Dicas de como identificar, combater e neutralizar notícias falsas

Автор Marina Monzillo
Mar 4, 2021 в Reportagem sobre COVID-19
Vulto de uma pessoa em frente a uma tela gigante cheia de algoritmos

Em parceria com a nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ.

Este artigo é parte de nossa cobertura online sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.


“A desinformação é poderosíssima. Incorporar educação midiática nas escolas, desde muito cedo, forma leitores e consumidores mais cuidadosos e conscientes, preparados para lidar com esse conteúdo”, declarou a jornalista Minéya Fantim, durante o webinar “Estratégias para corrigir boatos e desinformação”, realizado pelo Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde, em 3 de março. 

Enquanto esse preparo para analisar criticamente as informações difundidas não é uma realidade, a convidada do debate —que é mestre em divulgação científica e cultural pela Unicamp e uma das tradutoras do “Manual da Desmistificação”— se juntou à Ana Rita Cunha, chefe de reportagem da agência de checagem Aos Fatos para passar orientações de como lidar com as imprecisões e inverdades cada vez mais sofisticadas que circulam, principalmente sobre a pandemia de COVID-19. 

Veja a seguir os principais pontos da conversa. 

Como identificar desinformação

  • Cunha começou explicando como funciona o trabalho na agência Aos Fatos. “O processo de seleção do que vamos checar é importante. Uma das preocupações é não amplificar, porque se você vê muitas vezes um discurso, tem a impressão de que é verdade. A gente prioriza questões que afetam a saúde pública em relação a um boato sobre a vida de uma pessoa famosa, por exemplo”. Ela disse que o primeiro passo é tentar entender de onde vem aquela desinformação, não necessariamente descobrir quem foi a pessoa que começou, mas o contexto em que foi criada, “porque podem ter subtextos que devem estar na checagem”. 

  • Nem sempre o conteúdo é falso. Às vezes é distorcido, como notícias antigas circulando como se fossem atuais e dados científicos com conceitos complexos colocados fora de contexto. Vídeos, por exemplo, são conteúdos longos que misturam muita coisa, são particularmente difíceis de checar. “O mais importante é entender qual é a fonte mais qualificada para localizar e definir aquela informação e explicar isso para o leitor. Ele precisa entender que tem um método”, comentou a jornalista. 

  • Fantim contribuiu trazendo o que diz o “Manual da Desmistificação” sobre como evitar que uma desinformação crie raízes. “Pré-desmistificação ou inoculação é uma estratégia de explicar, uma tentativa de alertar e produzir uma espécie de generalização para a pessoa ficar atenta e aplicar em outros contextos”. Ou seja, criar uma leitura mais crítica e impedir uma exposição posterior à desinformação. As agências de checagem exercem um papel na inoculação. Outro conceito apresentado pela especialista é o de tipping point, o momento em que o mito saiu de um nicho, começa a se espalhar e cruzar plataformas. 

[Leia mais: Como enfrentar a desinformação sobre COVID-19 promovida por políticos?]

Como combater os mitos

  • Cunha chamou a atenção para as mudanças que a pandemia trouxe. “Antes, havia uma divisão interessante, havia desinformação política e de saúde. A política era em bolhas e condescendente. Saúde não tinha isso, havia um potencial de disseminação maior, porque não havia lado, atravessava as bolhas, mas quando você desmentia, não havia paixão na defesa. Com a pandemia e a politização da saúde, se sobrepõem os comportamentos”. Ela recomenda não agir apaixonadamente na hora de combater uma desinformação. “Eu entendo a paixão, dá revolta, mas isso não vai conseguir estabelecer um diálogo.” 

