Como fazer jornalismo ambiental independente, isento, e financeiramente viável? Este foi o desafio que motivou Letícia Klein, de Blumenau (SC), a se candidatar a uma bolsa do International Center for Journalists (ICFJ). A catarinense é repórter freelancer na Ambiental Media - agência especializada em jornalismo ambiental e científico - e também trabalha no reposicionamento da empresa no mercado.
A busca por um modelo de negócios
A partir da necessidade de ampliar a atuação da Ambiental Media, sem comprometer a credibilidade do conteúdo produzido, surgiu o projeto Ambiental Marcas, inscrito por Letícia no programa Fall 2021 do ICFJ. A ideia, segundo ela, era criar um modelo de negócios com a participação de empresas comprometidas com o meio ambiente. “As marcas estão investindo bastante em jornalismo, cada vez mais apostam em conteúdo para mostrar que elas também estão envolvidas com a questão ambiental e social", explica Klein. "Até porque nenhuma empresa sobrevive sem recursos naturais para fazer seus produtos, ou sem as pessoas das comunidades de onde vêm os produtos.”
Klein conta que o trabalho freelancer acaba limitado quando depende somente do dinheiro de editais: “Cada projeto nosso é financiado por meio de um edital ou de um prêmio, é de onde vem o salário. Não temos tempo suficiente para elaborar e inscrever tantos projetos em um ano, e muitas vezes os recursos também não são suficientes. Então é preciso um modelo de negócios com mais parcerias, com outras fontes de financiamento.” Segundo a jornalista, a mentoria oferecida na fellowship do ICFJ foi determinante para a execução do projeto. Uma das ações é a criação de um site de apresentação, com o objetivo de atrair empresas parceiras. A página ficará hospedada no novo portal da Ambiental Media. O lançamento deve ocorrer no primeiro semestre deste ano.
Um novo mundo de network e aprendizado
O programa Fall 2021 teve início em agosto, e contou com a participação de bolsistas de diversos países. Após uma semana de aulas sobre diferentes temas do jornalismo, os estudantes foram encaminhados para a fase de mentoria: durante quatro semanas, cada um deles foi recebido por uma organização (host), onde tiveram contato direto com profissionais da área de atuação. Por causa da pandemia, os encontros com os jornalistas norte-americanos ocorreram de forma virtual.
Klein foi orientada pela jornalista Nadia Sussman, da ProPublica – agência cuja missão é denunciar crimes cometidos por autoridades do governo, empresários e membros de outras instituições. A experiência foi tão enriquecedora, nas palavras de Klein, que ainda rendeu mais do que o planejado: ao longo das conversas com Sussman, ela descobriu que a orientadora estava produzindo uma matéria sobre a poluição causada pela queima de cana-de-açúcar em lavouras da Flórida, e que viria a São Paulo conhecer iniciativas sustentáveis implementadas por produtores brasileiros. Sussman convidou Klein para contribuir na realização das entrevistas, e ainda citou a participação da estudante na reportagem.
Atitude proativa enquanto bolsista
Klein acredita que sua atitude proativa durante o período de imersão na ProPublica foi decisiva tanto para a oportunidade de colaborar numa publicação internacional quanto para conseguir diversas informações. “Os contatos profissionais fazem toda a diferença para um jornalista. No meu caso, eu estava sempre mandando email, perguntando quem queria conversar comigo", explica a bolsista. "Eu aproveitei para perguntar de tudo. Queria saber quem trabalhava com podcasts, com newsletters, com financiamento, como funcionava o financiamento deles".
O modelo norte-americano de gestão e financiamento impactou Letícia, que ficou surpresa em saber que a maior parte do dinheiro investido vem de doações de pessoas físicas e jurídicas. O que também chamou sua atenção foi o perfeccionismo dos colegas na apuração dos fatos. Ela vai levar o exemplo para sua vida profissional. “Os norte-americanos são extremamente meticulosos. Fazem fact-checking quantas vezes for preciso”, diz a jornalista. “E isso é o que eu quero fazer: um trabalho de qualidade, que traga uma mudança positiva no mundo.”
Tente outra vez
A aprovação de Letícia no programa de fellowship do ICFJ não foi de primeira: somente depois da terceira tentativa ela obteve sucesso. “Nos dois primeiros anos eu inscrevi projetos diferentes, mas eles não eram tão consistentes. Na terceira vez, o foco do projeto já estava bem definido. Foi o de montar um plano de negócios para a agência Ambiental Media, e uma das ações seria o site Ambiental Marcas", explica a Klein. "Eu segui a intuição de falar sobre visão e missão da Ambiental Media. Acho que esse foi o diferencial. O que chamou a atenção do ICFJ foi a missão de fazer jornalismo crítico sobre questões ambientais.”
Para os interessados em concorrer a uma bolsa, a principal dica de Klein é não desistir: “Pode não ser na primeira, nem na segunda, nem na terceira, mas uma hora vai ser. Não tenha medo de fracassar na entrevista. O projeto não precisa estar completamente pronto, mas você deve mostrar que tem vontade e interesse em fazer sua ideia acontecer.”
Depois da vivência como fellow, Letícia Klein pretende seguir com determinação seu desejo de mudar o mundo por meio do jornalismo ambiental. “O trabalho do jornalista ambiental é imprescindível, porque não existe vida num planeta doente, num planeta degradado", diz a bolsista. "A pandemia está mostrando como o nosso planeta está interconectado, e o jornalista ambiental deve ser capaz de analisar essas relações, denunciando os problemas e indicando caminhos para que as soluções aconteçam. A gente tem as ferramentas para mudar o mundo, basta querer!”
Foto: arquivo pessoal de Leticia Klein.