensa no Brasil

May 24, 2021 发表在 Segurança Digital e Física
Homem de cabelos brancos cabisbaixo usando camisa verde e amarela da seleção brasileira

O Brasil se encontra na zona vermelha do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2021, divulgado pela Repórter sem Fronteiras (RSF). Entre 180 países, o país está na 111ª posição. Caiu quatro pontos em relação ao ano passado e se situa ao lado de Nicarágua, Afeganistão, Indonésia e Guatemala. Como uma democracia como a brasileira chegou nesse ponto de fragilidade? 

“O trabalho da imprensa se tornou especialmente complexo depois de Jair Bolsonaro eleito. Ele, seus filhos que ocupam cargos eletivos e aliados do governo insultam e difamam jornalistas quase todos os dias. É um sistema organizado de ataque que chega à base de militância”, analisa Emmanuel Colombié, diretor regional da RSF para a América Latina. 

O diretor do The Intercept Brasil, Leandro Demori, reitera: “Basta lembrar que ele (o presidente) disse textualmente que a imprensa era o inimigo número um do Brasil.”

Em março de 2019, a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou ao governo brasileiro que Demori fosse um dos jornalistas a receber medidas protetivas após publicações de artigos que revelavam conversas entre procuradores e membros do Poder Judiciário da Operação Lava Jato. “Ninguém do governo brasileiro entrou em contato conosco”, diz Demori. Ele anda com escolta armada particular e já recebeu várias ameaças: “De mandarem foto de munição pra mim até tuitarem que eu estava num aeroporto e descreverem minha roupa.”

[Leia mais: Ataques a jornalistas sinaliza degradação da democracia no Brasil]

 

A jornalista Patricia Campos Mello foi alvo de ataque de cunho sexual por parte do presidente Jair Bolsonaro ao publicar reportagens sobre um esquema pago por empresários para espalhar mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2018. Em março deste ano, Bolsonaro foi condenado a indenizar a jornalista em R$20.000 por danos morais. “Isso é um sinal positivo porque mostra que no entendimento da Justiça não é normal nem permissível usar redes sociais ou falar numa transmissão ao vivo pra milhões de pessoas e caluniar um jornalista”, diz ela.

Mello recebeu o Prêmio Liberdade de Imprensa em 2019 pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), o que deu visibilidade mundial à situação da imprensa brasileira. Sobre o processo, o presidente Bolsonaro recorreu. "Obviamente a gente aguarda as decisões das próximas instâncias”, pontua Mello, lembrando que, infelizmente, o judiciário ainda se vale de princípios arcaicos para julgar casos envolvendo jornalistas, como o uso da Lei de Segurança Nacional. 

Segundo a edição 2021 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o jornalismo está totalmente ou parcialmente limitado em 73% dos países avaliados pela RSF.
Segundo a edição 2021 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres sem Fronteiras (RSF), o jornalismo está totalmente ou parcialmente limitado em 73% dos países avaliados pela RSF. Crédito: Divulgação da RSF.

 

Para Demori, está cada vez mais difícil trabalhar como jornalista no Brasil por conta do Poder Judiciário. “Juízes defendem juízes; participam ativamente do debate público e na hora ‘h’ fazem de conta que não são juízes. Processam jornalistas e os casos são julgados pelos pares, muitas vezes da mesma comarca”, diz Demori. “Eles decidem, por exemplo, retirar matérias do ar, evitar a circulação de revistas: procedimentos de países autoritários.”

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considera que nos últimos três anos houve um aumento da personificação dos ataques. “O acesso a redes sociais de jornalistas facilita essa estratégia violenta: ao invés de apontar eventuais inconsistências nos canais dos veículos, os haters se dirigem diretamente aos profissionais”, diz Katia Brembatti, diretora da Abraji.  A instituição, segundo ela, tem tomado medidas como monitoramento desses ataques e suporte aos profissionais, orientando como proceder em caso de agressões físicas, psicológicas, morais e virtuais.   

[Leia mais: Como enfrentar a falta de informação sobre a pandemia em regimes autoritários]

 

A pandemia se tornou um capítulo à parte no cenário de ameaças à liberdade de imprensa. “O presidente da República rotula a imprensa como responsável pela crise sanitária e tenta transformá-la em bode expiatório”, diz Colombié.  

“Não estamos na lista de prioridade para receber vacina. Estamos em todos os lugares cobrindo a pandemia e em risco o tempo inteiro”, diz a repórter Driele Veiga, da TV Aratu-BA, afiliada do SBT, “principalmente quando a gente vai cobrir o presidente, onde a aglomeração é certa, como foi na visita dele à Bahia para a duplicação da BR-101, em que a comitiva chegou inclusive sem máscara”. Durante esse evento, em abril deste ano, Veiga foi chamada de “idiota” pelo presidente da República.

A agressão verbal à repórter baiana aconteceu quando ela perguntou ao vivo o que o presidente achava das críticas recebidas pela foto em que ele aparece com a imagem de um CPF cancelado. “Quando se trata de mulheres, a gente vive hoje numa sociedade sexista, patriarcal, machista e muitos homens acham que conseguem intimidar mulheres com atitudes hostis, grosseiras”, avalia Veiga.

Segundo Colombié, “o Brasil é um laboratório para se observar os vários tipos de ataques à liberdade de imprensa”. Ele considera importante pontuar que o país também enfrenta problemas históricos e estruturais no campo da liberdade de expressão. “O país é o segundo da América Latina com o maior número de profissionais de imprensa assassinados na última década. Atrás apenas do México”, explica. “Jornalistas, blogueiros, radialistas, que, fora dos grandes centros urbanos, denunciam a corrupção ou a atuação do crime organizado sofrem ataques, ameaças e às vezes são assassinados.”

E como garantir a liberdade de imprensa? Colombié cita um exemplo sem precedentes durante a pandemia: “Tivemos a aliança inédita dos veículos da imprensa para buscar informações sobre os mortos por COVID diretamente com as autoridades estaduais, porque o governo federal não estava fazendo seu trabalho de transparência.”

A Abraji também busca ajudar jornalistas a lidar com situações de hostilidade ao jornalismo, promovendo discussões sobre como se preparar melhor e ferramentas para auxiliar na segurança e saúde mental de jornalistas. Brembatti diz: “O Congresso [da Abraji] realizado anualmente, assim como cursos e oficinas, cumprem esse papel.”

Apesar do raio-x sombrio, os jornalistas, que já foram vítimas de censura ou de agressões, não se intimidam. “Não tenho medo de trabalhar no Brasil. Eu tomo cuidado”, afirma Demori.

A estratégia de Mello é continuar seu trabalho da forma mais cuidadosa possível, sendo exigente consigo e checando ainda mais as fontes primárias para não cometer erros. “A única arma que a gente tem para combater tudo isso, seja tentativa de intimidação ou campanha de desinformação, é informação de qualidade”, diz.

Sobre o fato de ter continuado a entrevista ao vivo mesmo depois de ser ofendida, Veiga se remete ao compromisso maior do jornalismo com o público: “Eu reportei o que tinha que ser reportado, eu tinha que respeitar os meus telespectadores.”


Fabiana Santos é brasileira e mora em Washington, DC.  É jornalista freelance, produtora e editora de vídeos, mestranda em Relações Interculturais e responsável pelo site Tudo Sobre Minha Mãe.

Imagem sob licença CC no Unsplash por Vinicius "amnx" Amano