Mudanças climáticas: a psicologia explica e ajuda na falta de engajamento com tema

May 9, 2022 в Reportagem de meio ambiente
Protesto sobre mudanças climáticas

Mais de 99% dos estudos realizados sobre mudanças climáticas na última década concordam que o ser humano é o principal responsável pelas emissões de gases do efeito estufa — um nível de certeza comparável ao da evolução da vida na Terra ou da existência das placas tectônicas.

Ainda assim, o baixo nível de envolvimento da população no combate à crise climática não condiz com a necessidade urgente de investir em ações para evitar seu agravamento. Compreender os aspectos psicológicos que explicam este contraste pode ser útil para fazer um jornalismo que engaje o público e o motive à ação.

Os dois lados do cérebro e o viés da confirmação

No livro A Psicologia das Mudanças Climáticas, os pesquisadores Geoffrey Beattie e Laura McGuire atribuem o fracasso de muitas das campanhas de conscientização à confiança excessiva na racionalidade do público-alvo.

A questão é que nosso lado racional, consciente e voltado à lógica, funciona de forma complementar ao irracional. Sem perceber, busca apoiar impressões e emoções construídas de forma automática por meio de rápidas associações de ideias, constituindo o chamado viés da confirmação.

“Você procura por informações consistentes com o que você já pensa, quer ou sente. Isso leva as pessoas a evitarem, ignorarem ou esquecerem informações que requerem que mudem suas mentes ou comportamento”, explica Debika Shome, consultora de impacto social e coautora de A Comunicação das Mudanças Climáticas, guia publicado pelo Centro de Pesquisas sobre Decisões Ambientais (CRED) da Universidade de Columbia.

Shome declara que uma produção jornalística de sucesso atrai tanto o lado intuitivo do cérebro, fonte de emoções e instintos, quanto a parte responsável pelo processamento analítico, voltada ao pensamento lógico.

“Uma oportunidade de se conectar mais com a audiência é com storytelling e humanização das mudanças climáticas. As pessoas tendem a ser bastante relacionais, então elas entendem o mundo através de histórias, imagens e suas conexões pessoais, para além de números e análises”, relata Shome.

Investir na tradução e simplificação da linguagem também pode ser útil. “A comunicação sobre mudanças climáticas é frequentemente impregnada de jargões científicos, o que pode provocar confusão e mal-entendidos”, explica Shome.

Viés espacial e temporal

Shome também coloca os vieses espacial e temporal como obstáculos ao engajamento com o assunto: “Muitas pessoas se sentem geográfica e temporalmente distantes do impacto das mudanças climáticas. Elas acham que é algo que vai acontecer com outra pessoa, em outro lugar, em um futuro distante. O cérebro humano não é projetado para reagir imediatamente a ameaças que parecem estar no futuro.”

O uso de imagens e histórias pode ajudar a transmitir o senso de urgência que é próprio do assunto. “A parte intuitiva do cérebro controla o comportamento de sobrevivência. Coisas como imagens e histórias ativam este sistema, que é um motivador mais forte para a ação. Apesar disso, a maior parte da comunicação sobre mudanças climáticas está voltada ao sistema de processamento analítico, com tabelas e números”, explica.

Entorpecimento emocional

Outra barreira ao envolvimento com notícias sobre a crise climática é o entorpecimento emocional, resultado da repetida exposição a situações cansativas emocionalmente. Para Debika Shome, o problema é a superexposição: “Isso acontece muito com a mídia de hoje, muitos se desligam e param de prestar atenção porque a sensação é sufocante.”

Eloisa Beling Loose, pesquisadora na área de comunicação climática, professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro Jornalismo e Riscos Climáticos, declara que a ênfase nos cenários mais negativos pode levar à paralisia ou apatia e ressalta a importância de destacar formas de ação efetivas, que conectem questões globais e locais e incluam fontes que já incorporaram modos de vida que emitem menos gases de efeito estufa.

“É preciso apresentar o que é possível nos âmbitos individual e coletivo. Histórias humanizadas e que mostrem soluções para diminuir as emissões de gases de efeito estufa costumam ser melhor recebidas do que aquelas afastadas da realidade do leitor, como as discussões das cúpulas internacionais ou o degelo dos polos, por exemplo”, afirma.

Não dê espaço ao negacionismo

Loose aponta que a imprensa estadunidense errou por muitos anos ao dar espaço ao negacionismo na cobertura climática, gerando um efeito de dúvida e incerteza sobre o fenômeno - mesmo que seja uma opinião contrária à da grande maioria da comunidade científica.

A pesquisadora destaca que a multiplicidade de abordagens possíveis ao tema não deve ser confundida com oportunidade para negar sua importância: “A discussão climática é transversal a todas as editorias de um veículo e pode ser trabalhada com múltiplos enfoques. O importante é não se iludir com respostas fáceis ou dar espaço para negacionistas, já que há anos temos evidências científicas consistentes sobre a gravidade e a urgência do problema.”

Para se aprofundar no tema

Além das produções citadas neste artigo, Loose recomenda como oportunidades de aprofundamento no assunto o Minimanual para cobertura jornalística das mudanças climáticas, elaborado pelos Grupos de Pesquisa Estudos de Jornalismo (UFSM) e Jornalismo Ambiental (UFRGS), e os portais do ClimaInfo, do Observatório do Clima, da Rede Clima e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.


Foto: Mika Baumeister no Unsplash