  • Fantim indicou a leitura transversal, ou seja, a busca pela informação em outros veículos, para ver se ela se confirma. “Ao consumir uma discussão, não só uma notícia única sobre o assunto, você acaba ficando mais blindado”, afirmou. “Outro manual, o das ‘Teorias da Conspiração’, aborda que partir para uma estratégia de ataque, não vai fazer com que a pessoa que está consumindo desinformação pare de acreditar, ela só vai parar de falar com você sobre isso. Trabalhar linguagem inclusiva e evitar estigmas, é importante, se não, vai só aumentar a polarização”. As duas jornalistas concordam, entretanto, que é importante sempre que possível dizer algo. “Isso cria uma correção observacional, ver uma pessoa ser corrigida pode levar você a ter uma postura mais crítica”, disse Fantim. 

[Leia mais: Pesquisador explica como as mídias sociais são usadas pelo movimento antivacina]
 

A complexidade das redes 

  • “É difícil olhar de cima para as redes sociais, é como um quebra-cabeça, por conta do algoritmo”, comentou Cunha, acrescentando que os aplicativo de mensagem, como os WhatsApp, são uma caixa-preta. “Você não tem como saber quantas vezes uma mensagem foi encaminhada, só que é encaminhada por frequência; pode ser uma centena ou um milhão de compartilhamentos”. E compartilhamento é um critério importante, que muda de rede para a rede de tipping point.

  • Fantim trouxe a orientação de como tornar uma desmistificação nas redes sociais bem-sucedida. “O manual propõe quatro componentes: não é uma fórmula, mas sugere apresentar o fato, a verdade, logo no começo, de forma simples e acessível. Alertar sobre o mito em seguida, mas apenas uma vez, para não intensificá-lo. Falar sobre a forma que o mito tenta te enganar, na comparação do mito com a verdade, em uma tentativa de inoculação. Por fim, sugerir o reforçamento do fato, para que isso seja a última coisa que a pessoa vai ouvir, para fechar o ciclo da correção”. Além disso, sugerir que a pessoa desacelere e processe a informação, já que a gente está em um meio onde recebe chuva de informação o tempo todo.”

  • Cunha lembrou que fazer denúncias nas redes é sempre complicado. “Tem os trolls na internet, que querem derrubar desafetos, mas todas as plataformas têm formas de denúncia de conteúdo enganoso. Twitter está tentando uma forma colaborativa”. Ela acrescentou uma análise de que, diferente do jornal onde há hierarquia de conteúdo, as redes sociais tiram o contexto e isso facilita a desinformação. “Não tem linha editorial. Todo post tem a mesma cara, mesmo padrão, mas não é porque tudo parece igual, tudo é apurado com o mesmo rigor.”

  • Além das redes sociais, Cunha alertou sobre os sites que propagam desinformação. “Assim como as habilidades de reconhecê-los cresceram, os sites se sofisticaram. Uma das formas de identificá-los, é ver analisar como lidam com o erro: mudam o título, mas não mudam a matéria, ou postam que erraram, mas não tiram a matéria do ar. 

A responsabilidade do jornalismo

  • Resistir ao clickbait, às manchetes ambíguas, ao jornalismo declaratório —de reprodução de declarações fora de contexto— a divulgação de pré-resultado de pesquisa científica como absoluto são maneiras do jornalismo não contribuir para a desinformação. “O jornalista também pode alimentar a desinformação; vimos muito isso na pandemia. Se o jornalista não se esmera em ser diferente, como podemos falar que somos melhores? As pessoas vão ter ainda mais dificuldade em diferenciar o que é verdade de desinformação”, disse Cunha. 

  • Para ela, o papel do jornalista é mostrar que os desinformadores ganham dinheiro, existem interesses econômicos por trás. “Investigar e mostrar isso tem de ser mais feito. Oferecer informação do que está atrás das coisas é o que o jornalismo faz de melhor”. Fantim também falou da importância de se buscar treinamento e aperfeiçoamento na área científica.


Marina Monzillo é jornalista freelancer com 20 anos de experiência em diversas áreas, como cultura, turismo, saúde, educação e negócios.

Imagem sob licença CC no Unsplash por Chris Yang