O jornal universitário que investiu em pautas sociais e ganhou prêmio

Автор Maurício Ferro
Nov 14, 2024 в Jornalismo básico
Premio Campus

Redação colaborativa, "editoria de serviços", acessibilidade e pautas sociais. Estas foram as premissas implementadas pelo Jornal Campus, da FAC (Faculdade de Comunicação) da UnB (Universidade de Brasília), vencedor este ano do prêmio de melhor jornal-laboratório do país na 30° Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom) Nacional, promovida pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), o maior congresso de comunicação da América Latina.

“O Expocom é uma vitrine do que está sendo feito de melhor na produção acadêmica da área de Comunicação. Além, é claro, de servir de portfólio para o egresso, com o peso de uma premiação recebida ainda na graduação", explicou Genio Nascimento, coordenador geral do Expocom.

Como funcionou a premiação?

O Jornal Campus inscreveu na Expocom 2024 duas de suas edições –números 455 e 456. A soma dos 2 exemplares rendeu os prêmios regional (Centro-Oeste) e nacional na categoria "Jornal-Laboratório". A edição 456 também foi premiada como "melhor design de imprensa" na rodada regional, do Centro-Oeste.

Na Expocom nacional, o jornal da UnB concorreu com trabalhos da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

A redação do jornal premiado

A redação é 100% formada por estudantes e dividida em funções editoriais. O modelo privilegia a colaboração entre as áreas do jornal, desde a concepção do projeto editorial ao projeto gráfico.

"Horizontalizamos tudo. Nessa divisão de funções, o material de texto, por exemplo, passa pela editora de texto. Depois, passa pela editora-chefe. Por fim, chega em mim", explicou Fernanda Vasques, professora responsável.

Vasques explicou que todos os alunos precisavam escrever textos e desempenhar uma função editorial. Por isso, a avaliação na disciplina ocorreu de duas maneiras. Uma nota para o desempenho na função editorial; outra nota pelo texto. 

"Quem é repórter é avaliado como repórter e pelo seu texto. Quem é editor-chefe, por exemplo, é avaliado como editor-chefe na execução de suas atribuições, mas também na produção de texto, porque o editor-chefe também escreve", explicou a professora. 

Editoria de serviços

Para tentar tornar o jornal mais próximo da audiência, uma inovação: o cargo de editor ou editora de serviços. Uma pessoa responsável por entender se os conteúdos realmente estão cumprindo a função de servir ao público.

"Tivemos uma reportagem sobre câncer de mama. A reportagem trazia orientações sobre prevenção, cuidados. E tivemos a preocupação de pensar numa relação de redação e leitor que fosse prática; que, de certo modo, estivesse a serviço do leitor e pudesse trazer algum tipo de transformação social", disse a estudante Rayanne Nascimento.

Acessibilidade 

O projeto adotou audiodescrição dos conteúdos. Uma das edições do Jornal Campus foi liberada no Spotify para incluir pessoas cegas ou com baixa visão. Diante do avanço da IA (inteligência artificial), uma nota é necessária: toda a produção foi realizada com voz e interpretação humanas. Trabalho dos estudantes.

Premiado mas sem impressão

Apesar de premiadas, as duas edições reconhecidas no Expocom não foram impressas. "Não tivemos a impressão do jornal ainda por questões burocráticas, coisas que vão além da nossa vontade. Mas, mesmo assim, conseguimos dar a volta por cima e fizemos um trabalho lindo", disse Alice Groth.

Outro desafio foi o tamanho da turma. Para a 1ª edição, havia 11 alunos, que produziram 12 páginas. Na 2ª edição, a faculdade ampliou a quantidade de matrículas: 19 estudantes produziram 24 páginas. "Vivenciamos de todas as formas essa experiência. Era bastante trabalho, bastante demanda. Nossa equipe de diagramação era bem pequena para a quantidade de páginas", disse a aluna Rayanne Nascimento.

"Cada aluno tinha que se esforçar na sua função e ainda entregar texto. Às vezes, as coisas se embolavam, mas tudo bem. É natural, porque era muito para fazer, com poucos alunos", disse a estudante Alice Groth.

A professora Fernanda Vasques ainda destacou outros 2 pontos: o engajamento e a dedicação dos alunos."O prêmio reverbera um esforço coletivo dos estudantes, uma resiliência, porque a primeira turma não conseguiu imprimir o jornal, e a segunda turma sabia que o jornal não tinha sido impresso ainda e havia muita expectativa de imprimi-lo. Os alunos foram resilientes e engajados".

Pautas de interesse social

O diferencial das edições premiadas foi a relevância social das pautas abordadas. Rayanne Nascimento, por exemplo, escreveu uma reportagem sobre violência escolar. "Se nós temos uma sociedade carregada de violências, de estigmas, preconceitos, a escola vai refletir isso. Vai acabar, de alguma forma, prejudicando a formação das pessoas”, diz a estudante de jornalismo. “Principalmente quando se trata de estudantes de escola pública, com algum tipo de vulnerabilidade socioeconômica”.

Ela disse que teve razões pessoais para se aprofundar na pauta. "Venho de escola pública. Sou moradora de periferia, então, queria me aprofundar nesse tema. Tenho um interesse muito grande na área de educação".

Autora da reportagem de capa da edição 456 ("Cárcere negro, Judiciário branco"), a estudante Stephany Rocha escreveu um texto que contestava a diversidade do Judiciário brasileiro e a quem essa Justiça realmente servia. Ela reuniu dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e concluiu que o judiciário brasileiro é composto por “homens brancos de meia-idade que já vêm de uma condição financeira boa", como disse a aluna. “Poucas pessoas que não têm uma condição financeira favorável alcançam os níveis altos da Justiça no Brasil”.

Ela levantou ainda dados do Fórum Nacional de Justiça e do Fórum Nacional de Segurança Pública que apontam sobre a maioria da população carcerária ser negra, formada principalmente por jovens. ”Quanto mais a pessoa é negra, mais ela fica presa. Quanto mais a pessoa é branca, mais tem boas condições financeiras de chegar ao Judiciário", concluiu a autora da reportagem.


Foto: Professora Fernanda Vasques com as alunas Alice Groth, Sthefany Rocha e Rayanne Nascimento (Arquivo pessoal)